Nipofobia ou valorização de um patrimônio secular?
A decisão gerou um intenso debate e repercutiu nas redes sociais.
“Racismo e ódio de quem diz lutar pela causa. Mais do mesmo. Não falha nunca”, diz o usuário @rob_nascimento.
“O bairro da liberdade é tradicionalmente oriental. Por que isso, bem na liberdade?”, questiona a usuária @adinacarvalho.
“Num país tão diverso, esses extremistas acham que não dá pra conviver negros e japoneses, eles na verdade querem o fim de outras raças, somente isso.
Desserviço aos negros trabalhadores deste país!”, enfatizou o usuário Doug B.A
Arquiteto, urbanista e artista plástico, Rafael Simões acredita que a abordagem seja equivocada:
“A medida é um contrasenso e, de certa forma, nipofóbica. Por quê? Por um lado, a memória negra merece todo o respeito, sobretudo, por ser uma igreja antiga. E é de um cemitério que estamos falando. No entanto, ainda que as lanternas sejam retiradas, a poluição visual continuará. Portanto, não faz sentido desalojar algo simbólico em todo o bairro central reconhecido pela associação com a cultura nipônica”.
Simões enfatiza que seria possível ter trazido as lanternas para frente ou mesmo adotado outra estratégia arquitetônica para aumentar a visibilidade, “até porque a existência daquela grade já descaracterizou o entorno da igreja”.
Em entrevista exclusiva à Brasil Paralelo afirmou que a abordagem de substituir uma cultura pela outra é injustificável:
“A memória de um negro ou indígena vale mais do que a memória dos imigrantes asiáticos? Então vamos ponderar, o negro tem mais importância que o nipo?, questiona.
A coordenadora da União dos Amigos da Capela dos Aflitos (Unamca), associação que fez o pedido à prefeitura, enfatizou que a mudança não é uma oposição à memória japonesa, mas sim um esforço para preservar um patrimônio histórico de 245 anos. A ativista também questiona:
"O que São Paulo busca apagar está guardado ali".
A ativista ainda enfatiza que o beco que é lotado de caminhões, vans e motos que abastecem estoques de lojas na região:
"A rua é uma doca, não conseguimos nem abrir o portão da capela".
No perfil do X do jornal Folha de São Paulo, há internautas que apoiam a alteração do espaço público:
“Onde está o racismo?”, questiona Sâmia Teixeira.
“Pelo amor de deus, gente, leiam o diacho da matéria, deixem de ser preguiçosos. A importância desse pedaço do bairro para os negros e indígenas vem desde antes da imigração japonesa. É só UM BECO do bairro todo”, diz Ricardo Nakaoka.
Cemitério de negros, indígenas e indigentes
A Capela dos Aflitos é o que resta do primeiro cemitério público de São Paulo, inaugurado em 1774. Por 83 anos, foi o único cemitério da cidade, destinado principalmente ao sepultamento de pessoas de classes sociais mais baixas, como indigentes e escravizados. Em 1858, com a abertura do Cemitério da Consolação, o local foi desativado.
Durante esse tempo, o cemitério tornou-se um símbolo importante da história negra e indígena em São Paulo, embora não se saiba ao certo quantos corpos foram enterrados ali. Após o seu fechamento, o centro da cidade passou por várias reformas e construções.
Em 1978, a única capela remanescente desse período foi reconhecida como patrimônio histórico pela Prefeitura.
Em 2018, obras nas proximidades revelaram descobertas arqueológicas, incluindo ossadas de nove pessoas. No mesmo ano, a praça principal do bairro, antes chamada Largo da Forca, foi renomeada para Japão-Liberdade.
Em 2023, a Capela foi restaurada como parte de um esforço para preservar essa memória histórica. Três anos após a restauração, por pressão do movimento negro, foi sancionada uma lei para criar um memorial em homenagem à história da comunidade negra durante o período da escravidão. Esse novo projeto exigirá uma nova reforma, incluindo melhorias na instalação elétrica e a inclusão de sistemas de proteção contra incêndios e descargas elétricas.
Leia a nota da prefeitura na íntegra
"A SP Regula informa que a substituição das luminárias no Beco dos Aflitos, no bairro da Liberdade, foi uma medida tomada em resposta ao pedido de entidades ligadas ao movimento negro, que manifestaram preocupações quanto à adequação das lanternas Suzuranto ao contexto histórico da região.
Em compromisso com a transparência e o diálogo com a sociedade, sempre buscando soluções que respeitem a diversidade cultural e histórica da cidade, as lanternas, que remetem à imigração japonesa, foram consideradas inadequadas para o local, uma vez que o Beco dos Aflitos abriga a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, um marco histórico da época da escravidão no Brasil. A mudança foi feita antes do Dia da Consciência Negra, mas as lanternas Suzuranto foram mantidas no restante do bairro, preservando a herança da imigração japonesa. A decisão buscou equilibrar o respeito às diferentes camadas históricas e culturais presentes no bairro, garantindo que a memória de cada grupo seja adequadamente representada".