Na modernidade, o sistema político conhecido como democracia ganhou alta popularidade social e adesão. O acadêmico Norberto Bobbio defende que a democracia é “o único caminho possível para um sistema político que vise o bem da população”.
Entenda como surgiu a democracia, suas características e entenda o porquê dessa adesão popular tão ampla, mesmo diante de governos democráticos em crise como o brasileiro.
Para compreender o que é democracia é importante entender as principais formas de governo da antiguidade. Essas formas são categorias usadas pelos estudiosos da ciência política e do direito constitucional.
São diversos conceitos, como monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia, demagogia e república.
Esses conceitos podem apresentar diferentes significados a depender do autor. Por exemplo, Sócrates considerava democracia uma boa forma de governo, enquanto Platão achava que era ruim.
O conceito de democracia como se tem hoje não é o mesmo que os filósofos estudavam. A ideia de democracia foi ganhando novos contornos com o tempo.
Esta compreensão auxilia a entender por que existem tantas crises em regimes contemporâneos que se consideram democráticos.
As três principais formas de governo que foram implementadas em regimes da antiguidade são: monarquia, oligarquia e democracia. Na Grécia antiga é possível associar a uma pólis cada um desses modelos.
Em Esparta há uma oligarquia onde poucos guerreiros dominam a criação das leis e comandam o governo: as decisões diplomáticas, o início da guerra.
Em Atenas houve uma tentativa de implementar a democracia, um governo onde muitos governam mediante um sorteio entre aqueles que podem ser eleitos.
Cidades como Mégara e Corinto tiveram experiências monárquicas, onde apenas uma pessoa governava, este era chamado Basileu.
Explicar um pouco sobre cada modelo ajuda a entender os principais pontos que conceituam a democracia na antiguidade:
Heródoto é conhecido como o pai da História. Grego de Halicarnasso, foi o primeiro a registrar por escrito fatos históricos que presenciou. Além de narrar a invasão da Pérsia, o historiador escreveu um diálogo entre três personagens persas que discutiam a melhor forma de governo.
Cada personagem defende uma das três formas principais de governo, enquanto tentam convencer os outros de que a sua ideia é a melhor.
Para o personagem que defende a democracia, esta forma de governo é mais que um grupo de várias pessoas deter o poder por um período definido e governar de acordo com regras. A democracia é um governo onde o grupo governa pensando em todos.
“Democracia” não era exatamente o termo usado por Heródoto, mas a ideia é a mesma do conceito apresentado. O termo surge em Atenas.
Em muitos lugares é possível encontrar a explicação de que o termo “democracia” surge em Atenas justamente por conjugar duas palavras: “demos”, que significaria povo, e “kratia”, que é a palavra grega para poder. Portanto, democracia seria poder do povo.
No entanto, “Demos” era um distrito em Atenas onde havia eleições e sorteios para cargos públicos. Logo “demokratos” ou “demokratia” é uma espécie de governo distrital.
Quando seu modelo foi replicado para toda a cidade, surge o termo democracia para essa forma de governo.
No distrito ateniense havia eleições e sorteios para o que hoje é conhecido como Poder Judiciário; os magistrados eram eleitos.
Sócrates foi condenado por juízes que foram eleitos pelo povo ateniense. Na obra de Platão, a democracia toma um novo sentido.
Em seu livro, o filósofo apresenta as três formas de governo de uma maneira diferente da que fez Heródoto. Embora vivesse em Atenas, Platão considerava a democracia uma forma de governo ruim.
Muitas vezes o filósofo em seus escritos tentou mostrar como a democracia era um governo que levava à desordem. O termo “bagunça” era muito usado por Platão.
Um exemplo que Platão sempre usava: quem quer comprar um cavalo chama todo mundo que conhece e faz uma votação para saber qual cavalo deve-se comprar ou consulta-se um especialista em cavalo?
O filósofo continua: se a pessoa deseja resolver um problema de saúde consultará um médico ou fará uma votação de qual é o tratamento?
Para Platão, em ambos os casos a pessoa busca o especialista, portanto por que nas coisas públicas as decisões têm de ser por sorteio ou eleição?
É importante pontuar que muitas das críticas de Platão tem relação com o contexto ateniense que ele viveu. Foi a democracia que matou Sócrates e ela estava em decadência no século V a.C.
Para Platão, os principais problemas da democracia são:
Aristóteles apresenta um novo panorama para o debate das formas de governo.
Há um erro comum ao se analisar a obra de Aristóteles. Muitos colocam que ele designa como bons governos a monarquia, a aristocracia e a democracia. Mas o termo usado por Aristóteles é “politeia”.
É um erro que costuma aparecer em algumas traduções de sua obra. Para Aristóteles, a democracia é uma forma de governo ruim. Para ele, além de ser o governo de muitos, é o governo dos pobres.
Apesar dessa visão, Aristóteles entende que as formas de governo não são absolutamente boas ou más em todos os casos.
Essa mudança será importante no desenvolvimento do conceito moderno de democracia.
Antes de apresentar os autores que consolidaram a ideia moderna de democracia, é importante entender um conceito que apareceu no final do período medieval. Não era um debate comum do medievo, mas existiam autores escrevendo teses acerca de “direitos dos indivíduos”.
Esses direitos individuais serão a base para o conceito de direitos naturais ou de jusnaturalismo proposta pelos iluministas.
O Barão de Montesquieu consagrou em sua obra O espírito das leis conceitos fundamentais do Direito e da Ciência Política moderna.
Para o autor, existem três formas de governo: a república, a monarquia e o despotismo. A república é o modelo preferível porque é o governo de todos e é democrático.
Nas teses de Montesquieu aparece um ponto importante para compreender o que é democracia na contemporaneidade: a ideia de representatividade.
A democracia é o governo de todos apenas em teoria, na prática as pessoas apenas escolhem os seus representantes na assembleia mediante o voto. O povo não participa diretamente das escolhas do governo, mas delega essa função a pessoas que teoricamente defendem suas ideias.
Para o autor, uma república só é funcional quando há virtude, que seria uma espécie de responsabilidade cívica e amor à pátria.
Montesquieu defende com vigor que na república democrática haja a separação entre os poderes. Cada um dos três tem a sua função:
O que garante a harmonia e o bom funcionamento entre os poderes é a teoria dos freios e contrapesos: cada Poder exerce seu papel ao mesmo tempo que observa o que o outro está fazendo.
Outro conceito fundamental para compreender o que é a democracia moderna é o de soberania. O poder acima do qual não há outro maior é o soberano.
Pensadores iluministas como Hobbes e Rousseau defendem a ideia de que o povo é soberano. No livro Do contrato social de Jean-Jacques Rousseau ele propõe que o Estado deve ser a própria representação da vontade geral.
Essa ideia foi levada ao extremo durante o período do Terror jacobino. Robespierre considerava a si mesmo e os representantes do Estado a encarnação da vontade geral.
O resultado foi a perseguição de opositores, a implementação de um programa partidário ideológico e o distanciamento do povo.
Em contrapartida, a Independência dos Estados Unidos estabeleceu um governo republicano e federalista que segue a linha das principais democracias modernas.
Após esses eventos, o pensamento democrático se expandirá por todo o ocidente.
As principais características das democracias modernas são:
Em geral, as democracias nos dias de hoje contemplam todos esses pontos, mas existem correntes distintas.
Os principais tipos de governo democrático são:
A democracia representativa é o modelo político mais comum na contemporaneidade. O povo elege representantes que tomam decisões em nome deles. Em teoria, os políticos representam os interesses de seus eleitores.
Na Social-democracia há uma orientação mais à esquerda. Esta é uma corrente do socialismo que acredita que é possível implementar mudanças graduais num regime capitalista, respeitando o sistema democrático.
Ao pesquisar “o que é democracia” em ferramentas de busca, é possível encontrar em alguns sites os termos “democracia liberal” ou até “democracia neoliberal”. Os termos são usados apenas para descrever governos democráticos comuns que adotam sistemas econômicos de tendência mais liberal.
No caso brasileiro, a democracia representativa foi a via adotada.
Quando o Brasil conquistou sua independência o governo monárquico adotou elementos democráticos na sua organização. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição brasileira, nela existiam pontos que lembravam uma democracia representativa:
No Segundo Reinado o país alcançou estabilidade política e amadureceu suas instituições, os aspectos democráticos da monarquia brasileira foram mais evidentes.
O poder legislativo conquistou protagonismo no cenário político nacional, sendo um auxílio para o Imperador Dom Pedro II na construção da identidade nacional, na elaboração de importantes leis e no avanço de pautas cruciais, feito a abolicionista.
Com o golpe dos militares o Brasil foi governado por uma ditadura entre 1889 e 1894. Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto ignoraram a nova constituição em diversos momentos, fecharam o Congresso e tentaram comandar o país por meio de decretos e pela força da espada.
Somente em 1894 o país voltou aos rumos democráticos, com a chegada dos presidentes civis.
De 1894 ao tempo presente sucessivos golpes e Constituições comandaram o país. O Brasil intercalou entre experiências ditatoriais como a Era Vargas, o regime militar, e governos republicanos democráticos.
Em 1988, com o processo de redemocratização e a nova Constituição o país firmou a Nova República.
No texto da nova Constituição consta: “Todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A soberania do governo, segundo a Constituição, reside no povo. Os representantes que podem ser eleitos para defender os interesses do povo vão de vereadores municipais, deputados federais ao presidente da república.
O sistema brasileiro é presidencialista e federalista. O presidente precisa se articular com os membros do Congresso para aprovar seus projetos de governo. O federalismo é a garantia de autonomia dos estados e municípios para cuidar de seus interesses.
O Brasil contemporâneo adota a tripartição dos poderes: legislativo, executivo e judiciário. E os direitos e deveres dos cidadãos são contemplados no texto da Constituição.
O artigo 1º da Constituição Federal define a república brasileira como um Estado Democrático de Direito.
Apesar da redemocratização ter sido um feito que foi amplamente celebrado pela população novamente o Brasil vê sua democracia em crise.
Para uns, a democracia está sendo ameaçada pelo Poder Executivo.
Para outros, o Poder Judiciário e a existência de uma camada política do Congresso Nacional impedem a governabilidade. Afinal de contas, o que está acontecendo com o Brasil?
A crise da democracia despertou o brasileiro para a política. Poucos anos atrás era impensável ver brasileiros discutindo política ou indo às ruas em manifestações.
O sentimento é de que o Brasil não tem solução. De que nunca vamos sair desse ciclo de crises. Parte da população se sente confusa e desmotivada com a política.
E no fim do dia, a verdadeira crise pesa no bolso de quem paga essa conta. Brasília já não representa mais uma esperança para os brasileiros. O lugar que deveria representar o povo passou a se servir do povo.
Mas se não entendermos as verdadeiras causas do problema, não vamos sair do lugar.
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