Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.
O uso da tecnologia na segurança pública tornou-se um imperativo. É difícil pensar no trabalho policial e na produção de segurança sem banco de dados, tablets e celulares funcionais, câmeras de videomonitoramento, equipamentos táticos para fiscalização (etilômetro, decibelímetro, etc.) e treinamento, como os estandes de tiros ou pistas de tiros virtuais.
Por outro lado, é na segurança onde o debate público sobre o uso de tecnologias invasivas é mais necessário.
O uso intensivo de câmeras e sensores de monitoramento é um importante recurso para dissuadir os criminosos, ao mesmo tempo que possui o potencial de destruir o direito à intimidade e ser um instrumento de controle social e político poderoso.
Basta lembrar que na obra distópica "1984", de George Orwell, o controle estatal era exercido através de televisores que funcionavam como câmeras de vigilância, permitindo ao "Partido" monitorar os cidadãos o tempo todo, sem que fossem percebidos.
Portanto, a tecnologia por si só não é boa ou má, mas a forma como ela é empregada por uma política pública define seu caráter.
Essa é a questão, trata-se de um debate sobre princípios que definem e delimitam as regras de uso da tecnologia e não sobre a tecnologia em si.
Os casos das câmeras corporais em policiais e da ampliação do reconhecimento facial são dois ótimos exemplos.
Gravar a vida do policial por 12 horas (turno de serviço) é um poderoso recurso para evitar abusos e erros policiais.
Da mesma forma, realizar rastreamento facial contínuo e manter banco de dados biométricos de toda a população é um poderoso recurso dissuasório contra criminosos. No entanto, ambos violam o direito à intimidade e permitem o controle social.
O debate público maduro é aquele que nos permite encontrar um ponto médio entre o direito à segurança e o direito à intimidade.
Mas, infelizmente, não é o que tem ocorrido. O debate sobre princípios tem sido substituído pelo debate sobre "quem" pode e quem não pode ter direito à intimidade.
Para a esquerda, câmeras corporais devem gravar o turno policial sem qualquer tipo de restrição, exatamente o que ocorria em São Paulo até 2023.
Resultado: policiais femininas, ao entrarem em seu alojamento para ir ao banheiro, acabavam por filmar outras policiais se trocando; policiais (mulheres e homens) eram gravados ao entrar no banheiro, fazer suas refeições ou utilizar o WhatsApp em conversas particulares (a câmera fica na altura do peito).
Nem o Big Brother de George Orwell foi tão longe na violação dos direitos à intimidade e imagem.
Mas, partidos de esquerda e defensores públicos têm ajuizado ações para impor esse tipo de "política" aos governadores.
Esse mesmo grupo político que ignora a violação dos direitos à intimidade dos policiais, quer impedir qualquer tipo de reconhecimento facial, com recorrentes ações judiciais.
A alegação: preservar "direitos à intimidade" e evitar "controle social". Não é um posicionamento a favor de direitos, mas contra qualquer direito aos policiais.
Não se pode substituir a "formulação de política pública" por compra de tecnologia.
Controlar o abuso e o erro policial é necessário em todas as democracias e nenhuma delas faz isso gravando indiscriminadamente a vida do policial por 12 horas.
Uma política requer qualificação contínua, suporte psicológico, identificação precoce de desvios e aplicação de medidas legais, garantindo o direito à defesa. A solução deve ser tão complexa quanto o problema.
Assim como o reconhecimento facial deve ser aplicado em situações específicas, obedecidas as obrigações legais e com controle externo.
As câmeras corporais devem ser utilizadas seguindo os mesmos critérios. Gravar a interação do policial com o público é fundamental, mas sem que isso represente uma acusação prévia.
A câmera deve ser um instrumento de trabalho que colete provas, proteja o policial de falsas acusações (importante em tempos da woke "guerra contra a polícia"), que controle abuso e erro, mas que também faça reconhecimento facial de criminosos que passem pelo policial.
Quando o debate se baseia em princípios, a solução sempre será a melhor.