Liberdade de expressão. Uma vez considerada um valor fundamental para o exercício da democracia, e uma das bases sob as quais a civilização ocidental foi criada, hoje se encontra em um ponto crítico.
Nos últimos anos, não só houve um crescimento no número de notícias sobre censura, como o apoio à liberdade de expressão no Brasil está em seu menor nível nos últimos 10 anos.
Uma pesquisa do instituto Pew Research aponta que 62% dos brasileiros consideram uma imprensa livre de censura “muito importante”, o número era 71% em 2015.
Há uma percepção entre a direita de que casos de censura e cerceamento à liberdade de expressão estejam acontecendo com mais frequência com o seu lado da disputa política.
Ao mesmo tempo, pairam suspeitas de um tratamento diferenciado para o lado contrário, mesmo frente a episódios como o apoio a terroristas, líderes autoritários e até assassinatos.
A universidade já foi um terreno fértil para o confronto de argumentos, mas passou a ser marcado por um certo dogmatismo. O foco deixou de estar no conteúdo das ideias e passou a recair sobre quem as expressa.
Uma pesquisa conduzida pela Foundation for Individual Rights and Expression ajuda a entender esse fenômeno.
Os dados indicam que o ambiente universitário americano tem se tornado mais intolerante ao debate.
Entre os estudantes que se identificam à esquerda, há mais tolerância com palestrantes que defendem pautas progressistas, como o controle de armas, a tese do racismo estrutural ou restrições à liberdade religiosa.
Ao mesmo tempo, cresce a resistência a palestrantes conservadores que tratam de temas como a criminalização do aborto ou críticas ao movimento Black Lives Matter.
Os números também indicam que o ambiente universitário tem se tornado mais intolerante ao debate.
Nos últimos quatro anos, a quantidade de estudantes que consideram aceitável usar violência para impedir alguém de falar em um campus subiu em 10 pontos percentuais.
No total, um em cada três alunos acredita que é justificável recorrer à força para silenciar uma palestra em alguns casos.
O mesmo movimento aparece em relação à prática de interromper palestrantes com gritos e protestos.
Hoje, 72% dos estudantes dizem considerar essa atitude aceitável. Um aumento de 6 pontos percentuais em comparação a quatro anos atrás.
O advogado e jornalista Greg Lukianoff explica que grupos progressistas usara a liberdade de expressão para se consolidar nos campus e a cerceiam para se manter:
"E então eu chamo isso de desastre em câmera lenta, porque estava realmente claro que estava acontecendo, que essa era a direção das coisas, do meu ponto de vista em Stanford — que eventualmente haveria uma tentativa na academia de, por assim dizer, fechar a porta atrás deles. 'Nós usamos a liberdade de expressão para subir. Nós usamos a liberdade acadêmica para subir. E agora vocês não a têm. Nós a temos. Agora estamos no comando, então nós decidimos quem é punido por quê.'"
Já entre os alunos que se declaram conservadores, o cenário é diferente. Embora prefiram discursos mais próximos de seus valores, eles demonstram maior disposição em ouvir opiniões e teses contrárias a seus valores.
Há também uma predominância expressiva de professores que se identificam com o partido democrata frente a uma proporção menor que se identifica com o partido republicano nas universidades de elite americanas.
Além dos casos de diminuição na tolerância dos estudantes com opiniões divergentes, novas teorias também ganharam força dentro das universidades, muitas vezes com discursos marcados por forte carga identitária.
Dentre eles, está o da escritora Robin DiAngelo, autora de White Fragility, cujas ideias sobre privilégio e culpa racial ajudaram a reforçar uma visão mais radical das relações sociais e acadêmicas.
Após a popularização desses discursos, vieram casos concretos de conflito em instituições de ensino.
Um professor da Universidade da Califórnia (UCLA) foi suspenso após se recusar a aplicar uma prova final mais leve para alunos negros, decisão que resultou em um processo judicial contra a universidade.
No Smith College, uma funcionária relatou ter sido pressionada a participar de sessões de “responsabilização branca”, nas quais professores e funcionários eram convidados a reconhecer publicamente seus privilégios raciais.
Esses episódios mostram como as discussões sobre identidade e poder passaram a ocupar um espaço central nas universidades.
Em diversos contextos, as ideias por trás dessas teorias também passaram a ser usadas para controlar o discurso e restringir a liberdade de expressão.
O autor e matemático James Lindsay comentou que essas ideias foram formadas dentro das universidades:
“Essas ideias saíram da academia. Sem dúvida. A teoria queer foi desenvolvida na academia. O feminismo radical acadêmico foi desenvolvido na academia. A teoria crítica da raça foi desenvolvida especificamente no direito na academia. E então essas são definitivamente as ideias que definiram o tom.”
Motivadas principalmente pela visão identitária, muitas universidades estabeleceram os “safe-spaces”, ou zonas “seguras”.
Trata-se de lugares onde estudantes podem se “abrigar” para não serem confrontados com ideias que ofendam suas crenças e ideologias pessoais.
Essas zonas foram adotadas em muitos campus e até defendidas por dirigentes universitários americanos.
Em 2016, o presidente da Northwestern publicou um artigo explicando por que a universidade apoia safe spaces como parte de uma comunidade inclusiva.
Em décadas passadas, restringir a liberdade de expressão, mesmo em situações sensíveis, era algo incomum.
Universidades e organizações de direitos civis como a União Americana pelas Liberdades Civis, tratavam o direito de se manifestar como algo absoluto. Mesmo que o discurso fosse extremista, a defesa da liberdade vinha em primeiro lugar.
Greg Lukianoff conta que viu a abertura para se expressar livremente nas universidades diminuir já no início do século XXI:
“Quando comecei a trabalhar, em 2001, ficou muito claro que havia mais códigos de restrição ao discurso do que em 1995. Quando conseguimos obter dados abrangentes, cerca de 79% das escolas tinham o que chamamos de ‘red-light speech codes’, razoavelmente inconstitucionais, coisas que violam a Primeira Emenda dos EUA.”
Ele comenta que a raíz dos pensamentos que permitiram a criação das “zonas seguras” e legitima a censura está na teoria crítica da raça:
“Esse movimento permaneceu vivo nos campi e cresceu. Depois foi retomado e acabou se transformando na teoria crítica da raça. É basicamente uma filosofia tudo é sobre poder e identidade. E quando o grupo da teoria crítica da raça se consolidou, uma das primeiras coisas que fizeram foi apresentar argumentos a favor de restringir a liberdade de expressão em nome do combate à discriminação.”
O surgimento de comportamentos contrários à liberdade de expressão não é um fato isolado e nem exclusivo às universidades.
A institucionalização dessas teorias de inclusividade vieram através das chamadas iniciativas de “diversidade, equidade e inclusão” ou DEI nas empresas.
No Smithsonian, por exemplo, diretrizes internas incluíam um gráfico que descrevia como características da “cultura branca” valores como:
A publicação teve considerável repercussão e o museu acabou retirando o material do ar após críticas.
Em São Francisco, as autoridades educacionais decidiram suspender o ensino de álgebra antes do ensino médio.
O argumento para a decisão foi que a oferta desigual da disciplina em escolas mais ricas poderia ampliar as diferenças de desempenho entre alunos brancos e negros.
Até mesmo corporações ligadas ao exército incorporaram esse tipo de discurso. Na Lockheed, executivos participaram de um treinamento voltado a “desaprender o privilégio do homem branco”.
Com a vitória de Trump em 2024, companhias como o Facebook, anunciaram que iriam afrouxar restrições sobre postagens em suas plataformas, enquanto várias outras retiraram metas de diversidade de seus relatórios anuais.
Ainda assim, os especialistas entrevistados pela Brasil Paralelo em God Complex apontam que o sistema de silenciamento de vozes dissidentes ao progressismo teve origem nas universidades e foi consolidado com influência do governo americano.
Ele teve origem sob a influência de figuras intelectuais populares no meio acadêmico e foi institucionalizado por braços do Estado americano.
Greg Lukianoff comenta que essa ideia de censura legítima tem origem com pensadores importantes, como Herbert Marcuse:
“Um dos pensadores que realmente ajudou a popularizar essa ideia de “censura esclarecida” foi o supervalorizado Herbert Marcuse, e ainda me intriga por que pessoas — que, por outro lado, são inteligentes — o celebram.”
Ele conta que o filósofo fugiu da Alemanha nazista e se mudou para os EUA, onde passou a criticar a sociedade americana como “profundamente falha, meramente materialista.”
Era um sujeito que viveu na Alemanha, fugiu dos nazistas, chegou à América e, de algum modo, na década de 1950 — o lugar mais próspero em que se podia estar em todo o mundo — a partir de Santa Bárbara, de todos os lugares, viu-a como uma sociedade podre, profundamente falha, meramente materialista.”
James Lindsay complementou, falando sobre a influência direta de Marcuse no serviço secreto do governo americano:
“Ele, na verdade, trabalhou para o governo dos EUA. Foi um ator importante no que se chamou OSS (Office of Strategic Services), que viria a se tornar a Central Intelligence Agency — a CIA. Assim, atuou no precursor da CIA como ideólogo para explicar o contexto alemão, de modo que pudéssemos combater a Segunda Guerra Mundial com mais eficácia contra os nazistas. Ao longo da década de 1950, escreveu e lecionou, mas ainda era relativamente obscuro. Porém, no início dos anos 1960, saltou ao status de estrela na cena das universidades de elite americanas.”
Segundo o matemático, a obra de Marcuse foi marcada pela promoção da crença de que a liberdade de expressão não deveria ser um valor absoluto.
Em um artigo de 1965 intitulado “Tolerância Repressiva”, Marcuse divide a forma como uma sociedade tolera visões diferentes em três maneiras diferentes.
A primeira formas se basearia na maneira como as pessoas comuns reagem a determinadas ideias e comportamentos, Lindsay explica:
“Ele diz que há a tolerância democrática — o que o povo, em geral, tolera ou não, onde se traça, por exemplo, a linha da obscenidade. Mas ele afirma, em sua opinião, que toda a sociedade é agora obscena, e portanto você pode ver que ele vai levar as coisas longe demais.”
O matemático segue explicando que Marcuse enxergava uma outra forma de tolerância, segundo a qual movimentos de esquerda seriam reprimidos:
“Em seguida, diz que a direita usa algo chamado tolerância repressiva: ela está disposta a tolerar coisas que são más, apenas dentro de sua estreita janela, mas não tolera o esquerdismo, o socialismo, nada que desafie o status quo capitalista, de modo que reprime todo o resto.”
Por fim, existia a terceira forma de enxergar a questão, baseada principalmente em tolerar as ações de movimentos de esquerda e reprimir o outro lado do espectro político:
“E ele diz que a resposta a isso é uma tolerância libertadora, que, em sua definição exata, significa estender a tolerância aos movimentos de esquerda e retirar a tolerância dos movimentos de direita. Isso é uma citação perfeita do que ele disse e do que quis dizer.”
Greg Lukianoff destaca que essas ideias chegaram ao órgãos formadores de políticas públicas nos EUA através das universidades:
“Não há mistério sobre como essas ideias ruins da academia chegam à formulação de políticas nos EUA. As faculdades de elite formam as pessoas que ocupam cargos de liderança por todo o país. Digo isso como formado em Stanford. É perturbador o quanto dependemos dessas faculdades de elite para decidir quem é nossa classe dirigente.”
Todas essas entrevistas são parte do conteúdo exclusivo que complementa o mais novo documentário da Brasil Paralelo: God Complex.
A produção é o primeiro filme da Brasil Paralelo destinada ao público americano e será lançado dia 16 de outubro, às 20 horas, no YouTube.
Nele, entrevistamos especialistas e ex-integrantes do serviço de inteligência dos EUA, que detalharam como o complexo industrial de censura foi formado no interior do governo americano.
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