Lei permite que menores sejam sócios
Renata é uma das vítimas de uma brecha na lei que permite que menores sejam sócios de empresas. O Código Civil proíbe que administrem, mas não impede que seus nomes apareçam no contrato social, desde que um responsável assine por eles.
Quando a empresa fecha ou acumula débitos, a Justiça desconsidera a idade e vai atrás do CPF que consta no documento, mesmo que o titular ainda estivesse aprendendo a ler quando o nome foi usado.
As empresas registradas em nome de Renata faliram, e a Justiça buscou seus bens para cobrir dívidas trabalhistas e fiscais. Ela não tinha bens, apenas o nome que ficou sujo por anos. Aos 18, teve a conta bancária bloqueada por ordem judicial.
Na tentativa de recomeçar, Renata se mudou para a África do Sul e depois para os Estados Unidos, onde trabalha como especialista antifraude em Wall Street.
Mesmo de longe, continuou a enfrentar restrições judiciais no Brasil. Só aos 28 anos conseguiu limpar o nome. Sua irmã gêmea, também usada nos mesmos registros, ainda carrega dívidas.
Casos como o dela não são isolados. O analista de sistemas André Santos descobriu aos 15 anos que era sócio de uma empresa aberta pelo pai.
A companhia quebrou, e ele herdou dívidas que hoje somam milhões de reais. Aos 42, vive com o salário sujeito à penhora e não pode ter bens no próprio nome.
Outra vítima, Rafaella D’Avila, descobriu aos 23 anos que devia R$2,5 milhões em empréstimos e ações trabalhistas. A mãe havia usado seu CPF para pagar funcionários após a prefeitura não cumprir um contrato.
Parte do salário de Rafaella é bloqueada todos os meses para quitar dívidas que ela nunca contraiu.
Um levantamento da Junta Comercial do Rio de Janeiro revelou 166 empresas com sócios entre 2 e 16 anos de idade. Em alguns registros, crianças de 8 e 9 anos aparecem como sócias de quatro companhias diferentes.
O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se contradizem: enquanto o ECA reconhece a criança como sujeito de direitos e prevê proteção integral, o Código ainda mantém brechas que tratam menores como extensões dos pais.
Essa contradição permite que menores sejam responsabilizados judicialmente por dívidas empresariais, algo impensável em outros campos da lei.
A reforma do Código Civil, em debate no Senado, é vista por juristas como a chance de corrigir essa distorção.
A proposta prevê responsabilização direta dos pais em casos de fraude ou má-fé e proibição expressa do uso de CPFs de menores em sociedades empresariais.
As histórias de Renata, André e Rafaella mostram como um simples número de CPF pode se transformar em uma sentença financeira vitalícia.
Enquanto esperam por mudanças na lei, eles seguem tentando limpar o nome e reconstruir a identidade que perderam antes mesmo de crescer.