Joias da marca Chopard e uma série de outros presentes que resultaram na arrecadação de 6,8 milhões de reais. E ainda um rosário, anéis e abotoaduras que não foram incluídos por não terem sido recuperados nem submetidos à perícia. Esses são alguns dos itens que constam no relatório produzido pela Polícia Federal que, na segunda-feira (08/07), tornou-se público.
Leia o inquérito da Polícia Federal relacionado ao suposto esquema de desvio das joias (PET 11.45) na íntegra.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, retirou o sigilo dos documentos que embasam o indiciamento de 12 pessoas, na última semana, por participação em um esquema de desvio de joias pertencentes à presidência da República. O inquérito incluiu o próprio Jair Bolsonaro, que é acusado de:
Entenda o indiciamento de Jair Bolsonaro aqui.
Os documentos apresentam indícios da suposta existência de uma associação criminosa responsável pela negociação ilegal de joias. Os presentes teriam sido desviados durante o período em que Bolsonaro ocupou o Palácio do Planalto.
A investigação inclui duas hipóteses criminais, ou seja, acusa o grupo de agir de dois modos:
Conheça quatro informações importantes que constam relatório:
Os documentos apontam que a suposta associação criminosa teria tentado desviar objetos no valor de cerca de US$1,2 milhão (aproximadamente R$6,8 milhões). Teria também se empenhado em ocultar a origem e a propriedade dos valores recebidos com as negociações desses ítens:
“Em período não delimitado do ano de 2023, nos Estados Unidos da América, JAIR MESSIAS BOLSONARO, MAURO CESAR BARBOSA CID, MARCELO COSTA CÂMARA, OSMAR CRIVELATTI, MAURO CESAR LOURENA CID e outras pessoas não identificadas, uniram-se, com unidade de desígnios, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienação dos bens desviados do acervo público brasileiro”.
Em alguns casos, a PF afirma que o presidente teria subtraído os objetos pessoalmente, sem que eles fossem encaminhados ao gabinete responsável por recebê-los na Presidência.
As investigações focam em três kits de objetos:
Foram presentes recebidos pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021;
Kit de joias da marca Chopard. Imagem: Divulgação/ Instagram.
Este pacote teria sido entregue ao ex-presidente em sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019;
Presente concedido a Bolsonaro em 16 de novembro de 2021, quando participou de um seminário empresarial na cidade de Manama, no Bahrein.
Escultura de um barco dourado. Imagem: relatório da Polícia Federal.
A PF afirma que essas duas esculturas teriam sido conduzidas aos Estados Unidos, “escamoteadas” no avião presidencial, com o objetivo de serem vendidas em lojas especializadas em Miami.
O relatório conclui que presentes oficiais foram retirados do Brasil através da utilização do avião presidencial. Isso teria ocorrido em três ocasiões.
“Com a finalidade de distanciar e ocultar das autoridades brasileiras, os atos ilícitos de venda dos bens e posterior reintegração ao seu patrimônio, por meio de recursos em espécie, o então Presidente Jair Bolsonaro, com o auxílio de seu ajudante de ordens, Mauro Cesar Cid, utilizou o avião presidencial, sob a cortina de viagens oficiais do então chefe de Estado brasileiro para, de forma escamoteada, enviar as joias aos Estados Unidos”, afirma o documento da PF.
A equipe rastreou outros itens que não foram contabilizados, seja porque não foram recuperados ou porque não passaram por perícia.
Entre os objetos não contabilizados constam:
Um par de abotoaduras, um anel da marca Chopard e um rosário árabe teriam sido submetidos a um leilão no exterior e, por não terem sido arrematados, o presidente os devolveu ao Tribunal de Contas da União.
Nos documentos, consta a descrição de uma “operação de guerra” realizada pelo tenente-coronel Mauro Cid e o advogado Frederick Wassef para recomprar no exterior os objetivos que teriam sido vendidos, e assim evitar um escândalo.
Segundo o relatório, os valores adquiridos com as vendas dos presentes teriam sido incorporados ao patrimônio pessoal do presidente. Em um trecho do documento consta:
"Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores".
A PF sugere que o dinheiro pode ter sido utilizado no período entre 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023, enquanto Bolsonaro esteve nos Estados Unidos.
As planilhas pessoais das despesas da família dos presidente comprovariam que ele não teria movimentado duas contas bancárias neste período: uma que possui no Bank of America e outra no Banco do Brasil. Tal fato pode indicar que Bolsonaro teria utilizado dinheiro em espécie no período em que permaneceu no exterior:
“Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de JAIR BOLSONARO e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, afirma o documento.
O documento também chama a atenção para o que a conduta indica:
“A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o “dinheiro sujo” à economia formal, com aparência lícita.”
Outro ponto importante da investigação associa o ex-presidente ao Coronel Mauro Cesar Lourena Cid. A investigação da PF foi iniciada a partir de uma denúncia realizada pelo jornal O Estado de São Paulo. O ponto de partida da acusação era o envolvimento do general Lourena Cid, e de seu filho, Mauro Cid, nas negociações das joias no exterior.
Mauro Cesar Lourena Cid tinha US$25 mil que deveriam ser repassados ao ex-chefe do Executivo brasileiro. Amigo pessoal do líder político há mais de 30 anos, o general da reserva teria mantido dois presentes recebidos - as esculturas banhadas a ouro - em sua residência em Miami.
“Diante do exposto, a análise parcial dos dados analisados revelou que MAURO CESAR LOURENA CID teria guardado em sua residência, na cidade de Miami, objetos (barco e árvore dourados) que possivelmente foram dados como presentes oficiais de autoridades estrangeiras a JAIR MESSIAS BOLSONARO em viagens internacionais.”
O documento ainda demonstra que o general Lourena Cid e seu filho, o ajudante de ordens Mauro Cid, “encaminharam os objetos desviados, pertencentes ao acervo público brasileiro, para estabelecimentos comerciais especializados, para serem avaliados e alienados (diretamente e/ou por leilão)”.
Nos autos consta que pai e filho delataram ter repassado a Bolsonaro, em espécie, o valor total de US$68 mil, provenientes da venda de dois relógios: o Rolex Day-Date 18946 e um Patek Philippe Calatrava. O valor teria sido depositado em uma conta do BB em nome de Mauro de Lourena Cid e, depois, entregue a Bolsonaro em espécie.
Os investigadores afirmam que quase metade do valor foi entregue ao ex-presidente em setembro de 2022, em Nova York. O restante teria sido repassado ao ex-mandatário brasileiro nos meses seguintes, até março de 2023, de forma fracionada.
Algumas frações dos recursos teriam sido entregues a um ex-assessor de Bolsonaro, Osmar Crivelatti, “com o objetivo de dificultar a detecção do retorno dos recursos ilícitos ao patrimônio do ex-presidente pelas autoridades brasileiras”.
Os US$18 mil arrecadados com a venda do “kit de ouro branco” foram trazidos em espécie para o Brasil por Mauro Cid e entregues ao ex-presidente, “reforçando o modus operandi do grupo investigado para tornar seguro os proventos dos crimes antecedentes”.
Uma das provas que constam no inquérito é uma fotografia de um jantar em que Bolsonaro teria recebido parte do dinheiro. O jantar ocorreu no Omni Berkshire Place, em Nova York, em setembro de 2022. Em sua delação, Mauro Cesar Lourena Cid afirma que repassou um valor em espécie ao ex-presidente, mas não especificou quanto.
“Indagado sobre como se deu o repasse dos valores decorrentes da venda dos relógios Patek Philippe e Rolex, respondeu que os valores foram repassados de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros com o ex-presidente Jair Bolsonaro; que se recorda de ter repassado ao ex-Presidente Jair Bolsonaro uma parte do valor, quando de sua ida à cidade de Nova lorque para um evento da ONU”, afirma o relatório. A PF afirma que, na ocasião, ele já havia sacado mais de US$ 37.600.
Ainda segundo as investigações, o ex-presidente tinha consciência de que os objetos seriam comercializados nesses leilões.
No inquérito, há documentos que ligam Mauro Cid à empresa Fortuna Auction, onde o leilões de alguns dos objetos foram realizados.
No celular de Bolsonaro também foram apreendidos cookies e históricos de navegação no site da mesma empresa, onde foi realizado o leilão do kit de joias em Ouro Rosé da Chopard.
Cookies da navegação do Bolsonaro no site da empresa Fortuna Auctions. Imagem: relatório da Polícia Federal.
Há também a imagem de uma troca de mensagens específicas entre ele e Mauro Cid em que fica claro que o presidente sabia dos leilões.
Em um trecho do inquérito constava que o valor estimado dos objetivo incluídos na investigação era de US$4.550.015,06 ou R$25.298.083,73. A Polícia Federal corrigiu a informação na tarde de segunda-feira (08/07).
Em nota, afirmou que consta um erro no material e que a retificação já foi enviada. A corporação ressaltou que o montante de R$6,8 milhões não considera os bens ainda pendentes de perícia, além das joias do acervo brasileiro que não foram recuperadas.
A instituição afirmou que o valor correto é de US$1.227.725,12 ou R$6.826.151,66, como especificados em outras partes do relatório.
Ao longo de todo o período de investigação, Bolsonaro e seus assessores têm negado qualquer ilicitude relacionada às joias. Em 2023, os advogados do presidente afirmaram que o ex-presidente nunca se apropriou ou desviou bens públicos” e que ele voluntariamente ofereceu os dados de suas movimentações bancárias à investigação. Segundo seus advogados, Bolsonaro também solicitou ao TCU, de forma voluntária, que depositasse os presentes recebidos.
Ontem, a defesa enfatizou que “o inquérito sobre o suposto desvio das joias do acervo presidencial é insólito". Enfatizaram ainda que "em momento algum, Bolsonaro pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem de qualquer forma, serem havidos como públicos".
O advogado e professor de direito, Tiago Pavinatto publicou um vídeo em seu canal do Youtube no qual acusa o inquérito de ser inconstitucional:
“Não pode haver inquérito, se não existe indício de crime”.
Pavinato defende que Bolsonaro é um agente político, não um servidor público. Agentes políticos são eleitos para cargos transitórios, como deputados, senadores e presidentes. A lei, em tese, proibiria servidores públicos de receberem presentes, mas essa vedação não se aplicaria a agentes políticos.
O advogado também defende que existe uma determinação do TCU, baseada em um decreto de 2002, que proíbe presidentes de receberem presentes. O decreto menciona que bens arquivísticos, bibliográficos e museológicos são de interesse público. Segundo Pavinatto, os presentes recebidos por Bolsonaro não se enquadram nessa categoria.
“O Decreto fala de interesse público, não de bens públicos, ou seja a União tem preferência na compra. Portanto, não existe Lei no Brasil que proíba um presidente de receber presentes. E como não há Lei, não há crime”, afirma.
O professor pontua ainda que mesmo que o decreto 4.344/2002 transformasse presentes em bens públicos, os presentes recebidos pelo presidente não se enquadram em item arquivístico, bibliográfico e museológico.
A respeito da retificação feita pela PF no valor que constava em um trecho relatório, o ex-presidente também fez uma publicação na sua rede social X, antigo Twitter, sugerindo perseguição política:
No despacho que retirou o sigilo do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes determinou que:
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