Violência, extermínio e submissão. Ainda hoje vigora a narrativa de que o primeiro contato entre portugueses e indígenas foi assim. Será que essa narrativa está realmente alinhada a todos os fatos?
Os índios nunca tinham visto pessoas como aquelas e com tais roupas. Nunca tinham visto tantos utensílios nem animais diferentes. Por outro lado, os portugueses tiveram uma primeira reação inesperada.
O primeiro contato entre portugueses e índios foi marcado pelo espanto diante do novo, do diferente. Inicialmente, não houve violência, mas sim um contato amistoso e movido por boa disposição.
Os próprios índios, ao avistarem as caravelas no mar, algo completamente novo, tomaram suas embarcações e navegaram ao encontro dessa novidade. Os portugueses se depararam com um povo completamente diferente, que trajava poucas roupas e falava uma língua estranha.
Não foi a violência da dominação portuguesa, nem a agressividade do indígena. A curiosidade foi a marca deste evento. Os diferentes povos buscaram maneiras de se comunicar e se fazer entender.
Em 22 de abril de 1500, a frota de Pedro Álvares Cabral aportou na Bahia, em um local ocupado pelas tribos Tupi-Guarani. Esse fato foi importante e singular. Pois nessa região, as tribos tinham um caráter menos violento, facilitando a primeira conversa entre portugueses e índios.
A história seria outra se os portugueses tivessem desembarcado perto de tribos como a dos Aimorés ou dos Botocudos, conhecidos pela violência e instinto guerreiro.
No encontro, os índios se interessaram pelos adornos e trajes portugueses, seus pingentes de ouro e rosários pendurados no pescoço. Muitos trocaram cocares por esses objetos.
Devido à recepção amigável e à curiosidade face a uma nova cultura, o olhar atento e interessado estava presente nos dois lados, tanto portugueses, como indígenas.
Dois animais que foram trazidos pelos portugueses despertaram a curiosidade dos indígenas: o cachorro e a galinha. Nenhum deles era uma espécie encontrada no território sul americano.
Pero Vaz de Caminha relata a cômica cena de índios fugindo de uma pequena galinha. Os índios igualmente ofereceram objetos raros na troca, como penas de araras, que adornavam o cocar de membros mais imponentes da tribo.
Outros objetos portugueses foram oferecidos: machados, facões e espelhos. Em troca, os índios entregaram o Pau-Brasil, árvore que atendeu uma grande demanda financeira dos europeus.
Portugal foi pioneiro nas Grandes Navegações europeias do século XV. Os principais fatores que explicam seu pioneirismo são:
Em 1415, Portugal empreendeu sua primeira grande navegação no Oceano, alcançando a ilha de Ceuta, no norte da África. O desejo português era encontrar uma nova rota para o oriente, já que o Império Otomano havia fechado as portas do comércio oriental para a Europa.
Era necessário atravessar todo o contorno do continente africano, o chamado Périplo Africano, para se alcançar a Ásia.
Porém, o caminho não era tão simples. Na parte sul da África havia uma corrente marítima que afundava qualquer caravela que tentasse atravessá-la: o Cabo das Tormentas.
Somente em 1488, Portugal conseguiu atravessar o Cabo e alcançar a Ásia. A frota de Bartolomeu Dias protagonizou esse grande feito. E assim o Cabo das Tormentas passou a ser o Cabo da Boa Esperança.
Enquanto Portugal enfrentava o contorno da África, a Espanha também entrou na corrida marítima. Em 1492, a frota de Cristóvão Colombo descobriu o novo continente.
A grande teoria que explica a travessia portuguesa é a de que os navegantes utilizaram da circum-navegação. Ao invés de traçar a rota em linha reta, a embarcação descrevia círculos para alcançar seu destino.
Alguns historiadores supõem que, na circum-navegação da África, os navegadores podem ter avistado terra a oeste, quando esperavam avistá-la somente a leste.
Portugal e Espanha disputavam os domínios ultramarinos.
Para evitar confrontos, os dois reinos optaram por firmar um acordo de divisão dos territórios além-mar. Com a mediação do Papa Alexandre VI na Bula Inter Caetera, dividiram o mundo em duas partes: o leste para Portugal e o oeste para a Espanha.
O traço firmado na divisão de 1493 estava a 100 léguas da ilha de Cabo Verde. Mas Portugal, sabendo da possibilidade de terras a oeste da África no Hemisfério Sul, elaborou um novo tratado com a Espanha: o famoso Tratado de Tordesilhas.
Assim, a divisória passaria a 372 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde. O que foi o suficiente para Portugal ter direito à posse do litoral brasileiro.
No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral, Grão-Mestre da Ordem de Cristo, conduziu 13 caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil.
Quando se discute como foram os primeiros contatos entre portugueses e indígenas, outro tema sempre vem à tona: Qual o termo adequado para a chegada dos portugueses?
Quem defende o descobrimento, é bombardeado por defensores da tese que o Brasil já havia sido descoberto pelos índios. Nesse caso, os portugueses tomaram as terras que pertenciam aos indígenas por direito.
Para outros, a opção de invasão é adequada à visão de violência e genocídio português. Alguns grupos de historiadores ensinam que os índios viviam tranquilamente quando o europeu chegou semeando a desordem.
E, por fim, existe a opção neutra, a de um achamento. Os portugueses acharam um território novo que já era habitado por outro povo.
Dois pontos são necessários entender para bem considerar essa questão:
Os índios habitavam uma pequena parcela de um território vasto. Uma grande floresta de vegetação alta e densa. O horizonte parecia ser infinito e os povos preocupavam-se apenas em demarcar a área de suas tribos.
Muitos povos eram até seminômades, tendo ainda menos apego à terra. Portanto, invasão é um termo apropriado apenas para ataques a tribos, quando estes ocorriam.
A ideia de achamento, apesar da neutralidade, traz um erro na sua formulação, como se o território no continente americano fosse um grande fruto do acaso e que os portugueses um dia tiveram a sorte de encontrar.
Essa tese do acaso, em muitas escolas, ainda é ensinada.
Como há um momento de encontro de dois povos que nunca se viram, o termo descobrimento é adequado. Os índios encontraram um homem novo, que portavam objetos, roupas, armas e até animais que nunca viram antes.
Os europeus também se depararam com um território completamente novo, um povo nativo com uma língua nunca ouvida e com hábitos peculiares, além de uma fauna e flora ainda não conhecida.
Desse modo, tendo-se em vista o encontro entre duas culturas desconhecidas, é possível nomear o encontro entre europeus e indígenas de descobrimento.
A famosa Carta de Pero Vaz de Caminha é o documento mais completo que descreve o primeiro contato entre portugueses e indígenas. É um relato de viagem de um dos membros da tripulação de Cabral que foi enviado ao Rei Dom Manoel.
A carta é extensa e apresenta uma descrição completa dos primeiros eventos dos portugueses no Brasil.
Em alguns trechos vê-se a preocupação de Caminha em descrever o povo novo:
“Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.”
“Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.”
A forma como adornavam o corpo com tinturas chamou muito a atenção de Pero Vaz. Também chamou a atenção a liberdade que tinham em andar com as vergonhas descobertas.
A descrição então aborda: todo o primeiro contato, uma descrição da região, de seus habitantes, da fauna e da flora.
Outro ponto que é importante destacar é que o escrivão apontou para o Rei as potencialidades da terra que encontraram:
“Até agora, não pudemos saber se há ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro. Porém, o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar”.
Com estes trechos é possível perceber os interesses que orientavam a empresa dos portugueses: econômicos e religiosos.
Depois de se estabelecerem no novo território, os portugueses passaram a explorá-lo economicamente.
Como tinham pouco conhecimento da terra e de seus bens naturais, passaram a extrair o Pau-Brasil. Uma árvore de tronco resistente e que oferecia tintura vermelha para confecção de roupas. Possuía alto valor no mercado europeu.
O sistema adotado foi o do Escambo. Os portugueses ofereciam produtos para os índios, os quais trocavam pelo Pau-Brasil, produto abundante em suas terras.
Sobre esse aspecto, surge uma antiga história: os portugueses foram desonestos, davam espelhinhos e bugigangas para os índios em troca de um item de valor.
Os índios, de um ponto de vista antropológico, ainda viviam na Pré-História. Suas ferramentas eram de pedra lascada, como no Paleolítico. Todas as ferramentas portuguesas, frutos da metalurgia, ajudavam a produção indígena.
Portanto, eram um bem de alto valor para os índios. O tempo empenhado em cortar uma árvore com uma machadinha de pedra era enorme se comparado ao gasto usando um machado produzido com ferro.
A superioridade das armas de ferro na guerra e na caça eram também indiscutíveis.
Portanto, eram dois povos maduros que ofereciam um bem que possuíam em grande volume em troca de outro produto que desejavam.
Outro engano comum ao estudar esse primeiro contato entre europeus e indígenas é crer que os lusitanos encontraram um povo coeso, unido, que convivia em paz e harmonia. Mas cada tribo possuía uma expressão de sua cultura.
A própria língua indígena aponta o erro desse pensamento. Os índios do tronco tupi-guarani expressavam-se na língua Tupi, e se denominavam desta mesma forma. Já os estrangeiros, recebiam o nome de tapuias.
O Brasil atualmente possui cerca de 305 etnias indígenas. Muito provavelmente, os portugueses se depararam com bem mais em 1500.
E essas várias tribos não conviviam em grande união fraterna, nem perfeita harmonia. Os índios guerreavam entre si, escravizavam tribos derrotadas e algumas culturas até praticavam o canibalismo.
A violência já ameaçava a população ameríndia, ela não foi fruto apenas da chegada dos portugueses.
Algumas tribos viram na aliança com os portugueses uma vantagem para se proteger de outros povos, ou uma chance de vencer uma guerra contra outra tribo superior.
Duas importantes obras de viajantes europeus narram de maneira bem aprofundada esse contato entre europeus e indígenas, e a multiplicidade de povos e culturas da América.
O livro “Duas viagens ao Brasil”, do alemão Hans Staden, e o livro “História de uma viagem feita à terra do Brasil”, do francês Jean de Léry. Escritos ambos no século XVI.
Os autores conviveram com os índios em suas tribos, viveram à maneira de seus costumes, presenciaram rituais, guerras, antropofagia e sobreviveram para contar a história.
Nos dois livros, que são como diários dos viajantes, destaca-se um fato interessante: os povos tupis se aliaram aos portugueses para guerrear contra os tupinambás. Enquanto os tupinambás se aliaram aos franceses.
Hans Staden, uma vez capturado pelos povos Tupinambás, relata bem a realidade do conflito:
“Acabada a dança, fui entregue a Ipperu Wasu. Ali estava muito bem guardado. (…) Trouxeram todos os ídolos que havia nas cabanas e colocaram ao redor de mim, dizendo que eles tinham profetizado a captura de um português. Disse eu então: ‘Estas coisas não tem poder, nem podem falar, e é falso que eu seja português. Sou amigo e parente dos franceses e a terra de onde eu sou, chama-se Alemanha’. Responderam-me que isso devia ser mentira, porque se eu fosse amigo dos franceses, nada tinha que fazer com os portugueses; pois sabiam bem que os franceses eram tão inimigos dos portugueses, como eles mesmos. Os franceses vinham todos os anos com embarcações e lhes traziam facas, machados, espelhos, pentes e tesouras; e eles lhes davam em troca Pau-Brasil, algodão e outras mercadorias como enfeites de penas e pimenta.”
A relação de amizade, aliança e parceria econômica se firmou nos primeiros anos de colônia.
Há casos de portugueses que passaram a conviver com os índios em suas tribos segundo seus usos e costumes. E, ao mesmo tempo, índios que optaram livremente por viver a vida nas vilas portuguesas do litoral segundo à moda europeia.
Foi somente em 1530, período em que Portugal enviou mais homens para as Américas e instalou a cultura da cana-de-açúcar, que a relação com os índios se alterou.
Com isso, demandavam mão de obra e foram buscar nas aldeias.
O índio se tornou a primeira mão de obra das grandes lavouras brasileiras. No entanto, já em 1537, o Papa Paulo III emitiu uma bula condenando a escravização dos indígenas. A bula Sublimus Dei.
Considerava o indígena dotado de alma, capaz de viver a fé e com isso deveria possuir liberdade.
A partir da bula, os Jesuítas acordaram com o Rei Sebastião I para dar um fim a escravidão indígena.
O decreto real de 1570 restringiu a escravização de índios. Somente o princípio aplicado da Guerra Justa legitimaria escravizar o índio, isto é, escravizar um derrotado na guerra. Tal feito se estendeu por toda a América, assim espanhola como portuguesa.
Assim, os produtores de cana viram-se obrigados a recorrer à mão de obra escrava africana.
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