Quem foi Mary Wollstonecraft e qual a sua importância para o movimento feminista?
Mary Wollstonecraft é considerada a mãe do feminismo. Seu principal livro vem sendo resgatado por autoras feministas atuais. Conheça sua vida e suas ideias.
Mary Wollstonecraft é considerada a primeira pensadora feminista da história. Escritora, filósofa e pioneira pelo ativismo das mulheres, ela chegou a enfrentar pensadores consagrados de seu tempo. Conheça sua biografia, suas ideias e sua importância para o movimento feminista.
Para saber mais sobre as origens do feminismo e sua influência na história moderna, a Brasil Paralelo elaborou um e-book sobre Feminismobaseado nos estudos da historiadora Ana Campagnolo. Não perca a oportunidade de conhecer as origens e os principais pensadores de um movimento que influencia o debate público de hoje.
Em 1759, nasceu Mary Wollstonecraft, em Spitalfields, no interior da Inglaterra. Era a segunda filha de um casal que tinha sete outros. Nasceu em berço abastado, mas seu pai gastou a fortuna familiar em jogos, apostas e bebidas.
Mary Wollstonecraft vivenciou a falência financeira de sua família causada pelo pai. Além das despesas excessivas, o alcoolismo tornava-o violento. Por vezes, ele agredia a esposa e as filhas.
Em muitas situações, Mary protegeu a mãe e as irmãs tentando impedir as agressões do pai.
Para se sustentar e não depender da família, Mary trabalhou como governanta em casas de famílias abastadas. Grande parte de suas ideias são frutos de observações das mulheres nas casas onde trabalhou e dos problemas vivenciados com o pai.
Devido a essas experiências, publicou os romances:
Mary: a fiction (1788);
Original stories from real life (1788);
e o póstumo The wrongs of woman, or Maria (1798).
Incomodada com a falta de opções de carreiras para mulheres no campo, Wollstonecraft mudou-se para Londres. Lá ela aprendeu de forma autodidata a falar alemão e francês, e passou a trabalhar como tradutora e resenhista no periódico Analytical Review, de Joseph Johnson.
Começou a frequentar jantares na casa do novo chefe, onde entrou em contato com iluministas como o político Thomas Paine, o filósofo William Godwin e o artista Henry Fuseli. Ali, debatia sobre política, literatura e, principalmente, sobre a Revolução Francesa.
Wollstonecraft tornou-se defensora ferrenha da igualdade, da liberdade e da fraternidade, conceitos que surgiram na França revolucionária.
Em 1790, rebateu as críticas feitas à Revolução Francesa pelo conservador Edmund Burke. Publicou anonimamente o artigo intitulado “A reivindicação dos direitos dos homens”, o texto defendia a revolução como uma chance de obter virtude e felicidade.
Publicou uma segunda edição e dessa vez assinou. Desse modo, seu nome tornou-se mais famoso em Londres.
Em seguida, mudou-se para a França, onde dois anos mais tarde publicou sua obra mais famosa: “Reivindicação dos direitos da mulher''.
O que Mary Wollstonecraft defendia?
Quadro representando Mary Wollstonecraft.
Mary Wollstonecraft, considerada a primeira feminista da história, escreveu “Uma reivindicação pelos direitos da mulher” como uma forma de contestar vários pensadores de sua época, inclusive iluministas, por entender que estes ignoravam o problema das mulheres.
Em alguns pontos, Mary é como as feministas de hoje, pois defendeu pautas semelhantes. Em outros, é completamente diferente.
Por exemplo, há uma crítica de Mary Wollstonecraft às mulheres e aos movimentos femininos que é incompatível com o movimento feminista de hoje: ela criticava mulheres que se comportavam como homens, às quais chamava de mulheres masculinizadas.
Mary também defendia a maternidade e chegava a defender, em alguns pontos, a modéstia e a castidade.
Acreditava que todos os problemas da humanidade e os problemas morais dos homens poderiam ser solucionados com a razão, com a ciência e com a educação. Assim também pensavam os iluministas.
Suas principais ideias são:
o privilégio de ser mulher;
o problema do duplo padrão moral;
a semelhança entre homens e mulheres;
a educação feminina.
Cada um destes pontos será explicado.
O privilégio de ser mulher
Mary acreditava que as mulheres eram privilegiadas, uma ideia diferente do que é defendido pelas feministas de hoje. Atualmente, as feministas afirmam que as mulheres são oprimidas pela sociedade e pela cultura. Mary Wollstonecraft porém não defendia isso.
Como primeira feminista, vivendo nos anos 1700, Wollstonecraft entendia que as mulheres eram socialmente privilegiadas. Ela escreveu:
“As mulheres às vezes se vangloriam de sua fraqueza, ganhando poder de modo astuto ao jogar com a fraqueza dos homens. E elas podem louvar sua influência ilícita, porque, como paxás turcos, têm mais poder do que seus senhores, mas a virtude é sacrificada às satisfações temporárias, e a respeitabilidade da vida, ao triunfo de uma honra. As mulheres, como déspotas, talvez tenham agora mais poder do que teriam se o mundo fosse governado por leis deduzidas do exercício da razão”. Reivindicações dos Direitos das Mulheres, Mary Wollstonecraft
Mary reclamava que as mulheres da sua época eram fúteis, que só pensavam em cabelo, moda, vestido e sapato, que só gostavam dessas futilidades, de fofoca e não se ocupavam de assuntos sérios como a república, a filosofia ou o combate político.
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Mary reclamava inúmeras vezes de que as mulheres eram muito privilegiadas, pois, por exemplo, não precisavam trabalhar tanto quanto os homens e mesmo assim recebiam as vantagens de ter o que comer e de ter onde morar.
O problema do duplo padrão moral
Mary contestava o duplo padrão moral. Esse conceito é a ideia de que para as mulheres é mal visto relacionar-se com vários homens, enquanto o contrário nem sempre é verdadeiro, pois para os homens há uma certa normalidade.
É como a indagação popularmente feita: “Por que um homem que vai para o carnaval e fica com todas as mulheres é um garanhão e uma mulher que vai para o carnaval e fica com todos os homens é uma vagabunda?”
Mary era contrária a essa moral burguesa que aliviava tal comportamento para os homens. Ela acreditava que homens e mulheres deveriam ser julgados pelo mesmo padrão moral.
A semelhança entre homens e mulheres
Para Mary, homens e mulheres não são diferentes socialmente, nem em questão de preferências, a não ser por questões culturais e históricas. Exatamente como o movimento feminista prega hoje.
De acordo com essa concepção, se os homens e as mulheres fossem educados para ser iguais, seriam iguais.
Se as meninas gostam de bonecas e os meninos de carrinhos, é devido a uma construção social. Se homens e mulheres se comportam de formas diferentes, é tudo resultado de uma construção social.
Neste ponto, o movimento feminista começa a negar a influência biológica, psicológica, hormonal, pois tudo é uma construção cultural e por isso deve ser derrubada. Mary Wollstonecraft também acreditava nisso.
“Mary não suportava a futilidade feminina, ela acreditava que se houvesse uma drástica mudança no que se exige das mulheres no plano educacional, então nós poderíamos saber, com clareza, quais são as tendências naturais da mulher e quais lhe são impostas”.
Mary defendia que, se as mulheres são fúteis e ficam o dia todo falando sobre cabelo e vestido, é porque não receberam uma educação igual à dos homens.
Este pensamento carrega duas premissas:
homens e mulheres só são diferentes por receberem uma educação diferente;
para contornar o problema da primeira premissa, Mary Wollstonecraft acreditava que a educação deve ser pública, obrigatória e mista para nivelar a cultura entre os sexos.
A autora defende que a maneira ideal de igualar a formação de homens e mulheres é colocar a educação das crianças sob o cuidado do Estado.
No curso Uma Breve História do Feminismo a professora Ana Campagnolo diz:
“Como iluminista confessa que era, Mary acreditava que a salvação da humanidade aconteceria através da educação. Ela afirmou que os homens e as mulheres da sua época eram incapazes de criar os próprios filhos, mas parecia esquecer-se de que o Estado é composto por esses mesmos homens. Em que se baseava para afirmar que os pais que trabalhavam para o Estado eram mais aptos do que os pais que trabalhavam pelos seus próprios filhos na educação dos mesmos? A idolatria da razão, característica deste período, ajuda a entender este pensamento. Imaginavam eles que tanto o conhecimento quanto a virtude eram aprimorados pelos emprego do racionalismo, o que colocava a devolução religiosa da família em descrédito diante do que poderiam oferecer os pensadores iluministas”.
No seu livro, Mary escreveu conselhos para as mulheres. Segundo ela, as mulheres deveriam controlar suas paixões e escolher homens melhores, viver um casamento decente e adequado.
No entanto, quando se casou, fez tudo ao contrário do que pregava.