Rasta

Rasta é um highlander, um artista que apresenta colunas irônicas, versões textuais de seu programa Rasta News, um jornal semanal isento de notícias. Não delicadezas aqui.

Señoritos satisfechos - o que são? Onde vivem? O que comem? Para onde vão?

Tudo isso no Deixa Rasta desta segunda-feira.

Rasta

Uma importante divagação…

Quem nunca foi incomodado por uma criança mal-criada? Aquela que está ali no avião, correndo para cima e para baixo com aqueles tênis de luzinha, com um saco de gummy bears coloridos que deixam a pirraia mais elétrica que um vizinho que eu tinha...

O cara era um DJ que tomava anfetamina.

Enquanto isso, os pais, obesos e cansados, ficam ali sentados, esperando a criança se cansar antes de terem que fazê-la sentar-se também.

Quando chega a hora de sentar-se, ela abre o berreiro e não tem headphone com noise cancelling que bloqueie os chutes que ela dá na cadeira da frente.

Paralelamente a isso, acontece uma série de maravilhas que deveria deixar qualquer um boquiaberto.

Tem uma aeromoça, um comissário de bordo, pessoas que, por um salário, se prontificaram a tomar diariamente o mesmo risco que nós tomamos esporadicamente ao entrar no avião, com sorriso no rosto e uma voz branda, perguntando com a maior paciência se você tem pelo menos aquele mínimo de capacidade de operar uma porta de emergência. E ainda se prontificando com a maior boa vontade a negociar uma mudança de assento caso você não tenha nem mesmo essa capacidade.

Já parou para pensar nisso?

Imagina o homem em sua vida primitiva, o que era que tinha de ofício, quais eram as opções de carreira? Não muito diferente de montar personagem no D & D, dava para o ser:

  • pastor;
  • caçador;
  • guerreiro;
  • bárbaro;
  • clérigo;
  • bardo;
  • mago.

Acho que até no D & D tem mais ofícios disponíveis. E o piloto e co-piloto? Tomam nas próprias mãos a responsabilidade de manterem-se acordados por 10 horas num vôo de São Paulo a NY enquanto monitoram condições climáticas, velocidade do vento, altitude, trajetória, tomando uma série de decisões importantíssimas que praticamente nenhum de nós tem a mínima capacidade de tomar.

A equipe em terra, de controladores de vôos até os que estão naqueles carrinhos numa temperatura de -15º no JFK esperando para guiar, limpar e abastecer de combustível essas fabulosas máquinas que chegam recheadas de gente que está completamente alheia a todas as coisas fantásticas que estão acontecendo.

Já imaginou se eu chegasse para o Bernoulli lá no século XVIII e dissesse para ele:

  • Rasta: Irmão, você não tá ligado, eu vim do futuro para te dizer que aquela tua equação baseada na conservação da energia deu fruto, irmão.
  • Bernoulli: É mesmo, mein Rasta?
  • Rasta: Sim, cara, graças a elas a gente fez o carburador, que deu pra gente umas máquinas que levam a gente pra qualquer lugar nas estradas muito mais rápido que qualquer carroça e a PM do rio consegue fazer funcionar até no Santana.

Ele ia dizer:

  • Bernoulli: Estais a me tirardes, Rasta? O Santana tem carburador?
  • Rasta: Calma, seu Bernoulli, é que no século que vem, um rei lá de Portugal chamado Dom João VI vai criar um negócio lá no Brasil chamado Rio de Janeiro que vai fazer umas coisas que o senhor nem imagina, mas deixa eu falar o melhor, seu Bernoulli. A sua equação também ajudou a criar a asa de uma máquina chamada avião, que a gente usa para voar, seu Bernoulli!  O vôo humano é uma coisa normal já desde o século XX, seu Bernoulli!

Bernoulli ia cair duro, certeza. Mas não sem antes me perguntar:

  • Bernoulli: mas e aí, a humanidade está agradecida? Estão fazendo bom uso dessas máquinas?
  • Rasta: É… veja bem, seu Bernoulli, teve bom uso, mas também teve 2 guerras mundiais com milhões e milhões de mortos, e hoje tem um pessoal de bermuda que rebaixa o carro e sai buzinando para mulher na rua e muita gente usa o tal do avião pra levar uns pirraia mal criado pra Disney.

Bernoulli ia dizer:

  • Bernoulli: Disney?
  • Rasta: É, seu Bernoulli, é um parque de diversões cujo mascote é um camundongo, tem um castelo da Cinderela e a fada madrinha tem uma vara de condão que o senhor não faz ideia, uma loucura.

Pois bem, pense em tudo isso quando você for voar de avião.

Eu, se fosse rei do Rastomenistão, passaria uma lei dizendo que criança só pode voar de avião quando for capaz de escrever a equação de Bernoulli, é o mínimo, né?

Chega lá no aeroporto, tira sapato, passa na maquininha, entra no raio x, dá três pulinhos.

  • Aeromoça: Ok, senhor, agora está aqui o formulário, preciso que cada membro da sua família escreva a equação de Bernoulli.
  • Passageiro: equação de que?
  • Aeromoça: equação de Bernoulli.
  • Passageiro: equação de que?
  • Aeromoça: equação de bernoulli.
  • Passageiro: mas senhor, eu sou juiz, sou de humanas, não sei essas coisas não.
  • Aeromoça: azar o seu, o senhor e sua família não merecem tomar parte na grandiosidade do vôo humano.

Tentador, né? Ó, está vendo como é? É assim, tentando legislar o incômodo, que o cara vira um autoritário.

  • Leitura recomendada: A Onda, o filme que explica a origem do autoritarismo.

Pois bem, digressões surreais à parte, em relação à nossa civilização, nós somos a criança chutando a poltrona do Rasta no avião. O tipo já bem definido pelo Ortega y Gasset lá em 1932, o Señorito Satisfecho.

O Señorito Satisfecho

O Señorito Satisfecho vive sua vida apontando para o passado e para tudo que o rodeia. Com ar de superioridade, julga severamente a sua própria civilização, mas é incapaz de cozinhar sem queimar um bacon.

Esse julgamento só ocorre porque há uma certeza que o Señorito Satisfecho carrega consigo mesmo: todos os luxos do desenvolvimento desta civilização nunca serão por ele perdidos.

Ou seja, é um canastrão, que finge desprezar toda a sua história, apenas na mesma medida em que carrega a certeza de que nunca irá perder o benefício de ser filho desta mesma civilização.

Assim como a nobreza hereditária ou as grandes heranças criam jovens mimados, deslumbrados, que desconhecem os fatos mais cruéis da realidade. Hoje temos uma trupe nova, a dos jovens mimados não pelos seus pais, mas por sua civilização.

O jovem juvenil e jovial do Ocidente nasce herdeiro:

Nenhuma das quais ele moveu um dedo sequer para fazer com que existem, e que sem elas, nosso desenvolvimento tecnológico e científico não existiria.

Desenvolvimento esse, que também trouxe uma elevação no nível de conforto material que seria inimaginável para qualquer rei absolutista ou qualquer nobre do século XVII.

O Señorito Satisfecho é o tipo de homem-micareta moderno que já não reconhece que o abadá, o axé, o parangolé só existem por conta de conquistas históricas muito mais elevadas da nossa civilização, que terminam por garantir uma liberdade que permite que todo tipo de pataquada tenha um lugar ao sol para se expor e cobrar ingresso dos entediados.

Ele não se contenta em perambular pelas ruas enchendo a cara de suco gummy. Ele acredita que toda a permissividade e vulgaridade que o cerca é um direito.

Pior: Ele pensa que toda essa festa alegre e bonita exista como um dado da natureza, como se sua existência fosse tão natural quanto o ar que ele respira. 

A tese é esta: a própria perfeição com que a nossa civilização criou uma certa ordem que nos permite desfrutar de muitas farras e galerosidades é origem de que os foliões não a considerem como genuína organização, mas como se fosse apenas a uma expressão cotidiana da natureza.

Não, meu aluno, no mato o que tem é pernilongo, carrapato e sanguessuga. Trio elétrico, pagodão e swingueira são frutos menores da nossa bela civilização. Coisas que jamais existiram ou existiriam na selva e muito menos em um país comunista.

Essa vulgaridade festeira é oposto da forma como vive o homem rochedo que por reconhecimento e gratidão ao passado não se contenta e não se deslumbra consigo mesmo.

O Señorito Satisfecho vive uma vida que carece de projeto e caminha ao acaso, extasiado por sigo mesmo, crê que vive tempos que são mais tempos, uma vida que é mais vida. O passado é pequeno. Quem veio antes dele viveu no erro de um mundo errado.

Ele deseja governar a sociedade de acordo com as suas vulgaridades, como se a civilização tivesse fundado suas bases numa conversa de cafezinho.

O negócio é que se a gente olha para a história, a gente sempre vai ver que a aristocracia tinha um certo nível de permissividade que condizia com a responsabilidade de ir para a guerra, ou no caso do rei, de tornar-se o pharmakos perante uma população insatisfeita, como já vimos na revolução de 1789.

O povo é que sempre teve que se resguardar com um certo conservadorismo moral, aquele mais básico sentimento de autopreservação de quem não enxerga a vida com essa abundância que o filósofo compadre Washington observou nos anos 90.

Então o rei e o nobre podiam ter lá não sei quantas raparigas, mas era o deles na reta na hora da defesa, a noblesse oblige.

O camponês tinha que andar na linha, mas ninguém tinha direito de forçá-lo a lutar. Um equilíbrio de direitos e deveres faz parte da estrutura da realidade.

Basta olhar qualquer discurso político hoje em dia e a gente vai ver direitos e mais direitos e mais direitos e em nenhum momento os deveres associados.

O resultado é uma explosão de Señoritos, o que, se prejudicasse apenas ao Señorito, seria apenas um erro local, a ser pago pelo que o carrega.

Mas a coisa começa a ganhar ares de bigode pelo seguinte motivo: O Señorito ainda vive na realidade, ele tem uma certa ciência de tudo o que ele ganhou de mão beijada, e não há nada mais danoso à alma humana que essa sensação de culpa de usufruir de um privilégio sem dar nada em troca.

É aí que está a fonte do que acontece com boa parte da juventude de classe média, é evidente que eles se sentem culpados por terem nascido em boas famílias, por terem frequentado escolas particulares, por terem levado aquela vida de rodízio de sushi e tributo a Arctic Monkeys em pub irlandês.

Você vê direto um burguês de esquerda virando para outro burguês e dizendo: 

  • VOCÊ FALA ISSO porque não é você que sofre com… insira nos três pontos uma gama de coisas que ele também não sofreu.

Toda vez que você vê um Señorito checando seus privilégios, se você prestar atenção, vai notar que é difícil dizer se é uma confissão de culpa ou se é o cara contando vantagem.

Obviamente, o Señorito não apenas sente essa culpa, ele também costuma cair na falácia da soma zero, a ideia de que para ele estar onde estar, outra pessoa tem que viver na miséria e na opressão.

No entanto, ele continua ali, com aquela pança de Coca-cola e Doritos, um testemunho de sua própria ignorância.

O que acontece aqui é uma perversão do pecado original, esses privilégios de que ele, mero burguês suburbano moderno, usufrui são um testemunho de que a visão de soma zero é errada, do contrário a gente não testemunharia essa ascensão do nível de vida tremendo no mundo inteiro.

Então ele olha para a parte que ainda não foi contemplada e conclui que aquilo também é culpa dele. Ele não consegue pensar em nada mais além dele. É o eu, eu, eu, ele é o verdadeiro idiota, no sentido de que até quando ele fala do MUNDO, ele não enxerga mais além do que o raio das próprias unhas.

  • “é minha culpa”;
  • “desculpa por ser homem”;
  • “desculpa pela minha dívida histórica”.

Nessa culpa acusatória que é típica do capiroto, em vez de ir atrás de investigar quais são as causas das benesses de que usufrui, ele começa a acusar um grande projeto sistemático de distribuição de pobreza e injustiça, a acusação do tal grande opressor.

O Señorito deixa de fazer a pergunta: o que é que causa a riqueza e aumenta o nível de vida do homem médio?

Ele esquece que a pobreza e a injustiça são o estado de natureza do homem nesta terra.  Ele não está buscando uma solução, ele só está buscando uma forma de pagar pela sua culpa. E às vezes ele paga.

Incapaz de juntar causa e efeito, o Señorito é o mais propenso ao entusiasmo. Ele troca aquilo que existe imperfeitamente pela grandiosidade daquilo que não existe, como: grandes projetos de caráter revolucionário dirigidos de cima para baixo.

Os dois mais queridos do século passado foram o Nazismo e o Comunismo.

O primeiro já está fora de moda e é visto com justa repulsa pela maioria das pessoas, mas o segundo ainda está em voga e é o autoritarismo de estimação do povo jovem.

Há também o progressismo democrático, aquele busca fazer da ira justiceira das massas ensandecidas a política do dia nos parlamentos e tribunas das democracias liberais do Ocidente. 

O primeiro vai à ruína a galope em um belo tordilho andaluz, o segundo vai de jegue, devagar e sempre, com aquela fé em um progresso inexorável que poderá, com fé política suficiente, mover o abismo até ele.

É a perversão que transforma a fé religiosa, aquela que chama o indivíduo a viver para a eternidade, para que termine agindo melhor nesse mundo caído.

O famoso mover montanhas, em uma fé materialista, que chama o indivíduo a sacrificar tudo o que é eterno em prol de um paraíso terreno, matando tantos quanto forem necessário para a realização desse maravilhoso projeto pelo qual ele não se responsabilizará.

É a famosa fé que move abismos.

Mas talvez o que mais caracterize o Señorito é a relação que ele tem com as ilusões revolucionárias que defende.

Ele sempre imagina estar na vanguarda do processo revolucionário, segurando as rédeas, ou em algum lugar de prestígio.

Seja na luta, seja como algum intelectual que encanta a multidão, ou o bardo de chinelo de couro, caminhando e cantando e seguindo a canção até o portão… aquele portão lá, onde se deve deixar toda a esperança.

inferno-dante
Representação do Inferno de Dante, na obra Divina Comédia.

Acontece que Cronos e Revoluções, os dois a 80 km/h, quem devora mais dos seus próprios filhos? As revoluções, sem dúvida alguma.

Se anteriormente eu já falei que o Señorito sente essa culpa, este desprezo por si mesmo que se traduz na histeria revolucionária, é muito frequente que ele seja um dos primeiros a ir para o saco numa revolução.

Quando estoura a revolução…

Imagine essa galera bonita, do bem, que mora no Leblon, pipocou a revolução, a polícia se juntou aos insurretos, governo caiu, não tem mais propriedade... bate a galera na porta:

  • Señorito: Boa tarde, companheiros.
  • Revolucionário: Boa tarde? Irmão, a gente veio aqui cobrar a dívida histórica.
  • Señorito: mas deve ter algum engano aqui, eu sempre defendi vocês no Twitter, eu tenho consciência social.
  • Revolucionário: beleza, irmão.

Antes de tu terminar essa melodia, o maluco já defecou na tua mesa de centro da Ikea, já matou teu shitzu, carneou e já colocou na tua airfryer. Pois bem, o tapete vermelho dessa rapariga de boi chamada revolução é pintado com o sangue de Señoritos com consciência social.

Como se esquecer de Fulgêncio Batista, aquele que deu um golpe militar, foi apoiado pelo partido comunista, legalizou o partido comunista, e depois foi deposto por outra revolução que terminou, mais tarde, se declarando comunista?

Ou como se esquecer da picaretada que tomou Trotsky, ou o moto dos stalinistas "trosko bom é trosko morto", ou do fim que tomou Karl Radek.

Karl Radek era o famoso gado demais, compulsivo. E o que é que o gado demais faz quando é feio? Ou ganha dinheiro, se enche de jóia e compra carro importado, ou é revolução sexual para cima das manas.

Pois é, Karl Radek optou por esse caminho, e foi um dos líderes da Revolução Sexual que se sucedeu na Rússia bolchevique durante os anos 20. Aquela marcha dos pelados lá, abaixo à vergonha.

Pois é, vocês devem imaginar a quantidade de Enzovskies e Valentinovskies que foram frutos dessa gadeagem generalizada.

Karl Radek descobriu isso anos depois, quando veio Stalin, com novas necessidades e planos para a revolução russa que eram incompatíveis com essa Micaretovsky, e Radek achou que a festa continuava, fazendo até piadinhas com Stalin.

Stalin riu, e mandou-o pro campo de trabalho forçado, para gerar valor, né? Lá ele se encontrou com a geração que ajudou a criar, e foi assassinado na cadeia, entrando aí pra lista de filhos que a revolução devora. É o que acontece quando o Señorito cai em BIGODAGEM.

Falando em bigodagem, chegou a hora do…

Troféu Bigodagem

troféu-bigodagem

O Troféu Bigodagem de hoje vai para ninguém menos que Herbert Marcuse, por suas contribuições aos Señoritos Satisfechos de todo o planeta.

Herbert Marcuse, nasceu em uma clássica família judaica de classe média alta e, como todo bom Señorito Satisfecho, ficou interessado por essa aberração incômoda que é o tal pobre de direita.

Ele não foi o único a notar que as previsões marxistas de que o proletariado faria a revolução quando as tensões dialéticas dentro da sociedade capitalista chegassem àquele momento inexorável de ruptura foram mais furadas do que mãe de deputado em black friday no love story.

O tal do capitalismo tinha transformado os proletários em classe média por todo o mundo industrializado, e o ranço revolucionário com que os apóstolos do marxismo contavam para a realização de suas profecias, foi se acalmando.

Se as oportunidades para a revolução vieram, as condições objetivas do tal materialismo histórico estiveram presentes em vários momentos do século XX, mas o proletariado não fez a revolução, a conclusão é de que foi o próprio capitalismo que adentrou e erodiu a consciência de classe, fazendo com que os proletários se aburguesassem e internalizassem a lógica do sistema.

Isso dá ao jovem de classe-média brasileira aquele ar de superioridade que ele assume quando descobre que o porteiro do prédio dele gostaria de andar armado e que não gosta de bandido.

"Este pobre reacionário está apenas repetindo o que ouviu e viveu desse sistema injusto, ele não tem consciência de classe, ele não tem pensamento crítico".

Graças a Deus, né, filho? Porque se ele despertar a consciência de classe que os Marcuse da vida querem que ele desperte, ele anotaria os horários que tu sai do teu apartamento e venderia essa informação para algum grupo de sequestradores que arrancariam tua mão pra mandar para tua família por resgate.

Como é que tu ia tocar o tema de Narcos no luau?

Mas a característica mor de Señorito Satisfecho que encontramos no Marcuse está na sua própria filosofia.

Para Marcuse, as sociedades até então sempre tiveram um caráter repressivo, na medida em que os homens precisam dizer não a seus desejos mais animais e destinar sua energia vital para atividades mais produtivas e civilizatórias.

De fato toda sociedade tem esses elementos "repressivos", embora nenhuma delas sobreviva baseada apenas neles.

O ponto é que para Marcuse, o nível de abundância material a que chegamos nos mostra que uma sociedade sem esses elementos é, não apenas possível como desejável.

Aqui a gente sempre tem que ter um certo cuidado porque essa gente tem a língua dupla, por um lado vai haver uma crítica à propaganda e a fetichização do sexo como instrumento de controle, parece que a gente tá conversando com Moisés condenando a adoração do gado de ouro.

Mas por outro lado vai haver um estímulo à liberação sexual como algo desejável para a incorporação do Eros a uma sociedade pós-escassez.

Não é meu objetivo aqui tratar da língua de cobra e seu interesse em acelerar a destruição de tudo o que existe imperfeitamente em prol da perfeição daquilo que ninguém nunca viu nem sabe o que é, mas veja que essa ideia de que o capitalismo, de certa forma, transcendeu a escassez é algo que Marcuse trata com a maior naturalidade do mundo, como se fosse um dado da realidade como o próprio ar que respira.

Isso é típico do Señorito Satisfecho, e isso é típico na massa de pomadistas do Leblon que a gente vê checando seus privilégios no Twitter enquanto vivem o jardim das delícias nas suas bolhas.

A ascensão do Eros na sociedade deu os frutos que já vimos, mais repressão e mais poder governamental. Marcuse se responsabilizará por isso? Não. É bigodagem? Com certeza.