Na manhã de 12 de agosto de 2006, o repórter Guilherme Portanova estava em uma padaria na Avenida Luís Carlos Berrini, em São Paulo.
Ao lado dele estava o auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado, também funcionário da Rede Globo. Os dois foram surpreendidos por homens armados que invadiram o local.
Encapuzados e levados por criminosos, os dois viveriam mais de 40 horas de cativeiro sob ameaça de morte.
Para libertá-los, os criminosos exigiam que a emissora exibisse um vídeo em rede nacional.
Em frente ao hotel, onde o sequestro ocorreu, havia dois motoristas que trabalhavam no local. Ambos afirmaram que dois homens armados renderam as vítimas e as obrigaram a entrar em carros roubados.
Um Vectra escuro, usado na ação, foi incendiado minutos depois por comparsas que circulavam em uma moto.
“Tudo foi muito rápido, no máximo um minuto e meio. Pareceu planejado”, disse um dos motorista.
Levados a diferentes veículos, os jornalistas permaneceram encapuzados e com a cabeça abaixada.
“Eles renderiam qualquer um de uma das equipes da TV Globo. Podia ser eu, podia ser qualquer um que estivesse lá na hora”, relatou Calado, em entrevista.
Durante as primeiras horas de cativeiro, Portanova pensou que não sairia vivo.
“Pedi que me matassem logo, sem dor e com apenas um tiro. O fantasma do Tim Lopes era muito forte”, disse, lembrando do jornalista assassinado em 2002 por traficantes no Rio de Janeiro.
Por volta das 23h do mesmo dia, Alexandre Calado foi libertado perto da sede da Globo. Carregava consigo um DVD entregue pelos criminosos, com a ordem de exibição.
O vídeo de três minutos mostrava um homem encapuzado lendo um manifesto contra o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), criado em 2003 para endurecer o controle de presos de alta periculosidade.
No texto, os criminosos afirmavam:
Segundo Calado, os sequestradores foram diretos: “Eles me liberaram para trazer o material deles, falando que a vida do meu companheiro, do Portanova, dependia da divulgação.”
Veja o Plantão que transmitiu a mensagem do PCC:
Na madrugada do dia 13, às 00h27, a emissora interrompeu o Supercine e exibiu o vídeo na íntegra em um Plantão da Globo, programa que era apresentado por César Tralli.
Os criminosos também jogaram uma cópia do DVD no pátio do SBT, na rodovia Anhanguera. A direção da emissora optou por não levar as imagens ao ar e encaminhou a gravação ao Ministério Público.
O então diretor de jornalismo, Luiz Cláudio Latgé, explicou que a decisão partiu da própria Globo, sem envolvimento do governo ou da polícia.
A emissora consultou especialistas em segurança, como o International News Safety Institute (INSI) e a The AKE Group, que recomendaram atender à exigência para preservar a vida dos reféns.
Em nota, a emissora destacou: “Inexistindo dúvida sobre o risco real que o repórter Guilherme Portanova sofre, e não havendo tempo para uma decisão em conjunto com seus pares, a TV Globo mostrou o conteúdo do DVD à polícia e decidiu exibir o vídeo.”
Na madrugada do dia 14, Portanova foi deixado em uma rua do Morumbi, na zona sul de São Paulo. Um segurança em ronda avisou a emissora. O jornalista saiu com o ombro machucado, mas sem agressões físicas graves.
“Em nenhum momento me agrediram, tinha comida o tempo inteiro, embora eu não conseguisse comer. Todo o tempo eles me diziam que eu ia ser solto, que eu não ia morrer”, contou.
Depois da libertação, Portanova admitiu que pensou em abandonar a profissão: “A primeira coisa em que pensei foi comprar um sítio numa cidade pequena, nunca mais ligar jornal, TV, rádio, nada, e desaparecer.”
O repórter, no entanto, mudou de ideia ao perceber os esforços da emissora em sua defesa.
O pai do repórter, Milton Portanova, acompanhou o sequestro em São Paulo. Aliviado, disse: “É uma emoção imensa depois de toda aquela hora de sofrimento. Tirei um peso enorme de cima de mim.”
Para Portanova, um dos momentos mais tensos foi quando ouviu de um sequestrador que seria morto. Só não foi executado porque outro interveio: “Esse aí é da chefia, não toca nele que tu vais te incomodar.”
Portanova ficou de licença após o trauma e só retornou em 2007. Trabalhou na Globo até 2015, quando se transferiu para a Record TV, em Brasília.
As investigações confirmaram que a ação foi planejada pelo PCC. Entre os envolvidos estava Edson Gonçalves de Siqueira, conhecido como “Gordinho” ou “Irmão Fênix”, apontado como fornecedor de armas da facção.
Em 20 de maio de 2024, ele foi preso pela Polícia Militar Rodoviária em Cubatão (SP). Foragido desde 2021, cumpria pena por homicídio, tráfico e organização criminosa.
Tentou fugir em um carro blindado, mas foi capturado após colidir com outros veículos e tentar escapar a pé.
O homem que leu o manifesto no vídeo nunca foi identificado.
O ex-delegado já havia sido jurado de morte pela cúpula do PCC depois de investigar a facção no início dos anos 2000. Sua morte expõe, mais uma vez, o alcance do crime organizado no Brasil.
Essa realidade é tema de Entre Lobos, a maior investigação já feita sobre segurança pública no país. O documentário revela como as facções cresceram, como operam dentro e fora das prisões e o impacto direto dessa guerra na vida dos brasileiros.
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