Há uma ideia presente nas obras de Aristóteles que passou despercebida por muitos de seus leitores e comentaristas. Ao longo desses séculos, decorridos da Antiguidade até os dias de hoje, talvez apenas dois estudiosos aristotélicos tenham mencionado a Teoria dos Quatro Discursos, mas sem a devida importância.
Isso motivou o Professor Olavo de Carvalho a explica-la em seu livro Aristóteles em Nova Perspectiva – Introdução à Teoria dos Quatro Discursos”.
A Teoria dos Quatro Discursos é originada da filosofia de Aristóteles e aborda as quatro linguagens que o discurso humano possui. São quatro modalidades de discursar envolvendo intenções diferentes. Essa teoria relaciona o uso da palavra (discurso) com a busca pela verdade.
Os quatro tipos de discurso são:
Poético;
Retórico;
Dialético;
Lógico (Analítico).
Segundo o professor Olavo, a Teoria dos Quatro Discursos pode ser resumida em uma frase:
“O discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica)”.
Esses quatro tipos de discurso são variantes de uma mesma ciência. É comum, na cultura atual, por exemplo, considerar que a linguagem poética e a linguagem lógica (ou científica) sejam totalmente separadas e distantes.
Nas universidades do país, é natural que os prédios que ensinam Letras sejam diferentes dos prédios que ensinam Ciências. Ainda é mais natural que se dê mais valor a esta do que àquela. Aliteratura, porém, e a poesia não são paralelas ao discurso científico, não são coisas opostas.
Antes de entendê-lo melhor e como aplicar esse conhecimento para progredir na vida intelectual, é necessário um pouco mais de contexto.
Qual é a origem dessa teoria?
A Teoria dos Quatro Discursos não está explícita na obra de Aristóteles: ela é uma descoberta do Professor Olavo de Carvalho, mas que já havia sido sinalizada por Santo Tomás de Aquino.
Aristóteles escreveu um tratado sobre a Poética, a Retórica, a Dialética (os Tópicos) e dois tratados de Lógica (Analíticas I e II), além de duas obras introdutórias sobre a linguagem e o pensamento em geral (Categorias e Da Interpretação).
Embora separados, a teoria dos 4 discursos está contida nesses tratados e, segundo Carvalho, é uma chave de compreensão da filosofia de Aristóteles.
Temos um artigo completo para explicar as principais ideias de Aristóteles. Essa leitura pode ajudar você a entender melhor este conteúdo.
De acordo com o professor, o texto não é um túmulo do pensamento, e seria um erro considerá-lo apenas como palavras fixas, que querem dizer apenas o que é possível entender literalmente pela leitura.
É necessário respeitar também o inexpresso e o subentendido para captar a unidade de pensamento, intenção e valores do autor.
Qual é a importância da teoria dos 4 discursos?
Ela é importante para a aprendizagem, para a formação de um homem maduro desejoso de cultivar uma vida intelectual. É um caminho para a autoconsciência e para uma vida de cultura elevada.
Não é possível ter uma verdadeira vida de estudos sem ter domínio da linguagem. Ser intelectual não é se isolar do mundo lendo livros. O intelectual possui deveres cotidianos e ocupações reais como todas as outras pessoas.
Usando a razão, o homem percebe sua autoconsciência e busca um sentido para viver. Ele também percebe que os outros buscam sentido para viver, que algo transcende o universo e que o próprio ser humano não é a causa de tudo. Diante da grandeza do universo, a reação é de espanto e reverência.
A contemplação do que está acima da razão humana gera perguntas fundamentais em cada um perguntas fundamentais. Buscar as respostas para si é cultivar a vida intelectual, isto é, buscar respostas para as dúvidas existenciais.
Essa pesquisa não se desvincula dos deveres de estado, do trabalho, da convivência com as outras pessoas e da percepção da natureza.
Ter vida intelectual não é estudar por estudar e ter muita cultura por haver lido muitos livros e conhecer muitas ideias. É buscar ser uma pessoa melhor, com propósito de vida.
Existe no homem uma força que pende sentido para as coisas. Ele não se contenta em só existir como as plantas e os animais.
Nessa investigação, o ser humano relaciona a palavra (discurso) e a verdade. Disso é que surge a Teoria dos Quatro Discursos.
As etapas do conhecimento na vida humana
Segundo Aristóteles, o conhecimento começa pelos dados dos sentidos. Aquilo que é percebido pelos olhos, tato, olfato, audição e paladar fica registrado na mente. Isso está no campo da percepção.
O percebido é usado pela memória, que não é apenas um registro passivo, mas sim uma faculdade ativa, que cria combinações, funde ou repete imagens e cria novos padrões. A memória também pode ser chamada de fantasia.
Por fim, a inteligência opera com as imagens da fantasia, ou imaginação, e busca encontrar conceitos abstratos.
A imaginação é a ponte entre o conhecimento sensorial e o pensamento lógico.
Quando o ser humano alcança o entendimento dos conceitos universais a partir da abstração do que experimentou, pode raciocinar e fazer juízos.
E em toda essa trajetória está presente o discurso, que articula a palavra e a experiência.
O discurso
É pelo discurso que o homem se confronta, lida com sua autoconsciência e influencia outros homens. Trata-se de uma forma de se deslocar, é um transcurso. Ele parte de uma premissa que pode ser verdadeira e busca alcançar uma conclusão.
O que define o discurso é o propósito que ele visa realizar. É a expressão de uma intenção humana. Cada discurso é algo dentro de um contexto da cultura, quando há motivo para falar e ouvir.
O homem discursa para abrir a imaginação à imensidade do possível, para tomar alguma resolução prática, para examinar criticamente suas crenças, ou para explorar as consequências das verdades já aceitas, construindo o edifício do saber.
O discurso é uma construção artística, uma tomada de posição em alguma questão, uma confrontação de hipóteses ou uma tentativa de provar que algo é verdadeiro.
O Professor Olavo deixa claro que o discurso não pode ser iniciado a partir de uma premissa falsa. Ora, se parte do que não é verdadeiro, já pode ser negado. Por isso, há uma escala de credibilidade que vai do que é minimamente possível ao que é totalmente certo.
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A escala de credibilidade do discurso
A Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica são ciências em graus diferentes, mas apresentam a mesma natureza: são formas que o homem usa, pela palavra, para influenciar a própria mente ou a do outro. Não são discursos isolados uns dos outros, não se excluem. Apenas obedecem a uma hierarquia.
Em uma escala de verdade, o oposto é o falso. Mas esse não é o caso, pois não se inicia um discurso partindo-se de uma premissa falsa.
As premissas podem ser:
Possíveis: existe uma chance de serem verdadeiras;
Necessárias: são verdadeiras e não podem ser falsas de jeito nenhum.
As conclusões podem ser:
Verossímeis: parecem verdade;
Necessárias: são verdadeiras.
A Teoria dos Quatro Discursos contempla justamente a combinação dessas possibilidades, que são os caminhos que os discursos fazem das premissas até a conclusão.
O falso está fora da escala de credibilidade, que vai do mínimo possível ao máximo certo, de acordo com o Professor Olavo.
O discurso humano tem um objetivo real, intenciona-se a algo. Perante uma situação, o homem tende a uma certeza máxima que não pode obter, mas pode obter mais do que uma certeza mínima.