Thomas More subiu ao maior cargo jurídico da Inglaterra
Thomas More nasceu em Londres, em 7 de fevereiro de 1478. Estudou na Escola de Santo Antônio, uma das melhores de Londres na época. Entre 1490 e 1492, foi pajem na casa de John Morton, arcebispo de Canterbury e chanceler da Inglaterra.
Ele via muito potencial em Thomas More e, por isso, o recomendou para estudar na Universidade de Oxford, no St. Mary Hall ou no Canterbury College, que não existem mais hoje. Após dois anos, deixou Oxford por insistência do pai para estudar Direito em Londres, no New Inn.
Em 1504, Thomas More foi eleito para o Parlamento, representando Great Yarmouth, e em 1510 passou a representar Londres. Ganhou destaque ao se opor publicamente a um pedido exagerado de dinheiro do rei Henrique VII para o casamento da filha. More convenceu a Câmara a reduzir o valor pedido.
O rei ficou irritado e puniu o pai de More, que foi preso e só liberado após pagar uma multa. Thomas More decidiu se afastar da vida pública por um tempo. Henrique VII morreu em 1509, e seu filho Henrique VIII assumiu o trono.
A partir de 1510, More foi subxerife de Londres, onde ganhou fama por seu trabalho honesto. Em 1514, cuidou da saúde pública como Comissário de Esgotos, virou Mestre de Pedidos e entrou no Conselho Privado. Depois de uma missão diplomática ao imperador Carlos V, foi nomeado cavaleiro e subtesoureiro em 1521.
Como secretário e conselheiro pessoal do rei Henrique VIII, More ganhou ainda mais influência. Recebia diplomatas, redigia documentos oficiais e atuava em tribunais, especialmente em casos envolvendo pessoas pobres. Também era o intermediário entre o rei e o chanceler Wolsey. Mais tarde, assumiu a administração das universidades de Oxford e Cambridge.
Em 1523, More foi eleito membro do Parlamento por Middlesex e, por indicação de Wolsey, tornou-se presidente da Câmara dos Comuns. Em 1525, foi nomeado chanceler do Ducado de Lancaster, ficando responsável por assuntos administrativos e judiciais no norte da Inglaterra.
Após a saída de Wolsey, More se tornou Lord Chanceler em 1529, o cargo mais alto da justiça na Inglaterra. Ele julgava rapidamente e também atuava em questões da realeza e do direito comum.
Em 1532, colocou em prática ideias de saneamento público inspiradas em Utopia, criando o Estatuto dos Esgotos. Como Chanceler, participou do tribunal da Câmara Estelar, que julgava casos civis e criminais graves. Durante seu período no cargo, o país não entrou em nenhuma guerra.
Uma característica que chamava atenção em Thomas More era sua facilidade com línguas e excelente retórica. Faça o curso de retórica da Brasil Paralelo para aprender seus aspectos fundamentais e compor um discurso claro e persuasivo.
Thomas More torturou e matou protestantes?
More era fiel à Igreja Católica e via a Reforma Protestante como uma heresia perigosa. Acreditava que Lutero queria destruir a Igreja e via isso como um ataque à ordem social.
Escreveu livros e panfletos contra os protestantes e, como chanceler, agiu para impedir a circulação ilegal de livros religiosos. Em 1525, liderou uma ação diplomática contra mercadores envolvidos nesse comércio.
“A heresia foi a questão que mais consumiu tempo de Thomas More durante seu mandato, e provavelmente durante todos os últimos dez anos de sua vida.”
More escreveu diversos livros contra a tradução do Novo Testamento feita por Tyndale. Em 1529, publicou Diálogo sobre Heresias. Tyndale respondeu em 1530, e More rebateu em 1532 com Refutação da Resposta de Tyndale. Também colaborou em outros textos contra Lutero e seus seguidores.
Durante o conflito entre o Papa e o rei, More manteve seu apoio à autoridade do Papa sobre a do rei da Inglaterra. Em 1529, o Parlamento restaurou a lei de praemunire, tornando crime defender publicamente qualquer autoridade estrangeira acima do rei, inclusive o Papa.
Em 1530, More recusou-se a assinar uma carta pedindo ao Papa a anulação do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão. Também discordou do rei sobre as leis de heresia.
As opiniões sobre a perseguição de hereges por More variam muito. Em O Homem que não vendeu sua alma, ele é visto como um herói de consciência; em Wolf Hall, como um fanático. Na época, os protestantes eram comparados a movimentos heréticos antigos, como os lolardos, e vistos como uma ameaça à ordem.
“Thomas More, como Lord Chanceler, foi, na prática, o primeiro ponto de contato para aqueles presos em Londres sob suspeita de heresia, e tomou as decisões iniciais sobre se deveriam ser libertados, onde deveriam ser presos ou a qual bispo deveriam ser enviados. Ele pode estar ligado a processos policiais ou judiciais contra cerca de quarenta hereges suspeitos ou condenados nos anos de 1529 a 1533.”
Durante a vida de More, surgiram histórias sobre sua perseguição aos protestantes, mas ele negou isso detalhadamente em sua obra, Apologia (1533).
No século XVI, o historiador protestante John Foxe publicou o Livro dos Mártires, que acusava Thomas More de usar violência e tortura contra hereges. Essas acusações foram repetidas por autores posteriores.
O biógrafo Peter Ackroyd menciona relatos de que More teria chicoteado hereges, assistido torturas na Torre de Londres e sido responsável pela execução de alguns protestantes.
O historiador John Guy afirmou que as acusações contra More não têm provas que as sustentem. Diarmaid MacCulloch também não encontrou evidências de que More tenha participado de torturas.
O historiador Richard Marius destaca que a história, especialmente sobre o suposto açoitamento e tortura de James Bainham por More, é hoje amplamente questionada pelos estudiosos.
Durante seu mandato como Lord Chancellor, seis pessoas foram queimadas por heresia, mesma quantidade que no governo de Wolsey. Contudo, o tribunal da Star Chamber, presidido por More, era um tribunal de apelação e não podia impor a pena de morte diretamente.
Afirmações sem provas
O historiador Brian Moynahan afirmou que More teria influenciado a execução de William Tyndale, contratando um agente para se aproximar e trair Tyndale. Porém, o historiador Richard Rex considera essa ligação “bizarra”, porque Tyndale foi executado em 1536, dezesseis meses após a própria execução de More, e em uma jurisdição diferente.
Alguns biógrafos, como Peter Ackroyd, veem a campanha de More contra o protestantismo de forma relativamente positiva ou tolerante. Ele achava More razoável considerando o contexto religioso turbulento da época e o medo de revoltas como a dos Camponeses Alemães, atribuída a Lutero.
No fim, não há consenso entre pesquisadores, tornando-se este tópico mais uma dúvida do que um fato sobre Thomas More.
Thomas More foi condenado à decapitação e depois tornou-se Santo
Em 13 de abril de 1534, Thomas More foi convocado a jurar fidelidade ao Ato de Sucessão. Embora aceitasse que o Parlamento declarasse Ana Bolena como rainha legítima, recusou-se a reconhecer a validade espiritual do segundo casamento do rei e a supremacia da Coroa sobre a Igreja.
Ele não assinou o Juramento de Sucessão que reconhecia Ana Bolena como rainha, pois o preâmbulo do juramento rejeitava a autoridade do Papa. Embora não se opusesse à sucessão em si, sua recusa selou seu destino.
Thomas More foi acusado de alta traição e preso na Torre de Londres após seus inimigos reunirem provas suficientes. As acusações incluíam seu silêncio considerado malicioso, uma suposta conspiração com o bispo John Fisher e a alegação de que o Parlamento não tinha autoridade para declarar a supremacia real.
O julgamento de Thomas More ocorreu em 1º de julho de 1535, diante de juízes ligados à família Bolena. Norfolk ofereceu-lhe perdão real se ele mudasse de opinião, mas More recusou. Argumentou que embora não tivesse feito o juramento, também nunca o havia contestado e que seu silêncio deveria ser interpretado como aceitação das leis.
O documento The Trial of Sir Thomas More, Knight apresenta uma análise detalhada do julgamento. Disponível no repositório da St. John's University.
Durante o julgamento, Thomas Cromwell apresentou Richard Rich como testemunha. Sua alegação era que Thomas More negara, em conversa privada com Rich, que o rei fosse o chefe legítimo da Igreja.
More contestou e outras duas testemunhas presentes, Richard Southwell e seu servo Palmer, negaram ter ouvido a declaração relatada por Rich.
O discurso de defesa de More foi escrito na íntegra.
O júri levou apenas quinze minutos para considerar Thomas More culpado. Após o veredito, More declarou abertamente que nenhum governante temporal poderia ser chefe da Igreja.
Acusou o Estatuto da Supremacia de contrariar a Magna Carta e as leis da Igreja e da Inglaterra. Condenado à pena comum para traidores, sua sentença foi comutada por Henrique VIII para decapitação.
Mais detalhes sobre o julgamento e execução de More podem ser encontrados no arquivo da UMKC School of Law.
Thomas More foi executado em 6 de julho de 1535 em Tower Hill. Pediu ajuda para subir ao cadafalso, mas disse que desceria sozinho. Lá, declarou que morria como “servo fiel do rei, mas de Deus primeiro”.
Antes de ser decapitado, recitou o Miserere, perdoou e beijou o carrasco.
Antes de ser executado, Thomas More teria dito ao carrasco que sua barba era inocente e não merecia o machado, afastando-a do caminho da lâmina. Pediu que sua filha adotiva, Margaret Clement, recebesse seu corpo para o enterro. Ela foi a única da família presente na execução.
A filha de Thomas More, Margaret Roper, resgatou a cabeça decapitada do pai. Acredita-se que ela esteja enterrada no túmulo da família Roper na Igreja de St Dunstan, em Canterbury, possivelmente junto com outros membros da família de seu marido. Há quem afirme que ela está enterrada no túmulo erguido para ele na Chelsea Old Church.
Em 19 de maio de 1935, o Papa Pio XI canonizou More como mártir. Em 2000, o Papa João Paulo II nomeou o nomeou como padroeiro celestial dos estadistas e políticos.
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Thomas More é uma figura conhecida da cultura pop