Terra de Santa Cruz — Conheça a história do Catolicismo no Brasil
Para entender a história do Catolicismo no Brasil é necessário aprofundar em vários episódios: da vinda dos padres jesuítas à ação dos leigos no século XX.
A história do catolicismo no Brasil começa com a chegada dos portugueses.A expedição de Pedro Álvares Cabral carregava no mastro das caravelas a cruz da Ordem de Cristo, estampada em vermelho nas velas brancas.
Uma das motivações das navegações portuguesas foi o espírito missionário. Em especial, os jesuítas e os franciscanos viajavam por vários lugares do mundo chamando os povos à conversão.
Com os indígenas encontrados na América não foi diferente.
O catolicismo no Brasil se inicia no empreendimento de Cabral. Sua expedição partiu após a benção do Rei Dom Manuel e sob as preces da população portuguesa. 200 homens zarparam rumo ao novo mundo, dentre os quais 7 eram frades franciscanos missionários e 9 eram sacerdotes.
Uma das motivações da viagem era a missão apostólica de batizar os povos e anunciar o evangelho a todos.
O primeiro monte avistado nas terras brasileiras foi denominado “Pascoal”, em referência à Páscoa de Jesus. Com a terra não foi diferente. Acreditavam ter descoberto uma ilha e a batizaram de Vera Cruz. Quando descobriram que na verdade estavam em terra continental, batizaram-na de Terra de Santa Cruz.
É comum que a história da chegada dos portugueses se resuma apenas a uma intenção mercantilista. Mas os documentos da época relatam mais do que uma simples busca por especiarias e matéria prima.
“Até agora, não pudemos saber se há ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro. Porém, o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar”. (Carta de descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha).
Como foi a colonização do Brasil? Curiosamente, a maioria das escolas não conta dessa forma.
O catolicismo no Brasil tem em um de seus marcos o fato de que os navegadores celebraram uma Missa logo que pisaram no novo continente.
A Primeira Missa celebrada no Brasil
A celebração da Missa em ação de graças pelo sucesso da viagem, a primeira celebrada no Brasil, foi feita pelo Frei Henrique de Coimbra. Os documentos da época contam que os portugueses celebraram a liturgia junto aos índios no litoral brasileiro.
Portugueses e indígenas ainda não sabiam a língua um do outro e mal entendiam o que se passava. Culturas diferentes chocavam-se naquele momento. Isso, porém, não os impediu de instalar um altar e ali rezar a Missa.
Os navegadores relatam que os índios admiraram todo o processo com certo espanto e curiosidade. Alguns nativos até se ajoelharam e imitaram os gestos dos navegadores.
Depois da segunda Missa celebrada em solo brasileiro, instalaram um grande crucifixo simbolizando a salvação que vem de Cristo.
Este foi o batismo das terras brasileiras. Após a primeira Missa, foram necessários vários sacrifícios para expandir a fé em um território inóspito.
As Missões Evangelizadoras
Sete frades franciscanos foram os responsáveis designados para expandir a fé católica no Brasil. A missão era árdua. O território era uma grande mata desconhecida, os nativos indígenas não falavam o português e alguns praticavam o canibalismo.
A antropofagia, comer carne humana, é considerada uma prática tradicional indígena. Alguns argumentam que isso deve ser respeitado. Outra prática que atenta contra as vidas é a do infanticídio, que algumas tribos praticam ainda hoje.
Foram os franciscanos os primeiros mártires da fé no Brasil. Alguns religiosos derramaram o próprio sangue nessas missões evangelizadoras.
O primeiro templo do catolicismo no Brasil também foi erguido pelos frades. A igreja foi erigida onde hoje é Porto Seguro e recebeu o nome de Igreja de São Francisco de Assis do Outeiro da Glória, construída no ano de 1503.
Os franciscanos foram os primeiros responsáveis por ministrar os sacramentos e cuidar da vida religiosa católica no Brasil. Todavia, o grande triunfo missionário veio com os padres da Companhia de Jesus.
Igreja construída pelos Jesuítas nos Sete Povos das Missões.
A importante obra missionária dos Jesuítas
Em 1549, os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil com o primeiro governador-geral da colônia, Tomé de Sousa. Eles eram liderados pelo padre Manuel da Nóbrega e tinham como principal missão a cristianização dos nativos e zelar pela Igreja instalada no Brasil colonial.
Os capítulos dos jesuítas na história do catolicismo no Brasil foram páginas de grande heroísmo e progresso para a nascente nação brasileira.
Além de conviver com os colonos em suas vilas, os jesuítas foram construindo as chamadas missões em territórios indígenas, aldeamentos onde viviam o cotidiano com os índios.
Parte da vocação dos jesuítas está dedicada ao ensino. Saiba mais sobre a ordem fundada por Santo Inácio de Loyola.
Logo de início, enfrentaram o problema da linguagem, uma vez que os religiosos não sabiam falar o tupi.
O Padre José de Anchieta escreveu “A Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil”, que é considerada a primeira gramática da língua tupi.
Graças às pesquisas de Anchieta, surgiu a língua geral, que foi um idioma que misturava o português com o tupi. Esse idioma chegou a ser a língua mais falada no litoral brasileiro.
Além disso, os jesuítas tiveram um importante papel educacional no Brasil, pois, além da catequese que ministravam aos nativos, educavam também os filhos dos colonos.
Para que isso fosse possível, esses padres criaram colégios em diversas partes do Brasil, como aconteceu na cidade de Salvador e em São Paulo de Piratininga.
Outra importante função deles no Brasil foi a proteção dos povos indígenas. Boa parte dos colonos consideravam os indígenas seres inferiores, sem alma e, portanto, passíveis de serem escravizados.
Os jesuítas se opuseram a isso, protegendo os índios, civilizando-os e ministrando a catequese.
A ação dos jesuítas em proteger os nativos da escravização levou a Coroa a determinar leis que permitissem a escravização dos indígenas somente em casos de “guerra justa”, ou seja, quando os nativos atacavam algum português.
Por causa das leis que conquistaram, os jesuítas foram diversas vezes atacados e mortos em suas missões entre os séculos XVI e XVII.
A Companhia de Jesus sofreu também com a perseguição promovida pelo Marquês de Pombal. O primeiro-ministro odiava a obra promovida pelos padres e desejava ver suas conquistas desfeitas.
Por isso, proibiu a presença dos jesuítas em qualquer território português. Os que se negassem a sair eram presos e até condenados à morte.
O catolicismo no Brasil e toda a colônia foram afetados drasticamente por essa medida. As principais consequências da expulsão dos jesuítas foram:
a inexistência de um sistema escolar no Brasil por 80 anos;
a interrupção das missões que levavam a evangelização e a civilização aos índios;
a volta da escravidão dos indígenas com a criação do diretório dos índios;
a morte de diversos sacerdotes que se negaram a obedecer às ordens do marquês.
Embora esses grupos fossem perseguidos com violência e intolerância, a resposta dada foi diferente.
A Santa Casa de Saúde e as obras de caridade
Um dos grandes destaques do catolicismo no Brasil foi a propagação das obras de misericórdia e a criação de instituições destinadas a esse fim:
dar de comer a quem tem fome;
dar de beber a quem tem sede;
dar pousada aos peregrinos;
vestir os nus;
visitar os enfermos;
visitar os presos;
enterrar os mortos.
Foram criadas casas de misericórdia, orfanatos, irmandades, hospitais, asilos para auxiliar aos pobres em suas necessidades.
Esse trabalho da Igreja só foi possível por conta da disponibilidade de alguns cristãos em atender os mais necessitados. A ajuda material vinha daqueles que se dispunham a doar para essas causas.
O hospital Santa Casa de Saúde, por exemplo, é uma instituição de caridade que merece destaque. Sua fundação é incerta, pois desde 1545 existem relatos de que ela já operava.
O cuidado com a saúde, o acolhimento e a educação dos órfãos, todos estes serviços eram feitos pela Santa Casa. Por anos ela foi a única instituição oficial de saúde nas terras brasileiras.
O trabalho das ordens religiosas alicerçou as bases necessárias para a edificação da obra do catolicismo no Brasil. Mas o período monárquico que se seguiu foi de tribulação.
Período Monárquico
Para entender o catolicismo no Brasil no período monárquico, é necessário compreender o conceito jurídico de padroado. O padroado é o direito concedido pelos papas aos reis de Portugal de administrar os assuntos religiosos nas terras além-mar.
Este direito começou a ser concedido no século XV quando Portugal começou a expansão ultramarina. Como a expressão indica, trata-se de uma proteção, tutela ou apadrinhamento voltado para as questões eclesiásticas.
Entenda todo o conceito jurídico que fundamenta a questão do padroado.
Os reis são investidos de poderes para cuidar e administrar a Igreja, suas obras e membros nos próprios territórios além-mar, organizando e sustentando tudo o que a ela se relacione.
O motivador da criação desse sistema é a falta de recursos da Igreja para sustentar a obra evangelizadora.
Assim, a Igreja confia ao rei o patrocínio e o sustento de sua ação. Há um compromisso entre o Estado e a Santa Sé de propagar a fé cristã e consolidar a Igreja.
Inicialmente, o padroado previa que o rei poderia arrecadar dízimos e com eles sustentar as necessidades materiais da Igreja, organizar comunidades religiosas construindo Igrejas, enviando missionários e sustentando tais empreendimentos.
Porém, fazendo mau uso das premissas do padroado, os reis portugueses e imperadores brasileiros muitas vezes se intrometeram em assuntos eclesiais que não lhes competiam, praticando o regalismo.
As atribuições dos imperadores em assuntos eclesiásticos eram apenas três, as quais foram mencionadas na seção anterior. Contudo, valendo-se do padroado, os imperadores desempenhavam as seguintes funções:
criar dioceses;
nomear padres;
nomear bispos;
criar bispados;
recolher dízimos;
sustentar os padres, missionários e ordens;
construir igrejas e outros edifícios necessários à obra social católica;
aprovar ou recusar a aplicação de bulas papais nos territórios portugueses;
aprovar ou recusar nomeações de padres, bispos ou párocos, vindas de Roma;
autorizar ou proibir a vinda de uma ordem religiosa para o território colonial;
autorizar ou proibir a profissão dos votos religiosos de um membro de uma ordem;
controlar o número de membros de uma ordem em território português;
conduzir investigações do Tribunal Eclesiástico.
A intervenção do Estado na Igreja era forte. Em 1532, a situação se intensificou. Foi criada a Mesa da Consciência e Ordens, uma espécie de escritório burocrático para assuntos do catolicismo no Brasil e nas terras além mar.
Assim, as atribuições que o rei tinha para si nos assuntos eclesiásticos foram sendo compartilhadas com os outros membros da Mesa, que exerciam esse poder em suas províncias.
A intromissão do Estado na Igreja foi tão grande que passou a engessar a ação da Igreja católica no Brasil.
Além dos excessos já listados, o padroado passou:
a determinar o número de celebrações de missas nas paróquias;
a limitar o número de confrarias nas igrejas a uma confraria;
a determinar quantas velas o altar deve ter.
O regalismo chegou a submeter padres ao serviço do Estado.
Sacerdotes funcionários públicos?
No Império brasileiro foi decretada uma lei pela Câmara dos Deputados que dispensava alguns sacerdotes do ofício religioso. Para receber a dispensa, eles deveriam desempenhar alguma função política ou burocrática dentro do Império.
Basicamente, os padres que exercessem cargos públicos recebiam a dispensa. Os cargos envolviam questões burocráticas, tais como:
emissão e registro de certidão de nascimento;
emissão e registro de certidão de matrimônio;
emissão e registro de certidão de óbito;
censo demográfico da população.
Na época não havia certidões de nascimento ou carteiras de identidade. Os cidadãos eram identificados a partir de documentos gerados pelos sacramentos que recebiam na Igreja: batismo, crisma e unção dos enfermos.
Alguns padres eram transformados em funcionários públicos para administrar a emissão desses documentos.
O regalismo evidencia um período em que o Estado brasileiro usou a Igreja para atender aos seus interesses. A relação não foi boa para nenhuma das partes.
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Enfraquecimento das ordens religiosas
Capuchinhos, beneditinos, franciscanos, carmelitas, jesuítas... diversas ordens se instalaram no Brasil e expandiram o número de vocações para a vida religiosa. Elas foram se instalando à medida que o catolicismo no Brasil foi se consolidando.
Porém, no período monárquico as ordens tiveram um momento de grande enfraquecimento.
Em 1828, foi apresentado à Câmara dos Deputados do Império um projeto que:
proibia a admissão e residência no Império a frades ou congregações estrangeiras;
prescrevia aos monges que desrespeitassem a proibição serem presos e expulsos do Brasil;
proibia a criação de novas ordens ou corporações religiosas;
prescrevia a expulsão de frades ou congregados que obedecessem a superiores estrangeiros;
prescrevia prisão ou banimento do Império para quem desrespeitasse quaisquer destas regras.
Em 1832, às ordens foram obrigadas a pagar imposto sob as suas posses no Império. Pouco a pouco a vida religiosa no Brasil foi perdendo forças.
Mas um bispo brasileiro levantou a voz contra as ingerências do Estado na religião. Este ato mudou os rumos do catolicismo no Brasil.
A Questão Religiosa
Foto de Dom Vital, bispo de Olinda que enfrentou Dom Pedro II.
De acordo com a Constituição de 1824, o catolicismo era a religião oficial do Império. Havia duas formas previstas da relação Estado-Igreja:
Beneplácito: o imperador aceitava ou não o conteúdo promulgado pelos papas nas bulas oficiais;
Padroado: o Estado tinha a responsabilidade de gerir a Igreja.
Como descrito, o imperador tinha o poder de sancionar ou não as bulas papais. Justamente em uma dessas bulas, o Papa Pio IX proibiu o casamento de católicos e maçons. D. Pedro II não aceitou.
Quando o fez, não esperava que enfrentaria a oposição do Bispo de Olinda, Dom Vital. Ele recusou-se a fazer um casamento entre um católico e um maçom, e isto foi um escândalo.
Em 1873, Dom Vital escreveu uma carta pastoral negando a legitimidade do beneplácito. Por causa disso, incorreu em dois crimes:
recorrer a uma entidade estrangeira, o papa;
desobedecer às ordens do imperador.
D. Pedro II mandou prender Dom Vital, submetendo-o a trabalhos forçados. Por esta razão, os fiéis começaram a se voltar contra o imperador. Este foi um dos fatores que levaram à queda da monarquia no Brasil e, consequentemente, ao fim do Segundo Reinado.
O conflito foi tão grande que o primeiro-ministro teve que ser substituído. O escolhido foi Duque de Caxias, cuja condição para aceitar o cargo foi que os bispos tivessem anistia incondicional.
Eles foram libertados e desculpados, mas o descontentamento já havia sido criado.
Somente com a queda da monarquia e o advento da República que a Igreja Católica recuperou a liberdade para propagar sua obra.
Período republicano
A queda da monarquia marca o início do período republicano e uma era de liberdade para a Igreja Católica no Brasil. Neste momento, o Estado rompe os laços com a Igreja e deixa de tê-la como religião oficial.
Apesar da liberdade maior que a Igreja adquiriu, o projeto republicano promoveu a secularização da sociedade e de sua cultura.
A liberdade da Igreja — separação entre Estado e Igreja
No dia 7 de janeiro de 1890, o governo provisório publicou um decreto que promoveu a separação da Igreja e do Estado. O decreto previa:
a proibição do governo federal de criar leis, regulamentos ou promover atos administrativos sobre religião;
o direito à liberdade religiosa, sem qualquer obstáculo ao culto público e privado;
o fim do direito de padroado ao Estado brasileiro e de todas as suas instituições, recursos e prerrogativas;
a criação da personalidade jurídica para todas as Igrejas e comunhões religiosas para que possuam domínio de seus bens.
Em março de 1890, assim reagiram os bispos brasileiros às mudanças promovidas:
“Se no decreto há cláusulas que podem facilmente abrir a porta a restrições odiosas desta liberdade (a eclesiástica), é preciso reconhecer que, tal qual está redigido, o decreto assegura à Igreja Católica no Brasil uma certa soma de liberdade que jamais logrou no tempo da monarquia”.
O catolicismo no Brasil não estava mais de mãos atadas pelo Estado. Agora seus membros eram livres para promover a obra evangelizadora.