Investigações conduzidas pelo Estado
Nos últimos 26 dias, ao menos nove casos suspeitos de intoxicação por metanol foram registrados no estado, envolvendo diferentes tipos de destilados, como gim, uísque e vodca.
A Secretaria de Saúde de São Paulo informou que monitora o cenário e que, por meio do Centro de Controle de Intoxicações, já orientou hospitais e prontos-socorros sobre sinais clínicos e condutas a adotar.
Na capital, a Vigilância Sanitária realizou 43 inspeções em bares, restaurantes e distribuidores entre 22 e 26 de setembro.
Dessas ações, resultaram duas autuações, a interdição de bebidas relacionadas aos casos e o recolhimento de garrafas pela polícia para análise pericial.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu nota de alerta nacional para que profissionais de saúde considerem a hipótese de intoxicação por metanol em pacientes com sintomas como visão turva, vômitos, tontura e confusão mental.
O texto também recomenda que bares, restaurantes e comerciantes reforcem a checagem da procedência das bebidas, observando selos fiscais, lacres, rótulos e rastreabilidade dos lotes.
“São sinais de alerta para suspeita de adulteração: preço muito abaixo do praticado, lacre/cápsula tortos, vidro com rebarbas, erros grosseiros de ortografia ou acabamento gráfico, lote divergente da nota, odor irritante ou de solvente e relatos de consumidores com visão turva, dor de cabeça intensa, náusea, tontura ou rebaixamento do nível de consciência após consumo. Nestas situações, não realizem ‘testes caseiros' (cheirar, provar, acender): tais práticas não são seguras nem conclusivas”.
O Conselho Nacional de Combate à Pirataria, vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor, detalhou medidas adicionais: compras apenas de fornecedores formais com nota fiscal válida, conferência rigorosa dos lotes e vedação ao recebimento de garrafas com lacres violados ou rótulos desalinhados.
Possível ligação com o Primeiro Comando da Capital
A Associação Brasileira de Combate à Falsificação levantou a hipótese de que cargas de metanol importadas ilegalmente para adulterar combustíveis tenham sido desviadas para destilarias clandestinas que produzem bebidas falsas.
Segundo a entidade, facções criminosas, entre elas o PCC, podem ter revendido o produto a quadrilhas de falsificadores.
Um relatório recente da associação aponta que, em 2025, o setor de bebidas perdeu cerca de R$88 bilhões para o mercado ilegal, sendo R$ 29 bilhões em tributos sonegados e R$59 bilhões em perdas de faturamento.
As autoridades também alertaram os consumidores: em caso de suspeita, a recomendação é interromper o consumo, procurar atendimento médico imediato e acionar o Disque-Intoxicação da Anvisa (0800 722 6001).
O que é Metanol?
O metanol é um tipo de álcool usado em combustíveis, solventes e produtos industriais, mas proibido para consumo humano. É uma substância incolor, com gosto e cheiro semelhantes ao etanol, o que dificulta sua identificação imediata.
O problema surge quando o fígado metaboliza o metanol em formaldeído e ácido fórmico, compostos tóxicos que se acumulam no organismo e atacam nervos e órgãos.
Os efeitos mais característicos são os danos ao nervo óptico, que podem causar cegueira permanente, além de coma e morte.
O formiato age de forma semelhante ao cianeto e interrompe a produção de energia nas células. O cérebro é muito vulnerável a isso”, explicou Christopher Morris, professor da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
O envenenamento por metanol é considerado uma emergência médica. Pode ser tratado com hemodiálise e medicamentos que retardam o metabolismo da substância.
Em alguns casos, administra-se etanol, que compete com o metanol no organismo. “O antídoto mais importante é o álcool comum”, disse Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras.
O toxicologista Alastair Hay, da Universidade de Leeds, explica que “o etanol atua como inibidor competitivo, impedindo em grande parte a metabolização do metanol, permitindo que o corpo o elimine mais lentamente pelos pulmões, rins e suor”.
Os sintomas iniciais incluem:
- dor abdominal;
- náusea;
- vômito;
- dor de cabeça;
- sonolência;
- convulsões e visão turva, muitas vezes confundidos com embriaguez.
Conforme a intoxicação progride, pode ocorrer midríase (dilatação anormal da pupila, que deixa de reagir adequadamente à luz). Também podem surgir insuficiência renal e distúrbios visuais graves.
Estima-se que a dose letal mínima seja de 80 gramas em pacientes não tratados, mas problemas de visão podem aparecer com a ingestão de metade dessa quantidade.
Enquanto aguardam os laudos finais do IML, familiares das vítimas cobram rapidez nas investigações e responsabilização dos envolvidos.
O episódio expôs as falhas de fiscalização no setor e reforçou o alerta sobre os riscos do consumo de bebidas de procedência desconhecida.