Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
Anteriormente, nesta mesma coluna, eu apresentei para você uma pequena explicação a respeito da primeira grande virtude cardial, a prudência.
Agir prudentemente é um desafio que se estende por toda vida e, quando temos filhos, este desafio é elevado à décima potência, uma vez que, precisamos lapidar a nós mesmos e, paralelamente, esculpir as almas deles no sentido de torná-las virtuosas.
Isto não é uma tarefa fácil. A empreitada assemelha-se a entalhar um grande bloco de mármore retirando de seu interior uma Pietà como a de Michelangelo, fazendo uso de um ínfimo alfinete como ferramenta de trabalho.
A prudência pode ser simbolizada como uma grande estrela orbitada por alguns planetas menores, por virtudes menores. Quanto maior for a quantidade de planetas, maiores serão as chances de a ação praticada ser classificada como virtuosa.
Você conseguiria elencar essas pequenas virtudes sem titubear? Você acredita tê-las claras em sua mente a ponto delas servirem como balizadoras das condutas durante o dia? Você e seu cônjuge tem um método compartilhado para desenvolvimento gradativo da prudência?
A tradição filosófica e religiosa do Ocidente é permeada por belíssimos textos que versam sobre o tema das virtudes, incluindo lindas análises sobre essas virtudes menores.
Um dos autores mais basilares que escreveu sobre isso foi Santo Tomás de Aquino. Não é à toa que muito se fala – fora dos muros das faculdades de Psicologia, é claro – sobre a belíssima psicologia Tomista e sua importância na educação correta dos filhos.
Logo, se quisermos ir além da rasa, pobre, cientificista e materialista psicologia contemporânea; se almejamos transformar todo este conhecimento em um instrumental prático e útil para nós mesmos e para nossa família, é imperativo analisarmos o que autores como Aquino nos apresentam sobre o tema.
Neste artigo vou me ater às virtudes menores que orbitam a grande estrela prudência.
A primeira das virtudes anexas à prudência é a boa memória do passado. É praticamente impossível agir prudentemente se os conhecimentos e as experiências pretéritas que nos foram legados pelos nossos antepassados são constantemente ignorados ou mesmo esquecidos.
Este descaso com a tradição é a norma da ideologia progressista que contaminou as últimas gerações ocidentais e que alimenta a ingênua crença cronocêntrica de que o presente é necessariamente melhor do que o passado.
Com base nesta besteira, psicólogos ingênuos acreditam que um livrinho best seller de psicologia positiva guarda mais sabedoria do que a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Eu já fui um desses ingênuos, até o dia em que me deparei com os escritos de Aquino e entrei em contato com a minha gigantesca boçalidade.
Estar atento aos ensinamentos do passado e fazer uso deles para melhor agir no presente também é dependente de elementos psicológicos congênitos que foram consistentemente estudados por psicólogos como Le Senne e Gaston Berger.
Segundo eles, alguns de nós nascem com a tendência de ser mais influenciados pelo passado do que pelo presente, e a este grupo Le Senne e Berger chamam de secundários. Aqueles que tomam decisões com base no que está acontecendo no presente são denominados de primários.
Os secundários são, ao menos potencialmente, mais prudentes, mas podem demonstrar grande tendência a ruminar mágoas do passado.
Primários, em contrapartida, são mais afoitos e incorrem várias vezes no mesmo erro, mas podem ser mais inclinados ao perdão e a conduzir a vida de maneira mais leve.
Voltarei a este assunto em colunas subsequentes, quando apresentarei a você as bases da caracterologia, uma teoria psicológica desenvolvida por Le Senne e que julgo imprescindível para que os pais possam educar melhor seus filhos, adequando seus métodos às características psicológicas inatas de cada um deles. Por enquanto, vamos retornar às virtudes menores.
O segundo planeta que orbita a estrela prudência é a inteligência do presente, e para que esta se manifeste não é necessário que você seja um primário, mas que esteja apto a fazer boas leituras da realidade que o abarca.
Isso só acontece com a conquista da maturidade e com o estudo constante. Aristóteles já nos alertava que a prudência é uma virtude adquirida por meio da instrução, da meditação, da reflexão, da comparação; e tudo isso inexiste hoje na maioria das escolas e universidades que viraram campos de doutrinação ideológica ou centros de estudos e desenvolvimento progressivo da imprudência.
Logo, se quisermos desenvolver a prudência é imperativo que desenvolvamos algum grau de autodidatismo e que busquemos o conhecimento fora dos muros universitários, ainda que existam raríssimas exceções.
A terceira virtude anexa à prudência é a docilidade, que se manifesta de muitas maneiras, como na habilidade de escutar com atenção aquilo que os outros tem a nos dizer.
Costumo falar que ouvir é uma capacidade biológica inata a todos nós; o escutar já pressupõe um esforço, uma decisão de compreender a maneira como o interlocutor vê e frui o mundo.
Por exemplo, conheço muitos psicoterapeutas que somente ouvem seus pacientes, mas não os escutam. Partem de pressupostos fortemente arraigados em suas estruturas de pensamento e acabam fazendo deles um “puxadinho” de suas crenças.
Nada mais imprudente terapeuticamente. Na educação de nossos filhos podemos incorrer no mesmo erro, principalmente quando a correria do dia a dia nos serve de desculpa para justificar a carência de tempo disponibilizado a eles.
Conheço pais que concedem somente uma hora por semana aos seus filhos, e durante este parco período não se esforçam para escutá-los, conformando-se somente com o “árduo” exercício de ouvi-los.
Recentemente uma adolescente de quinze anos me confidenciou: “Danuca, eu não sei quem é meu pai, e ele não conhece a filha que tem”. Detalhe, a menina é oriunda de uma família de classe média alta e, em termos materiais, nada lhe falta.
Para sermos prudentes também é necessário certa dose de sagacidade e de compreensão daquilo que está implícito no mundo.
Mas, é impossível ser sagaz se o imaginário é pobre; se o vocabulário é escasso; se as circunstâncias apequenam a capacidade reflexiva e restringem o campo de visão.
A geração dos nossos filhos é incapaz de fazer uso de figuras de linguagem; de sintetizar textos simples; de memorizar fatos históricos; de definir corretamente as palavras; de se proteger do politicamente correto.
Tudo isso mina a sagacidade e transforma os jovens em seres anódinos facilmente manipuláveis e que acabam sendo convertidos em massa de manobra para servir nas trincheiras dos revolucionários que desconhecem o verdadeiro motivo de suas lutas.
“Danuca, você está exagerando!”. Não estou. E convido você a ver ou a rever o maravilhoso documentário da Brasil Paralelo que recebeu o nome de Pátria Educadora. Lá você terá acesso aos dados concretos e objetivos que amparam minha entristecida e cáustica opinião.
Habituar-se a pensar no futuro e nas consequências de nossas ações é também uma virtude anexa à prudência e recebe o nome de providência.
Como pode a atual geração ser capaz de pensar no bem futuro e providenciar os meios corretos para atingi-los se há anos somos guiados pelo império do imediato?
Tudo está a um clique de distância e tudo é obtido com extrema rapidez. Como já tratamos deste assunto em artigos anteriores, não é necessário nos aprofundarmos muito nesta questão, mas, é sempre bom recordar que as ideias têm consequências, e que na maioria das vezes, as consequências das ideias não estão necessariamente alinhadas com a intenção de seu autor.
Um exemplo claro disso é a franca defesa de parte dos adeptos do movimento LGBT ao grupo terrorista Hamas; ingênua sinalização de virtudes humanitárias que despreza o óbvio que dispensa maiores explicações.
A sexta virtude é a circunspecção, definida como a capacidade de esperar o momento certo para comunicar algo.
Pressupõe precaução no agir e no falar; contudo, como esperar circunspecção daqueles que foram criados em um mundo líquido que muda sua configuração a todo momento? Como desenvolver esta virtude em uma geração movida pelo nervosismo e tratada desde tenra idade com psicofármacos ansiolíticos?
As novas gerações são pouco cautelosas, e a cautela também orbita a estrela prudência. Prever percalços futuros é a habilidade demonstrada pelo sujeito cauteloso.
A geração dos Baby Boomers, a Geração X e a dos Millennials foram progressivamente sendo pouco cautelosas em vários aspectos na educação de seus filhos.
O livro A Fábrica de Cretinos Digitais: os perigos das telas para nossas crianças, expõe este nosso equívoco de maneira, no mínimo, assustadora. Na contracapa da obra podemos ler:
“Por que os grandes gurus do Vale do Silício proíbem seus filhos de usar telas? Você sabia que nunca na história da humanidade houve um declínio tão acentuado nas habilidades cognitivas? Você sabia que apenas trinta minutos por dia na frente de uma tela são suficientes para que o desenvolvimento intelectual da criança comece a ser afetado?
Ao contrário do que a imprensa e a indústria da tecnologia costumam difundir, o uso das telas, longe de ajudar no desenvolvimento de crianças e estudantes, acarreta sérios malefícios à saúde do corpo (obesidade, problemas cardiovasculares, expectativa de vida reduzida), ao estado emocional (agressividade, depressão, comportamentos de risco), e ao desenvolvimento intelectual (empobrecimento da linguagem, dificuldade de concentração e perda de memória).
O neurocientista Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto nacional de Saúde da França, propões a primeira síntese de vários estudos que confirmam os perigos reais das telas e nos alerta para as graves consequências de continuarmos a promover, sem sendo crítico, o uso dessas tecnologias”.
E você pai? E você mãe? Acredita ser prudente ou crê fazer parte desta triste estatística? Tem sido prudente na condução de sua própria vida? Tem sido prudente com relação à maneira com que concede acesso às telas aos seus filhos? Acredita que você mesmo possa estar viciado em telas?
A prudência, como nos diz Santo Tomás de Aquino “é a reta razão no agir”. Ela é dependente de uma constante autorreflexão, o que quase nunca é algo agradável de ser realizado, pois, invariavelmente faz com que nos deparemos com algumas sombras que habitam dentro de nós.
Porém, ninguém amadurece simplesmente sinalizando virtudes inexistentes; ninguém muda de camada sem algum tipo de sofrimento; ninguém se ilumina imaginando luzes, mas conscientizando as sombras.
Que este texto possa servir de estímulo para que você continue buscando absorver o conhecimento que tem sido extirpado das escolas e das universidades dos nossos filhos, e que, munido dele, você possa contrapor as nefastas ideias e os pervertidos valores que o mundo contemporâneo vem defendendo.
Doutor em Ciências (psicobiologia);
Mestre em Farmacologia;
Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar