Do império russo ao governo atual de Vladimir Putin, a Rússia foi um regime centralizador, que concentra o poder nas mãos de seu líder e é relativamente fechado para o restante do mundo. Desde a queda da União Soviética, prevalece a dúvida: a Rússia é capitalista, comunista ou socialista?
Para responder a essa pergunta, é necessário compreender as instituições russas, o pensamento de Putin e as ideias de seu mentor político.
Desde a queda da URSS em 1991, a Rússia superou o sistema de partido único e tornou-se uma República Federativa. A democracia russa, assim como qualquer democracia moderna, promove a separação de poderes entre executivo, legislativo e judiciário e o capitalismo, ou seja, livre mercado interno e externo.
A Constituição do país garante direitos e liberdades democráticas essenciais como:
Apesar desses direitos previstos na constituição russa, em 2017, o índice de democracia do jornal britânico “The economist” classificou a Rússia como um regime autoritário. A federação russa ocupa a posição 135° de 177 países pesquisados.
O índice leva em conta o pluralismo do processo eleitoral, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades individuais.
Depois do regime soviético, o primeiro a comandar o país foi Boris Yeltsin.
Boris Yeltsin filiou-se ao Partido Comunista da União Soviética, em 1961. Depois de sete anos de filiação, tornou-se funcionário do partido. Em 1976, Yeltsin foi eleito secretário geral do PCUS na província de Sverdlovsk, atual Yekaterinburg.
Quando Gorbachev subiu ao poder, em 1985, teve contato com Yeltsin e sua política reformista. O líder promoveu Boris Yeltsin para dirigir um comitê anticorrupção em Moscou.
No entanto, Yeltsin bateu de frente com Gorbachev e foi obrigado a se demitir em 1987. O conflito tornou-lhe muito popular.
Em 1989, após a perestroika, foi criado um novo parlamento soviético. Boris Yeltsin foi eleito deputado do Congresso dos Deputados do Povo. Um ano depois, no dia 29 de maio de 1990, foi eleito pelo parlamento da república russa presidente daquele país.
Depois de eleito, começou a caminhar em direção a uma maior autonomia e a uma profunda reforma política e econômica, se aproximando do sistema capitalista. Em julho de 1990, abandonou o PCUS.
Yeltsin não foi a transição que muitos esperavam. Ele magoou diversas alas do país russo. O presidente foi flagrado embriagado em uma série de conferências e envolveu-se em diversos escândalos.
O povo era muito apegado à estética russa, de uma pátria séria e robusta, e a um forte sentimento patriótico. Ver seu representante comportando-se de maneira irreverente foi um grande problema.
Na parte política, Yeltsin foi o responsável pela transição do regime político da Rússia . Ele resolveu dar um choque de capitalismo na Rússia.
Várias estatais foram postas à venda. Mas apenas um grupo seleto de russos poderia ter dinheiro para comprá-las: durante a URSS havia um mercado negro, e pessoas próximas ao líder tinham aval para atuar nele.
Estes homens enriqueceram, construíram um grande patrimônio e puderam comprar as estatais russas vendidas por Yeltsin.
Esses indivíduos ficaram conhecidos como oligarcas, um grupo de empresários russos com muito capital e forte domínio sobre a economia russa.
O mercado russo oferece muitas possibilidades. A Rússia tem em abundância:
Um mercado em que há demandas constantes e o dinheiro não para de fluir. Os oligarcas russos se enriqueceram ainda mais nesse processo e passaram a influenciar na política russa.
Yeltsin, com todos seus problemas comportamentais, foi deixando espaço para a ascensão de um político que vinha se destacando: Vladimir Putin.
Vladimir Putin veio do interior para se tornar vice-prefeito de São Petersburgo, cargo em que executou várias medidas. Ele sempre mostrou ser um homem firme, patriótico e um grande estrategista político.
Putin não veio do nada. Ele chegou a ser o terceiro homem da KGB, que era o órgão de repressão da polícia secreta russa.
Com a queda da União Soviética, ele migrou para a vida pública. Putin sempre declarou que a queda da União Soviética foi a maior desgraça da geopolítica do século 20.
Putin ganhou popularidade quando houve uma rebelião separatista na Crimeia, em que tomou medidas muito radicais para conter os revoltosos. Assim ascendeu ao poder.
É complexo definir com precisão se a Rússia é comunista, socialista ou capitalista. É simplista enquadrá-la totalmente em uma única definição ou lado ideológico. Para análises mais abrangentes, é necessário considerar as instituições russas.
A Rússia compreende um território de 17.130.000 km² e ocupa dois continentes, o europeu e o asiático. Conforme consta em sua constituição, o governo é uma República Federativa, o que na prática significa que:
Segundo a constituição, o regime russo é semipresidencialista. Ou seja, o presidente é representante do poder executivo, mas divide seu poder com o primeiro-ministro.
O primeiro ministro é eleito pelo poder legislativo. Na Rússia, os deputados eleitos pelo povo se organizam da seguinte forma:
O poder judiciário da federação russa é independente e funciona de forma autônoma do legislativo ou executivo. O sistema judiciário russo é composto por três instâncias:
O sistema jurídico pós-comunista da Rússia continuou com grande parte da estrutura jurídica soviética.
Em 1991, para contornar a estrutura consolidada, foi estabelecido um Tribunal Constitucional com 15 juízes. Este foi o primeiro tribunal independente na história russa. Ele pode julgar a constitucionalidade dos movimentos feitos pelo presidente e pela Duma.
No entanto, essa suprema corte passa pelo controle do presidente, que tem o poder de nomear seus juízes.
A constituição russa permitiu também o pluripartidarismo no país. Mais de 100 foram criados e registrados após a transição para o período democrático.
O sistema eleitoral introduziu eleições livres e competitivas. Atualmente, existem quatro partidos que compõem à Duma: o Partido Comunista com 42 assentos, o Partido Liberal Democrata com 39 cadeiras ocupadas, o Partido Rússia Justa com 23 cadeiras no parlamento federal russo.
Já o Partido Governista Rússia Unida é o partido que possui a maioria das vagas da Duma: no total, são 342 assentos.
Desde 2000, durante a presidência de Vladimir Putin, o número de partidos diminuiu rapidamente:
“Para opositores, a queda do número de partidos se deu porque Vladimir Putin teme a ascensão de novas lideranças políticas da oposição” (Alexander Titov, especialista em história política russa).
Um dos problemas para entender se a Rússia é comunista, socialista ou capitalista nos dias de hoje, é que há uma diferença entre a política prevista na constituição e a política na prática do dia a dia.
A constituição oferece uma feição liberal e democrática para a Rússia, mas o regime na realidade é fechado, centralizado e conduz sua política com rigor.
A política estatista e centralista da Rússia também prevalece no campo econômico.
"A iniciativa privada é fortemente regulada e segue os ditames do Estado. Dessa maneira acaba-se com uma economia em que a iniciativa privada torna-se sócia do governo que é o grande decisor econômico", Denis Rappaport, mestre em economia pela Duke University
O controle do governo russo na economia se dá do seguinte modo:
A concentração do poder estatal na economia é um fato histórico. Desde o império russo o governo controla e intervém.
Os recursos naturais são a principal fonte de renda russa, o que se tornou um fator determinante para o governo manter o controle sobre eles, por motivos estratégicos. A Rússia tem as maiores reservas de gás natural do mundo e baixo custo de produção.
A economia russa não se enquadra completamente na definição socialista. As aberturas econômicas do governo desde Yeltsin inclinam o país para o capitalismo, mas sem que a interferência do governo deixe de regulá-la.
Nas escolas, universidades e na própria mídia, os governos e suas políticas econômicas muitas vezes são enquadrados em esquemas simples e fechados onde se define se o país é capitalista, liberal ou socialista, de extrema direita ou democrático…
Esses nomes não bastam para entender de fato a política contemporânea.
Para compreender bem os fenômenos políticos e saber fazer análises seguras dos fatos, é preciso ir às fontes, entender a história e aprofundar-se na teoria.
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“Na Rússia contemporânea, precisamos saber que se trata de um regime autocrático, um regime político em que as leis e decisões estão baseadas nas convicções do governante. Isso significa que a Rússia não possui uma tradição de democracia liberal como alguns países do Ocidente. Ao adotarmos a perspectiva da ciência política, é normal cometermos um erro de miopia, de avaliar outros Estados com base na tradição em que nós vivemos, e que até mesmo não percebemos viver. Assim, de certa forma, observamos a Rússia a partir dessa visão de democracia liberal como modelo ideal de regime de Estado. No entanto, isso não acontece na Rússia”. Lucas Ferrugem, no curso Uma Breve História da Rússia
O governo russo hoje, quando comparado com os regimes anteriores, pode ser entendido como mais democrático e nominalmente aberto ao capitalismo. Mas, segundo Lucas Ferrugem, a Rússia certamente não pode ser equiparada com nenhuma das democracias consolidadas pelo mundo.
Ainda segundo o que Ferrugem ensina, os russos nunca passaram por um processo aberto de verdadeira democratização, com partição de poderes e equanimidade das partes.
Na Rússia, a democracia liberal continua sendo uma discussão teórica, presente até em trechos da constituição, mas que nunca aconteceu.
Para compreender a Rússia moderna, um país autocrático que centraliza o poder, é necessário conhecer quem concentra todo esse poder: Vladimir Putin.
É preciso que conheçamos sua história e quais foram os intelectuais ou indivíduos que formaram suas ideias para entendê-lo.
Aleksandr Dugin é o principal mentor de Putin. Dugin iniciou sua carreira política como militante anticomunista durante os últimos anos do regime soviético. Com o fim do regime, passou a trabalhar na Duma assessorando seu presidente Gennadiy Seleznyov no final da década de 1990.
Ele conseguiu um destaque político muito grande como responsável por atuar nos bastidores e em pouco tempo passou a ser um homem de confiança de Putin.
Suas principais teorias serão explicadas. Dugin se destacou por duas:
Para Lucas Ferrugem, no curso Uma Breve História da Rússia:
“Recentemente, um jornalista mencionou que a importância de Aleksandr Dugin era superestimada, uma vez que este nem sequer trabalha dentro do Kremlin. O fato de Dugin não trabalhar no Kremlin, não isola a perspectiva de que tem reuniões periódicas com Putin, governante da Rússia, o qual já declarou, publicamente, que admira Dugin e tem nele seu principal conselheiro. Isso significa que Dugin é o principal conselheiro de Putin, Presidente/Ditador da Rússia”.
Dugin tem como principal referência o pensamento marxista e os escritos do filósofo Martin Heidegger.
O entendimento de Dugin acerca das ideias de Heidegger é que as leis que são seguidas são apenas uma interpretação humana de como a sociedade deve ser.
Para facilitar: alguém interpretou a realidade de uma determinada forma e a impôs assim por meio da lei. Ou seja, o indivíduo existe conforme a lei, porque a lei o forma.
Deste modo, o indivíduo precisa combater e moldar o mundo na capacidade que lhe cabe. Ou seja, leis, instituições e morais não são algo perene, eterno ou transcendente, são interpretações de uma pessoa e podem ser transformadas.
Outro ponto importante do pensamento de Dugin é sua visão de como os países se definem. Para o filósofo, a influência mútua dos países interfere em como eles se definem. Essa é a teoria da multipolaridade.
Desse modo, a Rússia deve interferir naqueles que ajudam a defini-la. Dugin também é profundamente nacionalista: ele enxerga que a Rússia deve ser o centro das influências.
A Eurásia deve ser vista como um polo emanador de influências. Este é seu pensamento neo-eurasiano.
A ideia de Eurásia é uma tradição de pensamento que enxerga a Rússia como o próximo grande império do mundo, semelhante ao que foi o Império Romano.
Para ficar ainda mais claro: Dugin entende que se existe essa multipolaridade no mundo, se os países externos definem o país interno, é preciso fazer da Eurásia o centro de tudo.
Com toda essa bagagem intelectual, Dugin elabora a teoria da quarta política. A teoria da quarta política é o nome dado a um de seus livros que, posteriormente, originou um debate entre ele e Olavo de Carvalho, chamado Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial.
No século 20, há o socialismo, o liberalismo e o fascismo. A teoria da quarta política trata de como essas três ideologias definiram uma a outra, mesclando-se, de acordo com a teoria da multipolaridade. A política foi moldada através do fascismo, do socialismo e do comunismo.
É como se fascismo, liberalismo e comunismo entrassem em conflito e no choque dessas correntes, e criou-se a política prática dos Estados contemporâneos.
Dugin entende que a nova interpretação da quarta política seria dada pelo conflito dessas três. Portanto, há uma dialética, e precisamos identificar qual síntese emergirá desse processo.
“Para conhecer a síntese, não preciso elaborar teorias e teses, mas acelerar esse conflito, a disputa entre países, o contraste entre diversos territórios. É preciso encorajar os Estados Unidos, a polarização, a briga do conservadorismo, a briga islâmica. É preciso fazer com que isso fervilhe como uma panela de pressão, para que se retire daí a interpretação de como a Rússia irá se definir, de modo a ser líder nessa ocasião”. (Lucas Ferrugem)
Em suma, as ideias de Dugin que influenciam Putin são:
Toda essa compreensão teórica ajuda a compreender se a Rússia é comunista, socialista ou capitalista.
Desde que assumiu a presidência da Rússia, Putin mudou o rumo da política. Logo de início, estabeleceu uma relação diferente com os oligarcas:
Putin dá um recado claro aos oligarcas, subordinando-os ao seu poder com firmeza.
Putin realizou uma retomada da estratégia russa, com a volta de investimento bélico em larga escala. Ele criticou severamente a diminuição do investimento em armamento e declarou que era preciso reverter esse quadro. Assim, quadruplicou os orçamentos militares.
Lucas Ferrugem, novamente no seu curso, afirma:
“Putin é um homem geopolítico. Embora não execute a mesma política interna da União Soviética, posicionando-se de forma muito diferente, adota uma política externa similar a de Stalin, qual seja, de fazer o Ocidente conflitar para, aproveitando-se dessa fragilidade, dominar”.
Diante de todo esse cenário, classificar o regime russo como comunista, socialista ou capitalista é irrelevante. Seu governo é autoritário e centralizador, e a sua estratégia sempre é adaptar seu discurso diante das circunstâncias.
O objetivo é um só: a Rússia liderar a política mundial, protagonizando o debate político e servindo de modelo principal.
Para Putin pouco importa, ser visto como conservador ou de esquerda. Sua formação política ocorreu na KGB soviética e suas ideias seguem o pensamento de Dugin.
É importante ressaltar que Dugin é um admirador:
Ou seja, o mentor e o líder do regime russo flerta o tempo inteiro com o autoritarismo.
Há dois momentos principais para a opinião pública fazer essa afirmação. O primeiro deles aconteceu na Copa do Mundo. O governo russo instruiu os turistas a não fazerem demonstrações homoafetivas. Putin se manifestou, dizendo que se a sociedade perder a capacidade de se autorreproduzir, será seu fim.
A segunda razão foi a forma como Putin lidou com o Pussy Riot, um grupo feminista na Rússia.
Muitos afirmam que a Rússia não é de esquerda porque o progressismo não chegou até lá. No entanto, isso se explica não pelo conservadorismo de Putin, mas por a Rússia ser uma sociedade muito fechada.
A multicultura, a indústria cultural e as teorias da Escola de Frankfurt sequer entraram no país.
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