Em 1945, os tanques aliados avançaram sobre Berlim. Adolf Hitler, acuado em seu bunker, tirou a própria vida diante da iminente derrota. Dias antes, Benito Mussolini havia sido capturado e executado por partisans italianos nas margens do Lago Como.
Com a rendição da Alemanha e da Itália, o fascismo e o nazismo, que haviam provocado uma guerra de dimensões continentais na Europa, pareciam extintos.
Meses depois, os julgamentos de Nuremberg revelaram ao mundo crimes de guerra, perseguições sistemáticas e políticas de extermínio. Generais, ministros e altos dirigentes foram julgados, condenados e, em alguns casos, executados.
Para milhões de pessoas, a queda do grupo do Eixo marcava o fim definitivo das ideologias que haviam sustentado Hitler e Mussolini.
Mas a derrota militar não encerrou a história. O fascismo clássico foi expulso do poder, mas elementos de sua mentalidade, práticas e seguidores continuaram presentes, reorganizados em novas formas.
A destruição dos regimes fascistas não eliminou imediatamente suas bases sociais e culturais. Muitos dos que haviam servido em governos, exércitos e partidos fascistas voltaram à vida civil.
Algumas elites econômicas, jurídicas e administrativas mantiveram-se ativas no pós-guerra, preservando ideias ou práticas herdadas.
Além disso, contextos locais favoreceram a permanência de regimes que, embora evitassem a etiqueta “fascista”, conservavam aspectos próximos.
O contexto histórico do início do século XX inspirou linhas ideológicas focadas em um Estado forte, centralizador e no culto ao líder.
De acordo com o historiador Gabriel Corrêa, “muitas dessas linhas nasceram em contraponto às democracias liberais e às monarquias europeias que estavam em crise”.
Após a Primeira Guerra Mundial, grandes impérios como o Alemão, o Otomano, o Austro-Húngaro e o Russo caíram. Esse vácuo de poder unido à crises econômicas, políticas e sociais gerou uma descrença generalizada nas populações dessas nações.
Inicialmente, esses líderes obtiveram êxito após chegarem ao poder: reestabeleceram a economia, a união e os prestígios de seus países.
Corrêa afirma que “os resultados vistos friamente na época, acabaram por inspirar outros líderes controversos ao redor do mundo. Inclusive, no Brasil”.
Da mesma forma, conforme o fascismo italiano foi colapsando, esses mesmos líderes políticos foram abandonado tais características, migrando para um tipo de populismo regional. Como o salazarismo, em Portugal, e o peronismo, na Argentina.
Na Itália, poucos anos após a queda de Mussolini, ex-integrantes do regime fundaram o Movimento Sociale Italiano (MSI), em 1946.
O partido carregava símbolos, retórica e propostas herdadas do fascismo, mas buscava sobreviver dentro da democracia parlamentar.
Décadas depois, sob o nome Aliança Nacional, chegou a integrar coalizões de governo.
O Estado Novo foi instaurado em Portugal em 1933. O regime era liderado por António de Oliveira Salazar e é frequentemente associado ao conjunto de regimes autoritários do século XX.
Buscava centralizar o poder, conter a instabilidade social e afirmar uma identidade nacional fortemente vinculada ao catolicismo e a valores conservadores.
Segundo o historiador Gabriel Corrêa, “em termos ideológicos, o salazarismo compartilhava pontos de contato com o fascismo italiano de Benito Mussolini e, em menor medida, com o nazismo alemão de Adolf Hitler”.
Corrêa destaca diferenças: “enquanto o fascismo italiano e o nazismo cultivavam um caráter revolucionário, expansionista e de mobilização permanente das massas, o salazarismo tinha uma natureza mais conservadora, corporativista e clerical”.
Na Espanha, Francisco Franco manteve o poder de 1939 a 1975. Seu regime não se declarava fascista, preferindo apresentar-se como defensor da tradição católica e da unidade nacional.
Ainda assim, adotou características semelhantes: centralização autoritária, repressão a dissidentes e perseguição a grupos considerados inimigos do Estado.
Especialistas como Stanley G. Payne (um dos nossos entrevistados) enfatizam que Franco incorporou elementos fascistas (partido único, sindicatos oficiais, estética). A History of Fascism, 1914–1945.
Franco aboliu os partidos de oposição, censurou a imprensa e organizou instituições políticas moldadas na disciplina e no culto ao líder.
No Brasil, a Ação Integralista Brasileira (AIB) surgiu ainda nos anos 1930, liderada por Plínio Salgado. Inspirados nos modelos europeus, os integralistas usavam uniformes verdes, símbolos próprios e rituais de massa.
Defendiam um nacionalismo centralizador e rejeitavam tanto o comunismo quanto o liberalismo.
O autor Hélgio Trindade definiu-o diretamente como “o fascismo brasileiro na década de 30”.
Com o Estado Novo de Vargas, a organização foi dissolvida, mas suas ideias reapareceram em grupos menores ao longo do século XX e seguem sendo retomadas em ambientes virtuais.
A Frente Nacional foi fundada em 1972 por Jean-Marie Le Pen, reunindo diferentes grupos nacionalistas franceses. Entre os primeiros quadros havia ex-integrantes da Ordre Nouveau e militantes que atuaram na guerra da Argélia.
Inspirado em modelos como o Movimento Social Italiano, o partido defendia pautas de identidade nacional e combate à imigração.
Nos anos 1980 e 1990, Le Pen consolidou a legenda como força populista, alcançando em 2002 o segundo turno presidencial, um marco inédito para o movimento.
Em 2011, Marine Le Pen assumiu a liderança e iniciou um processo de mudança de imagem. Ela suavizou parte da retórica do pai, buscou se afastar da associação ao fascismo clássico e incorporou pautas sociais, como emprego e seguridade.
Em 2018, o partido mudou de nome para Rassemblement National (Reunião Nacional), em uma estratégia de ampliar seu alcance político.
Com o novo posicionamento, Marine Le Pen voltou ao segundo turno em 2017 e 2022.
Em 2024, o partido, já sob a liderança de Jordan Bardella, conquistou destaque nas eleições para o Parlamento Europeu e passou a disputar espaço direto com as forças de Macron e da coalizão de esquerda.
Na Argentina, o governo de Juan Domingo Perón, nos anos 1940 e 1950, apresentou características como o culto à figura do líder, a centralização do poder e o uso de símbolos para mobilizar as massas.
Em sua obra O movimento nacional-popular: Gino Germani e o peronismo, o historiador Samuel Amaral relaciona esses elementos ao fascismo.
O chamado peronismo, no entanto, combinava também retórica social, criando uma identidade singular que se diferenciava do fascismo europeu, mas não deixava de carregar influências.
Segundo o historiador Federico Finchelstein em Fascismo Transatlântico afirma que: “O populismo reformulou o fascismo a tal ponto que, como no caso do peronismo, tornou-se um ‘ismo’ plenamente diferenciado […] enraizado na democracia eleitoral.
E em outro ponto:
"O peronismo, como a maior parte do populismo latino-americano do pós-guerra, rejeitou as formas ditatoriais do fascismo […] e os altos níveis de violência racial/antissemita”.
No século XXI, símbolos e práticas associados ao fascismo não desapareceram. Eles se adaptaram às novas condições, principalmente com o uso da internet e das redes sociais como ferramentas de propaganda, radicalização e recrutamento.
Fundado em 2014, no contexto da guerra no leste da Ucrânia, o Batalhão Azov começou como uma milícia voluntária e depois foi incorporado à Guarda Nacional ucraniana.
Um dos símbolos usados pelo Batalhão Azov é o Sol Negro, conhecido em alemão como Schwarze Sonne. Ele remete a um desenho encontrado no castelo de Wewelsburg, que foi apropriado pelo regime nazista como representação de uma visão mística de poder e identidade.
Hoje, o sinal é associado a grupos que utilizam referências do nacional-socialismo.
Outro emblema presente na iconografia do grupo é o Wolfsangel, um antigo símbolo heráldico europeu.
No século XX, foi adotado por unidades militares alemãs durante a Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, retomado por organizações de inspiração nacionalista. No caso do Azov, aparece em uniformes e bandeiras como marca de identidade do batalhão.
Além do campo de batalha, tornou-se conhecido pelo uso de símbolos de inspiração ultranacionalista e pela presença ativa em plataformas digitais.
Nos Estados Unidos, surgiu em 2015 a Atomwaffen Division, um grupo que mistura ideologia ultranacionalista com apologia à violência.
O grupo adota o chamado “aceleracionismo”, uma ideia segundo a qual o colapso das estruturas sociais e políticas seria inevitável e desejável.
Na prática, a organização interpreta esse colapso como uma oportunidade para impor uma nova forma de sociedade baseada em suas próprias ideias
Essa visão serviu de base para justificar ações violentas e também inspirou o surgimento de ramificações em outros países, como a Divisão Sonnenkrieg, no Reino Unido, e a Divisão Feuerkrieg, na Estônia.
Na Europa, algumas torcidas Ultras de futebol funcionam como núcleos de identidade política, para além do esporte.
O fascismo clássico caiu em 1945 junto com Mussolini e Hitler. Mas suas ideias não foram enterradas com eles. Sobreviveram em regimes autoritários, ressurgiram em partidos e movimentos políticos, e se adaptaram ao longo das décadas para caber em novos cenários.
Hoje, símbolos podem ter mudado e nomes podem ser diferentes, mas os traços fundamentais permanecem reconhecíveis: nacionalismo radical, culto ao líder, disciplina militarizada e rejeição à democracia liberal.
O fascismo, derrotado no campo de batalha, segue presente na história como uma ideologia que muda de forma, reaparecendo em diferentes formatos ao longo das décadas..
O fascismo não foi apenas um episódio do século XX. Ele mostra como ideias filosóficas podem legitimar regimes autoritários. Ao mesmo tempo, revela como a crítica filosófica pode desmascará-los.
Entender seus traços essenciais é fundamental. O culto ao líder. A dissolução do indivíduo no Estado. A propaganda que cria realidades fictícias.
Sem isso, o termo corre o risco de virar apenas um rótulo em disputas políticas. E isso enfraquece o debate público, abrindo espaço para manipulações.
Também é uma forma de preservar a memória histórica. O fascismo esteve na raiz de guerras, perseguições e tragédias humanas. Reconhecer essa herança é honrar as vítimas. E é também impedir a repetição dos erros.
Por fim, compreender o fascismo fortalece o pensamento crítico. Estudar Gentile, Arendt, Popper e a Escola de Frankfurt não é apenas revisitar o passado. É ganhar ferramentas para interpretar o presente.
Em tempos de propaganda digital, personalismos e polarização, suas reflexões se tornam ainda mais valiosas. Elas ajudam a separar o efêmero do essencial.
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