Leonardo Boff: o teólogo que desafiou a hierarquia
Nascido em 1938 em Concórdia, Santa Catarina, Leonardo Boff cresceu em uma família humilde e ingressou na Ordem Franciscana aos 21 anos. Ordenado padre em 1964, ele se tornou um dos pioneiros da Teologia da Libertação no Brasil.
Uma de suas principais influências era a Conferência de Medellín de 1968. Para eles, a Igreja deveria priorizar a "opção preferencial pelos pobres". Segundo Moral Majorities across the Americas, a conferência usava termos marxistas e dava direcionamentos que poderiam ser interpretados como afirmação do movimento revolucionário.
Boff passou a defender perspectivas socialistas abertamente, escrevendo sobre:
- fim da hierarquia;
- relativização da doutrina perene cristã;
- uso da instituição como movimento anticapitalista.
A incorporação de conceitos como luta de classes em suas análises teológicas causou escândalo entre a hierarquia da Igreja.
O livro Igreja: Carisma e Poder (1981), que critica a hierarquia eclesial como opressora, foi o ponto central para que ele fosse punido.
João Paulo II, eleito Papa em 1978, trouxe para o Vaticano uma perspectiva moldada pela experiência de resistir ao comunismo na Polônia.
Para ele, o marxismo não era apenas uma ferramenta analítica, mas uma ideologia "que perverte o cristianismo", como afirmou o documento Libertatis Nuntius (1984), publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé sob a liderança do cardeal Joseph Ratzinger.
O papa via na Teologia da Libertação, especialmente em sua vertente marxista, uma distorção perigosa que substituía a salvação em Cristo por uma utopia política.
Em 1984, a Congregação para a Doutrina da Fé convocou Boff a Roma para esclarecimentos sobre Igreja: Carisma e Poder.
O teólogo brasileiro enfrentou um interrogatório conduzido por Ratzinger, que questionou sua visão da Igreja como "instituição opressora" e sua relativização da autoridade papal.
Boff defendeu-se, argumentando que sua teologia era fiel ao espírito de Medellín e ao Evangelho, mas a Igreja manteve o que ensina ser a doutrina de Cristo:
- Primazia do Papa de acordo com Mt 16,17:
- Hierarquia, baseada na escolha e ministério específico dos Apóstolos:
- e demais doutrinas registradas pelos Pais da Igreja.
Em maio de 1985, a Congregação emitiu uma notificação formal, acusando o livro de promover ideias "incompatíveis com a fé católica" e de desrespeitar a estrutura hierárquica da Igreja.
Como punição, Boff foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" – uma pena canônica que o proibia de publicar, ensinar ou falar publicamente sobre teologia.
Boff acatou o silêncio, mas a tensão continuou. Em 1991, após nova advertência por suas publicações, ele foi novamente convocado a Roma.
Desta vez, o cardeal Sebastiano Baggio sugeriu que ele se retirasse para conventos nas Filipinas ou na Coréia, onde deveria manter o silêncio.
Sentindo-se encurralado, Boff tomou uma decisão radical: em 1992, renunciou à ordem franciscana e ao sacerdócio, alegando que a "estrutura autoritária" da Igreja era incompatível com sua visão de fé.
Boff passou a militar por causas ambientalistas e em prol das ações do Partido dos Trabalhadores.
Dom Pedro Casaldáliga: o bispo socialista
Pedro Casaldáliga, nascido em 1928 na Catalunha, Espanha, chegou ao Brasil em 1968 como missionário claretiano. Naturalizado brasileiro, ele se instalou em São Félix do Araguaia, Mato Grosso, uma região de conflitos agrários e violência contra indígenas e camponeses.
Ordenado bispo em 1971, Casaldáliga se tornou um ícone do progressismo católico, vivendo entre os pobres e defendendo reformas sociais radicais.
Sua defesa explícita do marxismo veio através de sua adesão à Teologia da Libertação, onde ele via o socialismo "tingido de comunismo" como uma forma de justiça evangélica.
Em poemas e declarações, ele criticava o capitalismo como opressor e defendia a luta dos oprimidos, influenciado por análises marxistas de classe e imperialismo.
Ele apoiava comunidades eclesiais de base (CEBs) como espaços de resistência política, alinhando-se a um progressismo que mesclava fé com ativismo social, mostra o livro Moral Majorities across the Americas.
João Paulo II, preocupado com o que via como politização da Igreja, agiu nos anos 1980. Segundo o próprio Pedro relatou em entrevista à Folha de São Paulo, ele foi convocado ao Vaticano em um interrogatório para esclarecer suas posições e receber correções.
Após longas inquisições por parte do cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, e mais dois cardeais, ele foi recebido por João Paulo II em uma audiência de 15 minutos. O Papa reconheceu os problemas sociais no Brasil e pediu ao Bispo para focar na unidade da Igreja.
Segundo reportagem da Folha de São Paulo, Casaldáliga foi punido com o silêncio obsequioso, devido a:
- declarações favoráveis à reforma agrária;
- alteração da Missa em prol de suas causas políticas;
- viagens a países e contato próximo com revolucionários violentos de países como Nicarágua, El Salvador e outros países da América Latina que, na época, eram tidos como politicamente radicalizados.
- desrespeito público à norma canônica das visitas ad limina, visita periódica dos bispos a Roma para alinhamentos com o papa.
Pedro continuou sua militância comunista, chegando a escrever a carta Declaração de amor à Revolução Total de Cuba.
Em 2004, o anúncio apostólico sugeriu que ele deixasse sua diocese para evitar constrangimentos ao novo bispo.
Ivone Gebara: a freira abertamente feminista condenada pelo Vaticano