Rasta

Rasta é um highlander, um artista que apresenta colunas irônicas, versões textuais de seu programa Rasta News, um jornal semanal isento de notícias. Não delicadezas aqui.

OPINIÂO

Por que a beleza importa?

Sem o conceito de belo, jamais poderíamos apreciar Renato Gaúcho, o homem mais bonito deste mundo.

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Quando passei a me questionar sobre o belo?

Como eu cheguei neste mundo muito depois do início desta conversa, para tentar falar sobre o belo, vamos precisar voltar, não necessariamente para o início de tudo, mas para o momento onde eu verdadeiramente me dei conta de que essa conversa existia em todos os lugares, em todos os cantões da humanidade, em níveis diferentes e em diversos graus de degeneração.

Lembro-me muito bem, por volta de 2013, de quando eu e os meus embaixadores passávamos pela dificuldade de ter que trabalhar, e para financiar o aluguel do nosso barraco, nosso coentro e feijão, a gente tocava nas festas brasileiras mais galerosas de toda a América.

Eventos habitados por guerreiros e bárbaros level 18 do mundo real,, visíveis ao se conhecer e apreciar a realidade de quem já comeu o pão que o diabo amassou e hoje quebra pedra, granito e cimento o dia inteiro para melhorar suas condições, mas onde há também, muito frequentemente, uma certa limitação no imaginário e no repertório.

Por exemplo, quando você diz que toca piano, já te chamam de maestro. Ao verem que você é cabeludo e barbudo automaticamente já te dão o apelido de Jesus.

Parecido com alguns de vocês, da direita brasileira, que acham que eu pareço com qualquer outro cabeludo metaleiro que tem por aí, quando vocês mesmos são iguais a qualquer funcionário público que eu encontrei na vida. Tudo muito pouco criativo.

Assim foi comigo. Eu era chamado de Jesus e de maestro pelo nosso cantor na banda Tequila com Limão, na qual apresentávamos um repertório com muita swingueira, arrocha e parangolé, onde eu descobri que a diferença entre parangolé e stratovarius é apenas o efeito loirinha, aquela tendência boba a cair em qualquer breguice musical só por que ela vem cantada por uma galega européia.

Mas apesar da despretensão e simplicidade, foi com o meu chefe na Tequila com Limão que eu me deparei pela primeira vez em minha vida com a universalidade desta questão tão complexa e filosófica sobre o que é o belo, quando, certa vez, ele chegou em mim e me disse:

"Ó jesus, venha cá, Jesus.”
Me aproximei e ele continuou:
"Semana que vem eu precisava que você aprendesse uma música nova que é sucesso no Brasil agora. Tá todo mundo ouvindo. A gente precisa tocar. É uma música muito bonita, Jesus”
Eu lhe disse que não haveria problema e eu poderia aprender. Daí, ele concluiu:
"o nome dela é Lepo Lepo. Escuta lá e aprende. Essa música é muito bonita, Jesus”

Aí, cheguei em casa e quando eu escutei a música, percebi que era um caso muito complicado. Assim como o meu conterrâneo Arriando Suassunga, ao ter ouvido o adjetivo genial ser usado para qualificar Chimbinha do Calypso, o Mark Knopfler do Pará, eu fiquei pensando:

"Se o lepo lepo era muito bonito, o que é que eu ia usar quando eu entrasse na Capela Sistina?"

O cara gastou o adjetivo assim, como se nada, mas foi graças àquele momento que eu comecei a me perguntar. Será que bonito e belo são a mesma coisa? Será que eu uso o belo pra uma coisa, mas o bonito para coisinhas mais ordinárias? O que será então de Renato, o homem mais bonito deste mundo?

Não demorou muito para que os psicotrópicos e psicodélicos que eu usava naquela época para transfigurar todo esse surrealismo em um sonho muito vívido, que anotei e me recordo até hoje.

O sonho de uma noite de verão do Rasta

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Imagens meramente ilustrativas.

Estava eu andando por uma floresta, quando avistei uma figueira, mas em vez de um extravagante restaurante paulista, havia uma cratera e, sentado abaixo da árvore, na beira da cratera, estava ninguém menos que Dostoiévski.

Eu olhei para o rosto, sua barba frondosa, seus olhos pequenos, e perguntei o que era aquela cratera ali. Ele me respondeu:

  • “esse é o buraco da modernidade”

E com um guarda-chuva, puxou-me para dentro. Era um buraco sem fundo, e durante a queda eu olhava para as paredes do buraco e nelas vi, em projeção, todo o tipo de coisa horrorosa, vi a execução de Luís XVI, a humilhação de Maria Antonieta, vi os julgamentos de Moscou, vi Campos de Concentração, vi o Holodomor, a fome na China enquanto os hippies dançavam ao som de in a gadda da vida, vi a construção de Brasília, tudo em HD.

Eu virei pra o meu anfitrião e pedi para que parasse, e ele me mandou segurar numa raiz que saía da parede do buraco, foi como um estilingue, eu puxei na raiz e ela nos arremessou de volta para o topo da figueira, de onde víamos toda aquela terra desolada. Eu então perguntei para ele:

Por que tudo tão feio?
Ele respondeu: Um dia ficou proibido saber o que era ser bom;
Perguntei, então: E o que sobrou?
Ele me respondeu: Os bonzinhos.

Acordei com essa coisa estranha na cabeça, do belo versus o bonitinho, o bom versus o bonzinho, e senti que havia algo de errado que não estava lá muito certo nesse negócio de beleza.

As verdadeiras formas do belo

E quando se fala em beleza, o assunto termina tangenciando, as pessoas tendem a focar em duas formas.

A primeira é a beleza humana, aquela que muito confunde o homem ao longos dos séculos. A queda e os hormônios frequentemente deixam o homem à mercê de um comportamento bovino que confunde, embaça e desvirtua suas impressões, muitas vezes deixando de reconhecer belezas sublimes e apreciando as coisas mais baixas.

 A outra questão, está bem menos afetada pelos hormônios, mas não é menos confusa, por conta do nosso intelecto mal ordenado e pelas ideologias - a tal da beleza na arte.

Na arte, o belo participa de maneira dupla, emergindo das mais belas e variadas inspirações e emanando através de obras criadas pelos os homens, cuja beleza ganham vida própria.

Para nós, muitas vezes não é claro se a obra reflete a beleza de sua inspiração de maneira precisa. Nem sempre podemos saber se a inspiração era tão bela quanto a arte feita pelo artista, ou mesmo se a inspiração veio de uma beleza tão infinita e divina que o homem seria incapaz de representar algo tão belo de maneira completa.

É por esses e outros motivos que, embora consigamos mal e porcamente explicar porque algo é belo, como fazem os críticos, nenhum argumento é realmente capaz de "convencer alguém" a achar aquilo belo, e as melhores críticas terminam existindo como obras de arte em si mesmas.

A beleza na arte também nos permite contemplar e admirar as diversas virtudes humanas. 

Na era de ouro de Atenas, Aristides o Justo, foi representado e lembrado por seu caráter e liderança na obra de Heródoto, quando a história era arte e não uma mera fofoca velha de antropólogos bêbados no vinho da ideologia.

A beleza também pode evocar a presença de certos sentimentos, como a majestade da segunda sinfonia de Elgar, ou os sentimentos bucólicos de Ecofilia e a alegria hobbitesca de uma vida simples na natureza evocada por Beethoven na sua sexta sinfonia, que vai da alegria de chegar ao campo, passa uma cena no riacho, contempla a alegria de uma reunião de camponeses, passa por uma rápida e violenta tempestade e termina com uma linda canção de um pastor durante a calmaria.

A beleza também pode expressar aquilo que consideramos exemplar, pujante, atlético e vigoroso e sempre gerou admiração entre os homens. No mundo antigo podemos falar sobre os Atletas gregos que tiveram suas virtudes físicas retratadas por Polykleitos em suas esculturas.

E nos tempos atuais, não podemos deixar de lembrar de Renato, um exemplo do que consideramos o nosso ideal de virtudes estéticas, atléticas e intelectuais, ao longo dos séculos.

Um homem que nos remete a um período de beleza clássica, de formas esculturais, másculas, anatômicas e exuberantes. Uma beleza livre dessa maromba cheia de anabolizante e hormônio de cavalo que hoje vocês ficam fazendo para tentar parecer um Conan, mas terminam com o rosto esmilinguindo, o ouvido expurgando e o peitinho de mocinha.

Por sua beleza e seu ímpeto combatente, Renato foi celebrado através da música pelos embaixadores e escolásticos do samba, os Acadêmicos de Milton Friedman, no samba O Homem Mais Bonito Do Mundo, cuja letra dizia:

“Dizem que a beleza habita o mundo das ideias
De onde consola a vida dos mortais
Mas ao mais formoso, a beleza é a vitória e Belo é Renato
Vai lá e traz pra gente mais este campeonato”

Vejam só vocês, a canção fala sobre a beleza como algo que habita o mundo das ideias e que consola a vida dos mortais. Referências filosóficas, muito certas e muito verdadeiras.

A Beleza no Filosofia

Desde os tempos mais primórdios, quando os filósofos amavam mais a realidade do que a galhofa existencial suicida, o belo estava ali figurando entre os transcendentais do ser, junto à verdade e à bondade.

Para os antigos, como Platão e Plotino, o belo era um fim em si mesmo, um valor final, um absoluto - ou seja, razão suficiente para que busquemos alguma coisa, assim como buscar o que é verdadeiro e buscar o que é bom.

Obviamente, esses transcendentais estavam todos presentes na divindade, e não foi muito difícil para a cristandade perceber que isso era mais certo ainda e muito mais verdadeiro a respeito de Deus Pai, ato puro, criador do céu e da terra, ou seja, de tudo o que é verdadeiro e bom nesse mundo, como verificado pelo próprio criador ao tirar o sétimo dia para um divino descanso contemplativo.

Mas a realidade nossa, aquém da perfeição dos universais, tem seus limites e seus problemas, e embora a busca do bom e do verdadeiro sejam mais evidentemente justas e necessárias, uma análise sobre a tal beleza vai nos mostrar muita porcaria acontecendo por conta dessa busca.

Ninguém há de se esquecer da guerra sangrenta e bovina travada por conta de uma tal de Helena, onde pereceram tantos heróis nobres e valentes a cada vinda da aurora, com seus dedinhos cor-de-rosa.

Ou quem vai se esquecer da beleza de Capitu dos olhos de cigana, oblíqua e dissimulada, capaz de transformar um seminarista medíocre em um potencial assassino. Definitivamente há algo de traiçoeiro na busca da beleza, como vai provocar o filósofo ruivo dos dentes charmosamente imperfeitos Rogerinho Scruton.

A verdade é que a modernidade, que já largou a cruz e a filosofia para procurar divertimentos mais extravagantes como o dualismo de Descartes e consequentemente o bonde das poderosas, coloca-se essas perguntinhas bonitinhas mas ordinárias oriundas do poço de argumentos injustos do capeta para algo com que nossos medievais não perderiam muito tempo, afinal, viver e a busca da santidade eram uma e a mesma coisa.

Um rostinho bonito é a expressão de uma perfeição, maravilha, mas um rostinho bonito movido por um caráter malévolo gera vários problemas como foi o caso de Annatar, o nosso famoso Sauron, que uma vez foi muito belo e formoso e saiu distribuindo presentes poderosos e maravilhosos por toda a terra média, até que se deixou ser capturado pelos numenorianos e de dentro do cárcere seduziu o reino quase inteiro e fundou a primeira maçonaria da terra média, deixando apenas Elendil, seu filho Isildur e um pequeno grupo de gente normal que teve que fugir dessa loucura gnóstica que transformou a ilha de Numenor em uma noite na Augusta.

O mal, longe de ser um ente, é uma falta, e um grande mal pode ser apenas aquela mentirinha ali escondida no meio de um monte de perfeições, algo que é especialmente verdadeiro a respeito das discussões que se travaram na modernidade com o projeto iluminista e a tal ESTÉTICA, que dizem ter sido utilizada pela primeira vez pelo Alexander Baumgarten, mas acerca da qual o inquérito já datava pelo menos desde o terceiro Earl de Shaftesbury, discípulo de Locke.

Como a própria palavra sugere, a estética coloca uma ênfase muito grande nas sensações do observador e sugere a busca de uma tal de arte pela arte, um tal interesse desinteressado oriundo da razão, essa ênfase, associada a uma suspeita sinistra e velada de uma certa malignidade do mundo material, trará coisas como:

"A beleza está nos olhos de quem vê"

Isto submeterá a tal estética como disciplina filosófica aos diversos sistemas que explodiram em abundância pela terra após o século XVIII, como o projeto Kantiano, que achava que essa busca desinteressada levaria o homem, através da razão, ao tal imperativo categórico, e a partir daí que se concretiza essa separação entre belas artes e artes utilitárias - essas são apenas as primeiras conseqüências de um mundo que resolveu fazer da heresia uma nova ortodoxia.

Já Rogerinho Scruton escreveu um livro com muitas folhas, onde debateu exaustivamente sobre o que seria o belo.

Ele demonstrou um espírito muito gentil e aprazível em sua obra, sem buscar definir o que a beleza é, pois isso seria muito pouco britânico - ele nos mostra, à moda dos iluministas, que a experiência do belo possui fundamentos racionais e existe como uma fonte de um conforto para nós.

A beleza é uma prerrogativa dos seres racionais. O belo se apresenta para nós e devemos, como fez Gracyanne, trazê-lo para o centro das nossas vidas. A recompensa por esta atitude é receber o consolo e o alento que o belo pode trazer para as nossas vidas, evitando, se possível, as batidas da polícia e o envolvimento com o tráfico de drogas.

“Eu quebro padrões!”, calma, meu filho, você e uma trupe enorme fazem isso…

Quem nega este significado da beleza, e que acredita numa completa subjetividade de um juízo de gosto, ou que acredita que o ser humano tem necessidades meramente funcionais e sensoriais, que apareça e afirme que não há dificuldade e desconforto algum em se viver nas nossas grandes cidades, cheias de viadutos, que é só uma questão de mindset, e explique que não há nenhuma desconsolo nos locais mais abandonados, onde há menos meios de ação para cuidarmos do que é belo.

Em qualquer cidade do Brasil, o cara não consegue olhar para o céu, sem ver um monte de fio passando de um lado para o outro, cheio de sujeira no chão.

Mas isso não significa que a beleza seja um sinônimo de ordem. Nem tudo que é belo é ordenado e nem tudo que é ordenado é belo, ou você acha bonito o corredor de um supermercado, com suas pilhas de saco de ração de cachorro no supermercado?

Nem mesmo o açougue de um supermercado, que oferece algo muito mais agradável para o nosso paladar, costuma ser belo, embora possa ser estéticamente agradável.

As montanhas, as lagoas e as florestas são belas, apesar de nascerem de forma tão espontânea. A natureza tem presença em si mesma e é reconfortante para nós. Como bem disse o poeta e filósofo Tim maia, “Uh, uh, uh, que beleza, que beleza é sentir a natureza.” 

Hoje a gente vive nestas cidades horrorosas, moldadas e justificadas por intelectuais e arquitetos escrotos que consideram o belo apenas uma ideia burguesa, infeliz e injustificável.

Se existe algo que tem uma beleza tão subjetiva ao ponto de absolutamente ninguém achar aquilo bonito, é por que não me parece que isso é lá tão subjetivo, isso é objetivamente algo feio, tosco e ruim.

A questão aqui não é negar que a beleza apele aos nossos sentidos e que, consequentemente, exista um certo grau de subjetividade. Mas existe também uma universalidade que é inegável, me mostre uma cultura que não tenha suas grandes obras, que não preste atenção em proporções, harmonia, ou que não tenha um lugar de reverência para o que é sagrado e elevado.

Um subjetivismo radical e mequetrefe vêm alçado uma vara de suínos arteiros fanfarrões ao status de artistas. Por décadas e décadas o debate sobre o Belo virou uma conversa pastiche de comadres em que ninguém pode afirmar nada sob a pena de parecer que não entendeu o que não há para ser entendido.

A pessoa então sai a mentir por aí sobre o que pensa apenas para agradar alguns colegas. Veja só a celebs. Muitas celebridades por aí concordam com todo o discurso de que a existência do belo é apenas uma subjetividade, mas você tenta avaliar a subjetividade da estrela e as suas escolhas são bastante parecidas com o que a maioria considera agradável.

Falam muito, mas na prática, o que buscam é uma princesinha da Disney, uma mocinha voluptuosa, ou a beleza de um sorriso bem cuidado - tudo isso, sempre acompanhado de uma casa com aquele design arrojado e brega, aquele estilo alphaville/miami/tigre, com vidro fumê, a picanha na pedra do design brasileiro, como já bem frisou Ed Motta, autor da célebre frase “pip to be, bara bim bom bum”.

Eles gostam de uma cozinha elegantemente estéril, de onde você espera que saia a metanfetamina do Walter White, mas jamais um leitãozinho à pururuca feito com amor - gostam de um luxo de piscina e, por que não, um jardim do tamanho de uma floresta, com aquela grama de campo de golf, repleto de palmeiras e helicônias exóticas cuidadosamente escolhidas por uma empresa de paisagismo, onde eles possam contemplar o voo das gaivotas por uma natureza sem natura.

Nas coisas que lhes cabem, não vejo sinais de desconstrução sobre o que é belo, mas sim uma padronização mecanizada e convencional, que transforma essa busca por um consolo tão comum a nós todos em uma mera busca por uma certa conformidade, uma sertralina, um zolpidem, o bom pelo bonzinho, como diria o Dostoiévski do meu sonho.

Essa performance sobre desconstrução fica para dar aquela paletada crítica no Twitter, ou para lançar um voleio com twist carpado na entrevista do Roda Viva. Em casa somos padrão. Padrão ao ponto de ser cafona. 

Então, não me venha você me dizer você que você foge dos padrões, você, porque não apenas você, mas o teu gosto, você, é padrão, você: a tua vida é padrão, a tua namorada é padrão, a tua existência é padrão e mais que tudo, as tuas opiniões são padrões.

Ou seja, tudo isso não passa de uma sinalização de virtude mequetrefe para agradar uma multidão de pomadistas.

Aliás, existir para sinalizar virtudes é a definição do que é ser esquerdista hoje. Tipo um youtuber aí, gado d+, sempre com uma namoradinha ruivinha e novinha. Isto ilustra bem como são esses simplícios, que se mostram sempre como rapeizes desconstruídes, jovens prodígios de trinta e poucos anos, membros honorários da tribo dos tupinambás, mas são extremamente convencionais em seus apetites.

Ou os Rockefeller, que financiam toda espécie de progressismo identitário que busca transformar o homem em um trans papagaio neon de pronomes extravagantes, mas vai ver a família dos caras e é uma verdadeira festa no Overlook Hotel, fantasmas das tradições passadas aterrorizando as famílias do presente com um festival de bigodagens.

E falando em bigodagem, é hora do nosso troféu bigodagem.

Troféu Bigodagem

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O nosso Troféu Bigodagem de hoje vai para ninguém menos que Marcelinho Duchamp, popularmente conhecido como o cara do penico.

Nascido na Normandia, Duchamp cresceu em uma família cult, dedicada às mais diversas atividades culturais. Seu avô era pintor e o artista arteiro cresceu rodeado de obras de arte, lendo bons livros, tomando um bom café, jogando xadrez e sentindo o cheiro da terra molhada, praticamente um "era uma vez" de rapariga espiritual no instagram, em um dia nublado, em São Paulo.

Menino Charlinho, Duchamp foi um bom aluno, não no geral, mas especificamente em matemática e em desenho, e após ganhar o primeiro lugar numa competição, o nosso menino resolveu ingressar nas artes, onde flertou com estilos pós impressionistas como o simbolismo de Odilon.

Na academia Julian, Marcel comportava-se como o típico estudante de Engenharia da UFPE, passava o dia na área dois jogando sinuca, mas nas horas vagas trabalhava como cartunista. A galhofa certamente corria nas veias do nosso menino.

Com um toque de nepotismo, o irmão de Marcelinho, Jacques, que era membro da Académie royale de peinture et de sculpture, Duchamp descolou uma exposição de seu trabalho no famoso Salão do Outono, a Augusta Gaulesa, uma resposta alternativa e badabauê ao prestigioso Salão de Paris.

Após isso, sob influência de um protoCubismo, Duchamp pintou os seus Nus como o Jovem triste no trem, uma obra que mais parece um furico com cãimbra.

Brincadeira, existe um hábito conservador de desdenhar de tudo o que é moderno, mas a verdade é que dá para ver que existe algum talento aqui. Os modernos do início do século XX tinham muito claro que para transgredir era necessário conquistar, conquistar uma técnica, uma disciplina, conquistar um certo lugar de dignidade para que a transgressão possa ter uma espécie de legitimidade.

Acontece que quando a transgressão transgride o suficiente, a Janela de Overton vai se movendo para a esquerda, é o que acontece na nossa época de Pablo Vitar, onde a heteronormatividade do "ela faz a cobra subir" do É o Tchan, pode ser considerado reacionário e conservador, junto à banheira do gugu e o chuveirão do sabadão sertanejo, símbolos da extrema-direita micareteira do nosso país.

Pois bem, levado pelas ideias de Max Stirner, que nos leva por uma viagem dialética e utilitária em direção a uma arte focada no próprio umbigo, Duchamp vai pintar o Grande Vidro, ou A noiva despida por seus Celibatários, algo que sempre me fez temer pela vida amorosa do cara, essa egotrip desvairada, influenciada por um interesse em matemática e física, especialmente poincaré, tudo isso vai terminar levando nosso Duchamp a meter o louco mais sinistro da história da arte: o Dadaísmo.

Essa corrente que vai fazer o modernismo parecer ultraconservador, com obras como o raque de secar garrafas, que mais parece a torre de Sauron, o bigode na Mona Lisa, prenúncio da bigodagem pós-moderna que estava por vir, e a famosa fonte, quando o cara meteu o louco de colocar um penico assinado em uma exposição.

Arte? Embuste? Uma provocação? Isso é o que acontece quando a ideia de arte pela arte vai longe demais e termina dando a volta para devorar a si mesma.

Mais tarde, Duchamp deixou a arte, se é que ele realmente participou dela, mas é inegável que desde duchamp, a ideia de ready mades se espalhou pela terra desolada, infestou os museus e exposições do mundo inteiro, influenciou bandas de roque, até chegarmos na tiazinha que faxinava a instalação e varreu o lixo que ela não percebeu que se tratava de uma "obra de arte".

À faxineira que varreu o lixo do museu, um troféu Carlos Magno por ser uma última centelha de sanidade no Ocidente.

À Marcel Duchamp, que não está mais aqui para responder pelas consequências do louco que meteu, o nosso Troféu Bigodagem.