Durante anos, a Rússia manteve em silêncio uma sofisticada “linha de montagem” de espiões no Brasil — não para vigiar o país, mas para usá-lo como trampolim rumo a regiões estratégicas como Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
Por trás de vidas aparentemente comuns, agentes russos apagavam seus passados e construíam novas identidades com documentos brasileiros legítimos. Tornavam-se empresários, vizinhos amigáveis, até parceiros amorosos — tudo para dar credibilidade aos personagens que encenavam.
Com passaportes verdes em mãos, partiam como cidadãos brasileiros, prontos para infiltrar-se em zonas de interesse geopolítico sob disfarces convincentes.
A operação começou a ruir nos últimos três anos, graças a um trabalho de contrainteligência da Polícia Federal (PF) em cooperação com agências internacionais.
Uma investigação do jornal The New York Times, publicada nesta quarta-feira (21), trouxe detalhes dessa trama.
Essa "fábrica de espiões" começou a ruir em abril de 2022, poucos meses após a invasão da Ucrânia.
A guerra aumentou a cooperação entre serviços de inteligência globais, dificultando o trabalho dos agentes russos.
A descoberta começou quando a CIA alertou a PF sobre um oficial da inteligência militar russa chamado Sergey Cherkasov.
Ele havia sido barrado na Holanda ao tentar se infiltrar como estagiário no Tribunal Penal Internacional usando um passaporte brasileiro.
Ele usava o nome de Victor Muller Ferreira e ostentava um diploma de pós-graduação da Universidade Johns Hopkins. Cherkasov foi enviado de volta para São Paulo.
A PF montou uma vigilância intensa enquanto Cherkasov se hospedava em um hotel em São Paulo.
Dias depois, com um mandado em mãos, ele foi preso pela acusação de usar documentos fraudulentos.
Cherkasov foi descrito como arrogante nos interrogatórios e insistiu em sua identidade brasileira.
Seus documentos eram todos genuínos. "Não havia ligação entre ele e a grande Mãe Rússia", comentou um investigador da PF ao NYT, sob condição de anonimato.
A chave para desvendar a farsa de Cherkasov estava na certidão de nascimento falsa do agente.
O documento indicava que Victor Muller Ferreira havia nascido no Rio de Janeiro em 1989, filho de uma brasileira que realmente existiu e morreu quatro anos depois.
No entanto, ao localizar a família da mulher, os agentes da PF descobriram que ela nunca teve filhos.
O nome do pai era fictício. Victor Muller Ferreira, o cidadão brasileiro, simplesmente nunca havia existido, mas sua certidão era real.
Isso levantou os agentes a se questionarem como um espião russo conseguiu obter documentos brasileiros autênticos.
Os espiões se aproveitaram de uma brecha legal. Até 2012, a certidão de nascimento podia ser emitida sem a Declaração de Nascido Vivo (DNV).
Além disso, os cartórios brasileiros operavam de maneira descentralizada e não compartilhavam informações até 2014.
Esse sistema descentralizado e vulnerável à corrupção virou porta de entrada para a criação de identidades falsas.
Com a certidão de nascimento, o caminho para obter documentos como o título de eleitor, certificado de reservista e passaporte estava aberto.
A partir do caso Cherkasov, a Polícia Federal criou a "Operação Leste" para caçar o que chamaram de "fantasmas": indivíduos com certidões de nascimento legítimas, mas sem qualquer registro de vida até a idade adulta.
Esse trabalho envolveu a análise minuciosa de milhões de registros, um esforço que combinou tecnologia e investigação manual.
A investigação da PF, apelidada de "Operação Leste", já identificou pelo menos nove agentes russos operando sob identidades brasileiras.
Seis deles nunca haviam sido publicamente nomeados até a reportagem do New York Times. Entre eles, havia:
De todos os identificados, o único que foi capturado pelas autoridades brasileiras foi Sergey Cherkasov.
Condenado a 5 anos por falsificação de documentos, o governo da Rússia pediu sua extradição, alegando que ele era um traficante de drogas procurado no país.
Os promotores brasileiros, no entanto, afirmaram que se essa acusação fosse verdadeira, era preciso mantê-lo preso no Brasil para mais investigações.
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