“Seu fascista!” “Fascistas não passarão!” “Ele não é louco, ele é um fascista!”, frases como essas circulam em discursos, manchetes e redes sociais. Mas, afinal, o que elas querem dizer?
Poucos termos circulam tanto no debate público quanto “fascismo”. A palavra é muitas vezes usada para atacar adversários, mas quase nunca com o devido rigor histórico.
O que foi, de fato, o fascismo? Uma ideologia violenta e popular? Ou um fenômeno mais profundo, que encontrou justificativa em filósofos e depois foi desmascarado por outros?
Para responder, é necessário entender as principais interpretações filosóficas do tema.
Mais do que conceitos abstratos, essas visões ajudam a entender como ideias moldaram regimes que marcaram o século XX. Elas também explicam por que a discussão continua atual em um tempo de polarização, propaganda e culto a líderes.
Para entender o fascismo por dentro, é inevitável olhar para Giovanni Gentile (1875–1944).
Conhecido como o “filósofo do fascismo”, Gentile desenvolveu a doutrina do “atualismo”, segundo a qual a única realidade é o pensamento em ato.
Inspirado por Hegel, defendia que o indivíduo só encontrava sentido dentro do coletivo, o que levou à máxima atribuída ao fascismo: “O Estado é tudo, o indivíduo não é nada.”
Em 1932, Gentile redigiu com Mussolini o ensaio “A Doutrina do Fascismo”, publicado na Enciclopedia Italiana. Ali, o fascismo foi apresentado como uma “religião política”, alternativa tanto ao liberalismo quanto ao marxismo.
Gentile via o Estado como árbitro do bem e do mal, autorizado inclusive a usar a força para moldar um “homem novo”.
Como ministro da Educação, promoveu uma reforma que reduziu o número de vagas no ensino superior, com foco na formação do partido
Suas ideias foram duramente criticadas. O filósofo Benedetto Croce respondeu ao “Manifesto dos Intelectuais Fascistas”, liderado por Gentile, com o “Manifesto dos Intelectuais Antifascistas”.
Outros, como Piero Gobetti, viam na filosofia de Gentile apenas retórica a serviço do autoritarismo.
Ainda assim, sua influência foi reconhecida até por adversários como Gramsci. Morto em 1944 por partidários comunistas, Gentile permaneceu fiel ao regime até o fim.
Enquanto Gentile justificava o regime, Hannah Arendt (1906–1975) buscou entender seus efeitos sobre a condição humana.
Em “As Origens do Totalitarismo” (1951), Arendt incluiu o fascismo na categoria de regimes totalitários, ao lado do nazismo e do stalinismo.
Para Arendt, tratava-se de uma forma inédita de governo, sustentada pela combinação de ideologia e terror. O terror não era apenas repressão, mas a própria essência do regime, transformando indivíduos em “seres supérfluos”.
Ela escreveu que o sujeito ideal do domínio totalitário não é o fanático convicto, mas aquele que já não distingue entre verdade e mentira, entre fato e ficção.
Arendt reconheceu que o fascismo italiano não atingiu o mesmo grau de totalitarismo do nazismo ou do stalinismo.
A monarquia, a Igreja Católica e parte do setor privado permaneceram ativos. Ainda assim, identificou nele a tendência de uniformizar e dissolver a pluralidade humana.
Outro nome central na crítica ao fascismo foi o austríaco Karl Popper (1902–1994).
Em A Sociedade Aberta e seus Inimigos (1945), ele argumentou que regimes como o fascismo nasceram de uma tradição intelectual marcada pelo historicismo. Essa corrente defende a crença de que a história segue leis fixas e previsíveis.
Popper associava esse pensamento a filósofos como Platão e Hegel, que, segundo ele, abriram caminho para justificar a supremacia do coletivo sobre o indivíduo.
O fascismo, ao exaltar Mussolini como salvador da pátria, seria uma expressão dessa lógica.
Sua proposta foi a “sociedade aberta”, baseada na crítica racional, no debate público e na defesa da liberdade individual contra qualquer tipo de determinismo histórico.
Já os pensadores da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, analisaram o fascismo sob uma ótica crítica da modernidade.
Na obra “Dialética do Esclarecimento” (1947), eles defenderam que a racionalidade moderna havia se transformado em razão instrumental: em vez de servir à emancipação, passou a ser usada como ferramenta de dominação.
O fascismo seria uma culminação desse processo, em que técnica e organização social foram aplicadas para destruir em vez de libertar.
Walter Benjamin, próximo da mesma escola, escreveu o ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (1936).
Ali, apontou que o fascismo transformava a política em espetáculo: desfiles, filmes e símbolos criavam uma estética que mobilizava massas sem alterar as relações de poder.
Benjamin resumiu: “A humanidade experimenta sua própria destruição como prazer estético.”
Colocando esses pensadores lado a lado, vemos perspectivas complementares:
O fascismo pode ser lido de diferentes formas: como filosofia política, como regime de massas, como crise da razão moderna ou como espetáculo cultural.
O fascismo não foi apenas violência ou autoritarismo de massas. Foi também um fenômeno intelectual, debatido, defendido e criticado por alguns dos maiores filósofos do século XX.
Gentile mostrou como a filosofia pode legitimar um regime. Arendt, Popper e Frankfurt revelaram como a filosofia pode desmantelar seus fundamentos.
Mais de um século depois, esse debate continua relevante para entender os desafios do nosso tempo.
O fascismo não foi apenas um episódio do século XX. Ele mostra como ideias filosóficas podem legitimar regimes autoritários. Ao mesmo tempo, revela como a crítica filosófica pode desmascará-los.
Entender seus traços essenciais é fundamental. O culto ao líder. A dissolução do indivíduo no Estado. A propaganda que cria realidades fictícias.
Sem isso, o termo corre o risco de virar apenas um rótulo em disputas políticas. E isso enfraquece o debate público, abrindo espaço para manipulações.
Também é uma forma de preservar a memória histórica. O fascismo esteve na raiz de guerras, perseguições e tragédias humanas. Reconhecer essa herança é honrar as vítimas. E é também impedir a repetição dos erros.
Por fim, compreender o fascismo fortalece o pensamento crítico. Estudar Gentile, Arendt, Popper e a Escola de Frankfurt não é apenas revisitar o passado. É ganhar ferramentas para interpretar o presente.
Em tempos de propaganda digital, personalismos e polarização, suas reflexões se tornam ainda mais valiosas. Elas ajudam a separar o efêmero do essencial.
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