Documentaristas registram repressão na Nicarágua e governo tenta proibir a entrada de câmeras fotográficas

O documento na íntegra, publicado em 16 de janeiro de 2023, diz (em tradução livre):

"Governo de Reconciliação e Unidade Nacional
O povo, presidente!
REF: CT/4/2023

Tema: Entrada no país com binóculos, câmeras fotográficas ou cinematográficas sob responsabilidade do turista
Data: 16 de janeiro de 2023
Funcionárias e funcionários da Direção Geral de Serviços Aduaneiros, Auxiliares da Função Pública Aduaneira da República da Nicarágua, usuários e usuárias em geral.

Estimadas companheiras e estimados companheiros:
Com base nos artigos nos artigos 6 e 15 da Lei No 339 'Lei Criadora da Direção Geral de Serviços Aduaneiros e de Reforma da Lei Criadora da Direção Geral de Ingressos', publicada em 'La Gaceta', Diario Oficial No. 69 de 06 de abril de 2000, artigo 578 alínea e) do Regulamento do Código Aduaneiro Uniforme Centroamericano (RECAUCA), fica determinado o seguinte:

1- É proibido o ingresso no território nacional com binóculos de visão noturna, por ser um objeto de uso privativo do Exército Nacional da Nicarágua e da Polícia Nacional, em conformidade com a Lei No 510, Lei Especial para o Controle e Regulação de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e outros materiais relacionados.

2- Quando o viajante traz consigo ou em sua bagagem binóculos de qualquer tipo, a administração ou a delegação aduaneira efetuará no local, em coordenação com a Polícia Nacional (Terminal Aérea), a emissão da 'Certificação de Não Regulação' em favor do viajante, com a qual será liberado o ingresso com os binóculos.

3- Em caso de turistas, quando o viajante trouxer consigo ou em sua bagagem binóculos de visão noturna, a administração ou delegação aduaneira em coordenação com a Polícia Nacional (Terminal Aérea) efetuará a retenção do objeto. Posteriormente, o viajante poderá solicitar a retirada da mercadoria retida, com a apresentação do 'Formulário de Retenção' no momento de sua saída no Posto de Controle de Fronteira por onde ingressou no país.
4- Os binóculos que não obtiverem a 'Certificação de Não Regulação' da Polícia Nacional e que não forem retirados pelo viajante depois de (3) meses posteriores à retenção realizada, serão confiscados mediante a entrega da ata à autoridade superior da Polícia Nacional.

Rubrica
Somos Pueblo
CRISTIANA, SOCIALISTAS, SOLIDÁRIA!
Direção Geral dos Serviços Aduaneiros
Km 4 ½ Carretera Norte Telefono: 2249-3154/53"

A medida tomada em 16 de janeiro repercutiu em alguns jornais, coincidindo com o início da divulgação do novo documentário da Brasil Paralelo: NICARÁGUA: Liberdade Exilada.

Segundo o El País:

"Medida foi adotada depois que repórteres e documentaristas chegaram ao país para registrar a repressão que os nicaraguenses sofrem desde 2018". 

A mesma descrição foi usada no Jornal O Globo. 

Turistas estão proibidos de entrar no país com equipamentos fotográficos e binóculos de visão noturna pela Direção-Geral de Serviços Alfandegários da Nicarágua (DGA). Está previsto que os equipamentos sejam retidos por agentes da fronteira em articulação com a Polícia nacional.

O ex-deputado Eliseo Núñez, que está exilado na Costa Rica, reportou ao El País: 

"Isso poderia ser chamado de 'coreanização' da Nicarágua", fazendo uma referência à censura do regime de Kim Jong-un na Coreia do Norte. 

O ex-deputado foi além: 

"Vai além do que os regimes cubano e chinês fazem com os turistas e tem como objetivo fechar a Nicarágua a qualquer observador externo. A proibição de câmeras é algo que pode soar inútil diante dos celulares de última geração, mas o regime aposta que quem chegar com celular não estará constantemente em busca de informações. O mais dramático é como isolam o país”.

De acordo com texto do jornal O Globo, fontes do setor aduaneiro sustentam que, mais do que uma medida de arrecadação de impostos, o regime sandinista estaria usando essa lei “com fins políticos para impedir o trabalho de jornalistas ou documentaristas”.

A proibição prevê um longo inventário de modelos de câmeras, filmes e lentes que não podem entrar na Nicarágua. Na circular da DGA, como reporta O Globo, três marcas se destacam com seus equipamentos proibidos: Canon, Sony e Nikon.

Um dos fotojornalistas mais renomados da Nicarágua, Carlos Herrera, reportou ao El País que a proibição mira equipamentos de última geração, que são caros, aparelhos aos quais turistas comuns não teriam acesso. Disse também que essa medida:

"É mais um mecanismo de censura contra jornalistas e documentaristas que tentam registrar o clima de opressão no país."

Quem quisesse entrar na Nicarágua com câmeras ou equipamentos de filmagem 'profissional ou amador' precisava do aval da ex-nora do casal presidencial: Daniel Ortega e Rosario Murillo. Diretora da Cinemateca Nacional, Idania Castillo é próxima da vice-presidente do país. 

Castillo foi a responsável por enviar declarações oficiais à imprensa internacional no auge da repressão policial e paramilitar contra os protestos sociais de 2018. Ela é quem possui a função de supervisionar as produções audiovisuais e cinematográficas realizadas na Nicarágua.

Recuo após polêmica internacional

A retração, reportada pelo Confidencial Digital, descreve que a ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo sinaliza recuo da decisão de proibir turistas de viajarem para a Nicarágua com binóculos e câmeras fotográficas. A revogação da medida veio dois dias depois de sua divulgação.

Embora Ortega declare isso após a polêmica, sua esposa e vice-presidente do país, Rosário Murillo, já tinha afirmado que:

“A primeira informação tem a ver com a decisão que nosso comandante Daniel (Ortega) transferiu para a Direção Geral de Alfândega para eliminar todos os obstáculos à introdução de equipamentos fotográficos ou de filmagem para aqueles que visitam nossa abençoada Nicarágua”.

Ainda segundo a vice-presidente:

“Há muitas pessoas que estão vindo para cá (Nicarágua) para fazer documentários”, então “não há restrições para a introdução de equipamentos de filmagem ou fotográficos”. 

Ela justifica que a decisão de Ortega está baseada no fato de que cada vez há mais interessados em visitar a Nicarágua, observar pássaros e passear pelas belezas da nação. 

Atualmente, a Nicarágua vive em um estado policial que viola o direito dos nicaraguenses à liberdade de reunião e associação. Ainda hoje, há 235 presos de consciência no país, enquanto Ortega se mantém no poder e se afirma vítima do intervencionismo na política interna, sem responder aos abusos de direitos humanos cometidos por seu regime - completa a matéria do jornal Confidencial Digital.