A psicóloga Geise Devit abriu as portas de sua casa para uma equipe da Revista Veja em setembro de 2023.
Mãe de oito filhos, ela falou sobre rotina, fé e os desafios de criar uma família numerosa nos dias atuais.
Semanas depois, viu a entrevista publicada com outro tom. Ela afirmou que suas palavras foram editadas de forma a sugerir fanatismo religioso, transformando sua experiência pessoal em um símbolo de “extremismo católico”.
“Eu me senti enganada e ofendida”, disse Geise em entrevista à Brasil Paralelo.
O episódio reacendeu uma discussão: por que, em uma sociedade que valoriza a liberdade de escolha, famílias com muitos filhos despertam tanto incômodo?
As chamadas famílias numerosas, lares com quatro ou mais filhos, estão no centro de um novo debate social.
Enquanto alguns veículos as associam ao conservadorismo religioso, o fenômeno também aparece nas elites econômicas.
O bilionário Elon Musk, pai de 14 filhos, já afirmou que ter muitos filhos é uma forma de “salvar o futuro da civilização”.
Mas o retrato das famílias com muitos filhos no Brasil é outro. Não são exceção apenas entre os mais ricos. Estatísticas mostram que, historicamente, as famílias de baixa renda sempre tiveram mais filhos. Hoje, porém, a tendência mudou.
Dados do IBGE indicam uma relação inversa entre escolaridade e número de filhos: em 2003, mulheres com ensino superior tinham, em média, um filho, enquanto entre as menos escolarizadas a média chegava a cinco.
O Brasil vive a menor taxa de fecundidade de sua história: 1,55 filho por mulher, de acordo com o último Censo do IBGE. O índice está abaixo do nível de reposição populacional (2,1), patamar necessário para que a população não entre em declínio.
O declínio das taxas de fertilidade não é exclusivo do Brasil. Em 2024, a Itália registrou apenas 370 mil nascimentos, o menor número em três décadas, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (Istat).
A taxa de fecundidade caiu para 1,18 filho por mulher, ante 1,20 em 2023. Outros fatores ajudam a explicar o fenômeno:
Em outros países da Europa e no Leste Asiático, a natalidade caiu a níveis inéditos, levando ao fechamento de escolas e à sobrecarga de sistemas previdenciários. A Coreia do Sul, por exemplo, tem uma das menores taxas do mundo.
Entre as causas mais citadas estão o custo de vida, as incertezas sobre o futuro e a mudança de prioridades pessoais
Mulheres que optam por não ter filhos, conhecidas como “NoMo”, abreviação de No Motherhood, são cada vez mais comuns, especialmente nos grandes centros urbanos.
A transição demográfica brasileira começou com a urbanização e a chegada dos métodos contraceptivos. A pílula anticoncepcional, lançada na década de 1960, alterou hábitos, carreiras e expectativas familiares.
A mulher passou a ter controle sobre a fertilidade, mas também viu sua saúde hormonal e reprodutiva se transformar, tema ainda debatido por médicos e pesquisadores.
Hoje, muitas famílias substituem filhos por animais de estimação. O número de “pais de pet” cresce em ritmo acelerado, especialmente entre casais jovens, que apontam o alto custo de criação de uma criança como principal motivo para adiar a maternidade e a paternidade.
No Brasil, o número de lares com apenas uma criança aumentou de forma consistente nas últimas décadas, de acordo com os dados do IBGE.
Indo na direção oposta, cresce o número de famílias que decidem ter mais filhos.
Em sua maioria, são católicas e evangélicas, unidas por valores religiosos e culturais, e veem na abertura à vida um princípio moral e uma forma de resistência ao individualismo contemporâneo.
Esse movimento é semelhante ao das chamadas “tradwives”, mulheres que optam por deixar o mercado de trabalho para se dedicar integralmente à família. A sigla vem de traditional wife (“esposa tradicional”).
Elas afirmam que sua escolha não é um retorno ao passado, mas um ato de liberdade pessoal: a decisão de cuidar do lar e dos filhos como prioridade.
O crescimento desses grupos desperta críticas em parte da imprensa e entre militantes feministas, que associam o movimento à extrema-direita e à romantização de papéis tradicionais.
Termos como “família grande” e “maternidade integral” passaram a ser tratados como sinais ideológicos, e não como expressões de um estilo de vida legítimo.
A discussão sobre o tamanho das famílias ultrapassa o Brasil. No mundo islâmico, as taxas de natalidade continuam elevadas, com média de três filhos por mulher.
Estudos demográficos projetam que a população muçulmana ultrapassará 2,8 bilhões de pessoas até 2050.
Na Europa, o contraste entre a queda da natalidade local e o crescimento das comunidades muçulmanas alimenta debates sobre identidade e futuro demográfico do continente.
Enquanto o Ocidente reduz o número de nascimentos, o Oriente cresce — e o equilíbrio populacional do planeta se desloca.
A crise global de fertilidade vai além dos números. Ela tem impacto direto nas economias, nos sistemas previdenciários e nas estruturas sociais.
Em um cenário de queda nas taxas de natalidade, famílias numerosas voltam a chamar atenção e reacendem o debate sobre o papel da família nas sociedades contemporâneas.
Saiba mais sobre famílias numerosas no canal da Brasil Paralelo.
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