A minuta e o Estado de Sítio
Questionado sobre um documento que sugeriria anulação das eleições e prisão de ministros do STF e do Congresso, Bolsonaro negou qualquer tentativa de golpe:
“Com uma minuta, um documento, ou um esboço que previa a prisão de autoridades e intervenção na Justiça Eleitoral… Falar contra autoridades, isso aí, não. Prisão de autoridades. Falar contra autoridades, sugerir prisão — isso, na nossa reunião, não estava previsto. Nem intervenção na Justiça Eleitoral com a criação de uma comissão eleitoral”.
Ele também rebateu as declarações de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens e hoje delator, que afirmou que o ex-presidente “enxugou” o texto da minuta. “Não procede o enxugamento”, respondeu.
Contudo, o ex-presidente admitiu que recebeu sugestões para decretar estado de sítio após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitar o pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno. A corte multou o partido em R$22,9 milhões por litigância de má-fé.
Segundo Bolsonaro, a discussão foi encerrada após a constatação de que seria necessário um “fato concreto” e a convocação dos Conselhos da República e da Defesa.
“Abandonamos qualquer possibilidade de ação constitucional. Enfrentamos o ocaso do nosso governo.”
Reunião com os comandantes: GLO e tensão nos quartéis
Outro ponto abordado no interrogatório foi a reunião com os comandantes militares em dezembro de 2022. Segundo a delação de Cid, Bolsonaro teria proposto uma ruptura institucional. O ex-presidente nega:
“Eu joguei dentro das quatro linhas o tempo todo. Muitas vezes me revoltava, falava para lá. Me revoltava, falava o que eu devia falar, sei disso. Mas, no meu entender, fiz aquilo que tinha que ser feito.”
Ele afirmou que o objetivo da conversa foi discutir uma possível operação de GLO diante dos bloqueios de rodovias e acampamentos em frente a quartéis.
Também minimizou a versão de que teria sido ameaçado de prisão pelo general Freire Gomes, então comandante do Exército, afirmando que foi um “exagero” interpretativo.
“Nunca se falou em golpe. Golpe é abominável. O ‘day after’ seria imprevisível e danoso para todo mundo.”
8 de janeiro: “Sem liderança, sem golpe”
Questionado sobre os atos de 8 de janeiro, Bolsonaro voltou a negar qualquer participação ou incentivo. Disse que não havia comando, armas, apoio militar ou organização para que se falasse em tentativa de golpe:
“Fico até arrepiado quando falam que 8 de janeiro foi um golpe. Aquilo não é golpe.”
Também explicou por que não desmobilizou os acampamentos. Segundo ele, havia receio de que os manifestantes migrassem para a Praça dos Três Poderes e agravassem a situação.
Pedido de desculpas aos ministros e piada com Moraes
No início do depoimento, Bolsonaro pediu desculpas aos ministros Moraes, Fachin e Barroso por tê-los acusado, sem provas, de receber propinas para fraudar as eleições:
“Não tem indício nenhum, senhor ministro, tanto é que era uma reunião para não ser gravada, um desabafo, uma retórica, quer dizer, se fosse outros três ocupando, teria falado a mesma coisa. Então, me desculpem, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”.
Voto impresso e ataques às urnas
Bolsonaro defendeu a adoção do voto impresso e justificou suas críticas ao sistema eletrônico. Disse que sempre questionou a lisura das urnas desde seus tempos como parlamentar, e que sua postura era baseada em desconfiança, não em provas concretas.
“Era retórica. Se eu exagerei, devo ter exagerado. Mas minha intenção era proteger as eleições.”
Sobre a reunião com embaixadores, admitiu que pode ter “exagerado na forma”, mas negou ter agido com dolo:
“A intenção sempre foi alertar.”
Defesa do governo e recusa em passar a faixa
Bolsonaro aproveitou para defender seu governo e apontar perseguições de adversários no Congresso, imprensa e Judiciário. Atribuiu parte da derrota às pautas de costumes e à postura religiosa de sua esposa.
“Fui o único presidente com um teto de gastos pela frente. Ganhei a antipatia da imprensa.”
Sobre a cerimônia de posse de Lula, disse que não quis entregar a faixa para evitar ser vaiado:
“Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil.”
Bolsonaro também negou ter escrito o suposto “discurso pós-golpe” encontrado em sua sala no PL
O ex-presidente disse que o documento foi retirado da própria investigação e encaminhado por seu advogado.
Quanto ao encontro com o hacker Walter Delgatti e a deputada Carla Zambelli, afirmou não ter confiado no especialista e o encaminhou à Comissão de Transparência Eleitoral. “Não entendo nada de informática”, alegou.
Ao final da audiência, que durou horas, Bolsonaro reafirmou que se recolheu após perder as eleições e que não participou da cerimônia de posse de Lula para evitar “a maior vaia da história do Brasil”.
“Tínhamos que entubar o resultado da eleição.”
O ex-presidente afirma que jogou "dentro das quatro linhas" e tenta descolar sua conduta da narrativa de golpe traçada pela PGR e pela delação de Mauro Cid.
Ao longo do depoimento, reiterou que buscou soluções "dentro da Constituição", negando articulação golpista e dizendo-se vítima de má interpretação de suas falas e atitudes.
“Vossa Excelência, o senhor ministro Fux, os senhores aqui do Supremo, não me viram desrespeitar uma só ordem, não me viram em nenhum momento... eu agir contra a Constituição com ação.
Eu joguei dentro das quatro linhas o tempo todo. Muitas vezes me revoltava, falava para lá. Me revoltava, falava o que eu devia falar, sei disso. Mas, no meu entender, fiz aquilo que tinha que ser feito.”
Com o encerramento da fase de instrução penal, o processo entra na reta final
A próxima etapa são as alegações finais, em que acusação e defesa apresentarão seus últimos argumentos formais.
Só então o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, poderá marcar o julgamento. A conclusão da ação depende de três fatores:
- A entrega das alegações finais pelas partes;
- A eventual solicitação de novas diligências;
- E a disponibilidade de data na agenda da Primeira Turma do STF.
Com o recesso do Judiciário se aproximando, é improvável que o julgamento ocorra antes de agosto de 2025.
Até lá, o futuro jurídico e político do ex-presidente seguirá indefinido, à espera de uma decisão que pode absolvê-lo ou torná-lo réu condenado em definitivo.
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