Tina trocou o dia pela madrugada. Por meses, ficava até 12 horas por noite diante de uma câmera, conversando com desconhecidos. Quanto mais tarde, mais dinheiro. Menos concorrência, mais clientes dispostos a pagar.
Mas o que veio junto foi o colapso: lapsos de memória, crises de ansiedade e uma sensação constante de sufocamento.
“Qualquer coisinha me fazia chorar por horas”, conta. Em pouco tempo, não lembrava mais das próprias transmissões. Em uma delas, um cliente pediu que ela fingisse ser uma paciente com câncer.
Quando ela recusou, ele disse que tinha prazer em imaginar isso. Tina denunciou o caso, mas sabia que ele poderia voltar com outro nome, outro login, outro IP.
Ela é uma entre milhares de mulheres que trabalham em plataformas de vídeo adulto. Muitas operam de casa, sozinhas. Outras atuam em estúdios organizados, como o Studio 20, na Romênia.
Em ambos os casos, o que elas vivem fora do campo de visão dos clientes dificilmente vira manchete: exaustão, instabilidade, medo e uma rotina que, em muitos casos, termina em adoecimento.
O modelo de negócio é simples: a camgirl transmite ao vivo; o usuário paga por interações privadas; a plataforma intermedeia e lucra. Na prática, ela fica com metade do valor — ou menos.
Segundo dados do setor, o LiveJasmin, maior site do ramo, recebe entre 35 e 40 milhões de Catrina, veterana no setor, vai todo mês à delegacia com provas de perseguição. "O cara mandava minha localização e nada foi feito".
Ela critica a imagem de “dinheiro fácil” associada ao trabalho: “É muito perigoso. Porque prostituição é prostituição”.
Na Romênia, a indústria das sexcams se expandiu após a crise de 2008, quando o país perdeu mais de 7% do seu PIB.
Sandy Bell, decoradora de interiores, diz que a distância dos clientes garante segurança. “Se o sujeito for rude, clico no mouse e bloqueio”.
No entanto, envergonha-se do que faz. Apesar de ganhar cerca de R$370 por dia, mas esconde o que faz da família. “A maioria das garotas não conta aos pais”, diz.
A psicóloga Vanessa Mayra, do Coletivo Mulheres da Luz, afirma que muitas dessas mulheres desenvolvem uma espécie de insensibilidade.
“Elas narram episódios duros como se não fossem dignas de se indignar. Como se aquilo fosse o normal”.
Lívia, camgirl e psicóloga, confirma: “Você sofre assédio, vaza vídeo seu, e no dia seguinte tem que ligar a câmera e fingir que está tudo bem. Senão, não ganha.”
Para a pesquisadora Irina Ilisei os estúdios atuam com estética corporativa, oferecendo “empoderamento” como argumento.
“Mas muitas vezes, o que existe é apenas a ilusão de liberdade dentro de um sistema que lucra com a exposição de mulheres vulneráveis.”
Segundo o terapeuta e filósofo Giovanni José, abusos anteriores podem desencadear novos traumas, inclusive levar à entrada na indústria pornográfica.
“E quando uma mulher sofre um abuso, em primeiro lugar, ela carrega dentro de si uma carga emocional muito grande. Ela sente muita dor, ela sente muita culpa, ela sente muita raiva de si mesmo e dos outros. Então, você tem dentro do sistema aditivo essa carga emocional. Além disso, por causa do que ela passou, ela desenvolve ideias subterrâneas, ideias erradas, crenças erradas”.
E continua:
Tem mulher que vai para a prostituição, por quê? Porque ela pensa que o único modo dela ser amada e que o amor é usar o outro, entende? Então, sim, realmente, os traumas, eles têm esse papel no processo da prostituição.
Oana entrou na indústria com 16 anos, aliciada pelo namorado. Começou em frente a uma câmera, terminou na prostituição.
Hoje, tenta convencer outras jovens a não seguir o mesmo caminho. “As coisas que você faz vão afetar sua cabeça. O próximo passo é a prostituição”.
Nem todas concordam. Lana, por exemplo, quer sair da profissão em dois anos. Já conseguiu criar a filha e juntar algum dinheiro. Mas até quando essa será uma opção?
A indústria continua crescendo, mas os relatos mostram que, para muitas mulheres, o que começa como escolha pode virar prisão.
Sem proteção legal, cercadas por abusos e expostas ao julgamento constante, elas enfrentam sozinhas os custos de um mercado que transforma intimidade em produto e trauma em rotina.
Como um veículo independente, não aceitamos dinheiro público. O que financia nossa estrutura são as assinaturas de cada pessoa que acredita em nossa causa.
Quanto mais pessoas tivermos conosco nesta missão, mais longe iremos. Por isso, agradecemos o apoio de todos.
Seja também um membro da Brasil Paralelo e nos ajude a expandir nosso jornalismo.
Cupom aplicado 37% OFF
Cupom aplicado 62% OFF
MAIOR DESCONTO
Cupom aplicado 54% OFF
Assine e tenha 12 meses de acesso a todo o catálogo e aos próximos lançamentos da BP