Ler a Suma Teológica demanda um aprendizado específico. Há melhores formas para ler sobre história que são diferentes das formas de ler filosofia, por exemplo. Um livro de fantasia exige ainda outro tipo de atenção na leitura. As obras são diferentes e conhecer suas diferenças ajuda no entendimento. Para ler a Suma Teológica não é diferente, pois é preciso entender primeiro como Santo Tomás de Aquino a escreveu.
Trata-se de uma das maiores obras de teologia da história, intimamente unida à filosofia. Em seu tempo, ele considerou que estava escrevendo uma introdução, algo para iniciantes. Hoje, é estudada por doutores.
A Suma Teológica foi escrita há 700 anos atrás para iniciantes de teologia. A sua linguagem é clara e direta. Contudo, a teologia era a última disciplina de uma série de estudos, principalmente de filosofia.
A Suma Teológica é considerada por muitos como a maior e melhor obra de filosofia e teologia da história.
Para ajudar aqueles que querem extrair conhecimento da obra magna de Santo Tomás, 6 dicas principais foram formuladas. São elas:
Conhecer a estrutura da Suma Teológica;
Conhecer boas introduções do pensamento de Santo Tomás;
Conhecer o fundamento do pensamento tomista;
Entender a disciplina que Santo Tomás se propõe a estudar — a teologia;
Conhecer fundamentos da filosofia aristotélica.
Conhecer a filosofia patrística.
Estrutura da Suma Teológica
A Suma Teológica possui uma estrutura diferente dos livros modernos. Isso está atrelado ao método empregado por Santo Tomás, explicado no próximo tópico.
A obra é dividida em 3 partes, onde se encontram 512 questões. Em cada parte são suscitadas questões. Em cada questão, Tomás de Aquino expõe diferentes hipóteses contrárias ao que ele quer provar e analisa cada uma delas.
Os temas centrais de cada uma das partes da Suma Teológica são:
Primeira Parte: versa sobre a doutrina sagrada, a existência de Deus, sua natureza, o processo da criação e a natureza das criaturas
Segunda Parte: A segunda parte é dividida em duas. A primeira parte da segunda parte trata sobre a imagem de Deus nos homens. A segunda parte da segunda parte trata sobre as virtudes cardeais, teologais e os carismas do Espírito Santo. A segunda parte como um todo trata da moral.
Terceira Parte: A terceira parte versa sobre Jesus Cristo e os Sacramentos.
Sobre o tema central, Tomás suscita uma questão e apresenta diversas opiniões a respeito. Ele analisa cada uma delas, levando-as até às últimas consequências para encontrar a verdade sobre o assunto.
Por exemplo:
Art. 1 — Se, além das ciências filosóficas, é necessária outra doutrina. (IIa-IIae., q. 2, a. 3, ad 4; I Sent., prol., a. 1; I Cont. Gent., cap. IV, V; De Verit., q. 14, a. 10).
O primeiro discute-se assim — Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas filosóficas.
1. — Pois não se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem a razão, segundo a Escritura (Ecle. 3, 22): “Não procures saber coisas mais dificultosas do que as que cabem na tua capacidade”. Ora, o que é da alçada racional ensina-se, com suficiência, nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada outra doutrina além das disciplinas filosóficas.
2. — Ademais, não há doutrina senão do ser, pois nada se sabe, senão o verdadeiro, que no ser se converte. Ora, de todas as partes do ser trata a filosofia, inclusive de Deus; por onde, um ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo.
Logo, não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas. Mas, em contrário, a Escritura (2 Tm 3, 16): “Toda a Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça”. Porém, a Escritura, divinamente revelada, não pertence às disciplinas filosóficas, adquiridas pela razão humana; por onde, é útil haver outra ciência, divinamente revelada, além das filosóficas.
SOLUÇÃO. — Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque, primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão racional, segundo a Escritura (Is 64, 4): “O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam”.
Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos homens, que para ele têm de ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do homem, foi preciso, por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades superiores à razão. Mas também naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade sobre Deus, exarada pela razão, chegaria aos homens por meio de poucos, depois de longo tempo e de mistura com muitos erros; se bem do conhecer essa verdade depende toda a salvação humana, que em Deus consiste.
Logo, para que mais conveniente e segura adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina revelação, ensinados nas coisas divinas. Donde foi necessária uma doutrina sagrada é revelada, além das filosóficas, racionalmente adquiridas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora se não possa inquirir pela razão o que sobrepuja a ciência humana, pode-se entretanto recebê-lo por fé divinamente revelada. Por isso, no lugar citado (Ecle 3, 25), se acrescenta: “Muitas coisas te têm sido patenteadas que excedem o entendimento dos homens”. E nisto consiste a sagrada doutrina.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O meio de conhecer diverso induz a diversidade das ciências. Assim, o astrônomo e o físico demonstram a mesma conclusão, p. ex., que a terra é redonda; se bem o astrônomo, por meio matemático, abstrato da matéria; e o físico, considerando a mesma.
Portanto, nada impede que os mesmos assuntos, tratados nas disciplinas filosóficas, enquanto cognoscíveis pela razão natural, também sejam objeto de outra ciência, enquanto conhecidos pela revelação divina. Donde a teologia, atinente à sagrada doutrina, difere genericamente daquela teologia que faz parte da filosofia.
Análise da estrutura
No exemplo acima, basicamente a pergunta é: além da filosofia, é necessário ter outra doutrina?
Nos pontos 1 e 2, Tomás de Aquino mostra que a resposta é não. São os argumentos dos opositores. Ele quer, na verdade, mostrar que sim, é preciso outra doutrina; afinal ele vai mostrar a necessidade da teologia. Mas primeiro ele expõe como os contrários pensam.
Na sequência, ele mesmo responde. Sua resposta parte de algum argumento de autoridade e ele segue um raciocínio lógico para demonstrar sua resposta.
Por fim, ele retoma os argumentos 1 e 2 e responde a cada um separadamente, mostrando onde cada um falhou.
Toda a Suma é escrita neste formato de perguntas e respostas.
Algumas questões desdobram-se em artigos, que são perguntas que se desdobram em um questionamento principal.
Alguns artigos possuem mais de 10 argumentos contrários e Santo Tomás responde a todos.
Normalmente, os argumentos de autoridade envolvem os escritos de Santo Agostinho e trechos das Sagradas Escrituras. As respostas de Santo Tomás, seguem um raciocínio lógico semelhante ao modo aristotélico.
Uma estratégia de leitura é não seguir a ordem direta em cada pergunta. Pode ser útil ler o argumento contrário e imediatamente a resposta a ele e assim sucessivamente. Em outras palavras: ler o argumento 1 e a resposta a 1, depois o argumento 2 e a resposta a 2 em vez de ler todos os argumentos contrários e depois todas as respostas.
Pedagogia da Suma Teológica
Representação de Santo Tomás de Aquino. O santo segura com a mão esquerda a Suma Teológica.
A palavra pedagogia significa conduzir uma criança, de acordo com sua etimologia. Santo Tomás faz isso em sua obra, ele mesmo declara que seu desejo é guiar os iniciantes.
Não é preciso muito receio. Caso queira-se saber a posição tomista sobre algo, é só buscar qual a questão onde Santo Tomás responde a dúvida e ler.
Mesmo que não se compreenda plenamente o que ele quis dizer, possivelmente algo será aproveitado.
Porém, a obra não foi feita para ser segmentada.
A resposta de Tomás a uma questão no final da Suma está dentro do contexto de seu pensamento elaborado no início do livro.
A resposta de Tomás sobre o que é a graça e como age depende da sua explanação sobre a Trindade, as faculdades do homem, a comunicação natural e sobrenatural e assim por diante.
Uma compreensão integral envolve a ligação existente entre os temas.
Para ter uma boa compreensão prévia da Suma, alguns livros introdutórios podem ajudar.
Conhecer boas introduções do pensamento de Santo Tomás
Ler manuais sobre a doutrina de Tomás é benéfico para uma leitura mais fecunda. Biografias, comentadores, renomados tomistas, tudo isso ajuda a lidar com a leitura principal.
Leituras secundárias recomendadas:
A Síntese Tomista — Fr. Garrigou-Lagrange;
Tomás de Aquino — Introdução à Vida e à Obra do Grande Pensador Medieval — Frederick Charles Copleston;