O ex-escravo que virou advogado: a história de Luiz Gama, pioneiro do Direito como instrumento de liberdade no Brasil

Durante o Império do Brasil, um homem negro, ex-escravo e autodidata dedicou a sua vida a causa da abolição. As pessoas daquele tempo que lutavam contra o regime escravista ficaram conhecidas como abolicionistas.

Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830–1882), filho de uma mulher negra livre com um pai branco português, foi vendido como escravo pelo próprio pai aos 10 anos. 

Aos 17, já havia conquistado sua liberdade. Poucos anos depois, dominava a leitura, a escrita, o latim e as leis.

Mesmo sem diploma formal, Gama se destacou como rábula, termo usado para aqueles que, embora não formados em Direito, eram autorizados a exercer a advocacia. 

Usando exclusivamente os instrumentos legais em vigor, ele libertou mais de 500 escravos que estavam ilegalmente em cativeiro, muitos deles amparados pela Lei de 1831, que proibia a importação de novos africanos, embora raramente fosse cumprida.

O significado do Direito na luta contra a escravidão

Para Luiz Gama, o Direito não era uma abstração técnica, era um instrumento vivo de luta. Como define o livro Uma breve introdução ao Direito de Ives Gandra da Silva Martins, o Direito deve ser compreendido como um sistema de normas que organiza a vida em sociedade e busca realizar a justiça em um dado tempo e espaço. 

Gama estudou profundamente para desafiar o maior problema do seu tempo: a escravidão. Atuando dentro das regras do Direito, ele conseguiu provar que muitas pessoas eram mantidas em cativeiro de forma ilegal, baseando-se justamente nas leis que muitos insistiam em ignorar.

“Consinta o imponente juiz (...) que eu lhe dê uma proveitosa lição de direito”, escreveu em um de seus textos, combinando ironia e autoridade jurídica. 

Gama conhecia os códigos, os procedimentos e, acima de tudo, os fundamentos morais por trás da prática jurídica. 

Em seus artigos e cartas, ele construiu um ethos de orador virtuoso, como define Aristóteles, reunindo competência técnica (phronesis), virtude (aretè) e benevolência (eunoia).

Ele era uma pessoa com formação completa, tanto humana quanto de conhecimento das leis.