Representação das crueldades da escravidão no Brasil
“Já houve um historiador que disse que nós reconstruímos o passado a partir dos dados do presente, que é o presente que faz a história, e não a história que faz o presente”. Estas são as palavras de Alberto da Costa e Silva, diplomata e um dos mais destacados historiadores brasileiros. Com mais de 80 anos de idade, ele concedeu uma entrevista para explicar a escravidão no Brasil.
Além dele, a Brasil Paralelo contou com outros especialistas, como os historiadores e professores Thomas Giulliano, Flávio Alencar e Paulo Cruz, para abordar o tema.
Embora a história do Brasil esteja repleta de heróis e feitos marcantes, grande parte do ensino moderno não aborda esses episódios com a devida atenção. Para mudar isso, a Brasil Paralelo produziu uma série de documentários exclusiva - assista aqui gratuitamente!
O primeiro passo para estudar a escravidão no Brasil é entender que nosso país foi feito mais de fora para dentro do que de dentro para fora.
A maior composição do Brasil foi feita pela presença de indivíduos de outros continentes. Eles foram essenciais para a formação da primeira camada de nacionais brasileiros, os caboclos, mestiços de europeus e indígenas.
Quanto aos africanos, o Brasil recebeu mais de 5 milhões e possivelmente mais. Como eram trazidos por contrabando, não havia registros, relatórios ou estatísticas.
Infelizmente, poucos homens de conhecimento estavam interessados nas histórias de escravos durante o período da escravidão no Brasil.
José Bonifácio de Andrada e Silva, por exemplo, conversou com os escravos e ouviu deles sobre o percurso que fizeram. Alguns mudaram de proprietários de quatro a cinco vezes.
Se houvesse mais desses relatos, seria mais fácil entender a participação dos escravos na construção do Brasil. Atualmente, os historiadores detêm-se exclusivamente nos aspectos mais cruéis da escravidão, sem ressaltar toda a riqueza que o povo negro trouxe.
Miscigenação
O Brasil tornou-se uma nação única já desde a época da colonização, pois os exploradores chegaram e permaneceram no país a ser explorado.
A presença constante dos europeus, especialmente dos portugueses, fez da miscigenação um fato brasileiro desde o descobrimento. Esta é a característica brasileira mais marcante, uma tese que se deve a Gilberto Freyre, um dos que melhor entenderam o país neste sentido.
De acordo com este sociólogo, o povo brasileiro é essencialmente uma mistura. A miscigenação não era vista com maus olhos até o século XIX, quando teses eugenistas começaram a propagar, por exemplo, que não se deve misturar sangue europeu com sangue africano.
Gobineau e Tocqueville, pensadores franceses, embora de maneiras diferentes, defendiam a tese de que o negro estava atrasado na linha evolutiva.
Mais tarde, surgiu a tese de que miscigenar era uma técnica para eliminar a população negra, a fim de gerar um branqueamento do povo.
Curiosamente, tudo mudou mais uma vez. Agora, os miscigenados são contados como sendo negros. Nessa perspectiva, miscigenar é aumentar o número da população negra.
Seguindo a linha de pensamento de Gilberto Freyre, não faz sentido falar de uma raça específica em um país como o Brasil.
O DNA mestiço
Hoje, muitos ativistas da causa negra não aceitam a miscigenação brasileira, porque sabem que isto é para tornar a própria causa ilegítima, já que não haverá separação do povo brasileiro com base na cor.
As mulheres indígenas, por exemplo, são consideradas como as grandes mães brasileiras, o grande ventre do país.
Os portugueses e outros imigrantes vieram em grupos predominantemente masculinos. A chamada boa composição da escravaria era aquela que deixava a África com três homens para cada mulher, o que não acontecia.
Estudos de DNA recentes provam que a presença indígena e africana é muito forte na composição do homem brasileiro, o típico que se vê na rua. Quanto mais se vai para o interior do Brasil, mais se vê o índio, o africano, o português, o alemão e o italiano.
Os escravos não eram apenas um meio de produção, mas também um agente significativo na formação social.
Assista a série Brasil – A Última Cruzada para conhecer a história do Brasil desde o descobrimento até a contemporaneidade.
Resumo da história da escravidão
A escravidão é um fato infeliz presente ao longo da história humana. Não é possível considerar as culturas ao redor do mundo, em seus milênios, sem considerar o papel da escravidão.
Trata-se de um problema universal, vinculado à formação de todos os povos. A condição de escravo foi o resultado de ser derrotado em uma guerra e perder a liberdade, nascer de uma escrava, ou não conseguir pagar dívidas. Até mesmo pais vendiam seus filhos por falta de condições econômicas.
A escravidão também ocorria por sentido religioso e por vingança. Por estas razões, usava-se o adversário como mão de obra.
Na história mundial e também no período colonial brasileiro, não se pensava que o escravo fosse um ser humano de menor dignidade. As pessoas não eram escravizadas por pensar-se que tinham menos valor como seres humanos.
O racismo
A escravidão era uma instituição totalmente reconhecida no mundo antigo. Por esta razão, falar de reparação histórica baseadas em raça e etnia é uma falácia, porque o fundamento não foi a cor.
O racismo nasceu da escravidão, não a escravidão do racismo.
A escravidão colonial brasileira e americana não é racial, mas se torna racial no século XIX, quando surgem as teses eugenistas. Afinal, os escravos eram associados com os africanos e seus descendentes.
O fato concreto de que a maioria dos escravos brasileiros veio da África fez com que o fato de ser africano se relacionasse com o fato de ser escravo. Esta é uma relação acidental. Ser africano não foi a justificativa para ser escravo. Era uma circunstância.
Somente no século XIX é que começaram a surgir justificativas para a evolução humana. Isto é alheio à explicação da escravidão no Brasil.
Os portugueses do século XVII acreditavam que todos os seres humanos tinham nascido de um mesmo casal, Adão e Eva.
Escravidão, Cristianismo e Renascimento
A cultura escravocrata começou a mudar quando os cristãos fizeram um acordo entre si de que, em caso de guerra, um cristão não faria de outro cristão um escravo. Com a cristianização da sociedade, a escravidão entrou em declínio na Europa.
Os que não respeitavam esta regra eram os muçulmanos, que ainda faziam os cristãos de escravos.
Foi o Renascimento que trouxe uma renovação do mundo antigo no que era bom e ruim. Entre muitos resgates, recuperou-se a noção de que o trabalho manual é inferior ao trabalho intelectual, considerado mais digno.
Durante a Idade Média, uma das principais regras monásticas era Ora et Labora. Mas os modernos desconsideraram o trabalho como meio de elevar o homem.
Neste contexto, a escravidão também foi recuperada pelo Renascimento, uma vez que os antigos a utilizavam. Ser contra a escravidão era considerado um preconceito cristão.
Quando se fala de escravidão no Brasil, é preciso recordar o Livro V das Ordenações Filipinas, diploma penal que estava em vigor no país. Ele estabelecia uma punição para aqueles que não batizavam seus escravos.
Aqueles que possuíam escravos menores de 10 anos deveriam batizá-los como se fossem seus próprios filhos ou perderiam o escravo para quem o havia denunciado. Se fossem considerados apenas coisas sem alma, como ainda se ensina, seria um sacrilégio batizá-los.
Aos maiores de 10 anos deveria ser oferecido o batismo, e se o escravo não quisesse, o proprietário era obrigado a chamar o padre local para convencê-lo. Se ainda assim não quisesse, o padre registraria que o escravo daquele senhor não quis receber o batismo, desobrigando o senhor de cumprir a lei.
Mas antes de abordar as principais características da escravidão no Brasil, é necessário compreender a questão na própria África.
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A escravidão africana
No século XVI, a possibilidade da escravidão era vicejante na África, pois as tribos faziam guerra e os vencidos se tornavam escravos dos vencedores. A África estava repleta de pequenos reinos, poucos deles firmemente estabelecidos.
O comércio de escravos no próprio território era sempre intenso. Os portugueses, por exemplo, não chegavam à costa africana arrastando à força os negros. Já havia um comércio de pessoas.
Os negros escravizavam negros antes que os portugueses escravizassem negros. As autoridades africanas negociavam com as autoridades portuguesas. A escravidão era tutelada porque era lucrativa.
A escolha dos africanos para serem escravizados não foi motivada pela cor da pele, mas pela oportunidade. Chefes e reis passaram a trabalhar com negociação de escravos, fazendo guerras e vendendo escravos a outros senhores.
O que a escravidão colonial fez na história do mundo foi inaugurar o comércio ultramar.
O interesse pela escravidão era financeiro, não racial. Não se considerava que o escravo fosse menos humano, ou que não tivesse alma. Esta noção não existia na escravidão no Brasil ou na África.
É importante ressaltar que não havia um regime escravocrata uniforme.
A escravidão do povo axânti era diferente da escravidão dos zambudos. A escravidão dos grandes reinos era diferente da escravidão dos pequenos.
Em alguns casos, após duas ou três gerações, o escravo se tornava um homem livre e até parte de uma família.
Parece estranho não pensar em si mesmo livre, mas pensar na liberdade de seu neto ou bisneto. É uma distinção importante, porque em algumas regiões da África o escravo continuava a pertencer a seu senhor mesmo após a morte.
Havia culturas que enterravam os escravos com uma corda no pescoço, mantendo a extremidade fora da terra para ser puxada para cima, se necessário. Isso não acontecia, mas demonstrava que a escravidão lá continuava.
Em algumas tribos, quando um chefe morria, o costume era matar 20, 30 ou até 40 escravos para acompanhá-lo na outra vida.
Em outros territórios, os descendentes de escravos continuavam sendo considerados como tal.
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A escravidão era praticada de diferentes formas
Que tipo de escravo veio ao Brasil? Os negros eram de diferentes linhagens africanas,pois vinham de diferentes regiões da África.
Ao estudar este assunto, não é o mais apropriado buscar a diferença entre a escravidão no Brasil e na África. Existem diferenças de tempo e lugar entre as escravidões adotadas por determinadas culturas.
Havia escravidão na África, mas no plural. A que nasceu lá era diferente da que nasceu no Brasil. Era diferente ser escravo em um novo continente, incluindo a convivência com negros que eram inimigos porque pertenciam a grupos étnicos diferentes.
As escravidões na América eram diferentes de escravidões na África e as escravidões na África eram diferentes de escravidões entre si e também na América.
Em Minas Gerais, no século XVIII, a escravidão era diferente da que ocorreu nos engenhos de açúcar de Pernambuco, no século XVII. A escravidão doméstica do Rio de Janeiro era diferente da que ocorreu na Bahia.
É simplista dizer que os africanos vieram para o Brasil. Vieram povos libolos, pendes, iorubás, pepes, mandingas, macuas e muitos outros. Muitos, tão diferentes, nunca se haviam visto em seu próprio continente.
Lima Barreto, jornalista e escritor, abordou a diferença do negro no Brasil em relação a outros lugares.
Havia embates entre negros africanos e negros brasileiros. Na colônia havia negros ricos, além de negros escravos. É claro que não era a regra, a escravidão no Brasil é uma mácula, mas para discutir a cidadania é preciso pensar sobre estas questões.
A escravidão assumiu formas muito distintas.
A origem da escravidão no Brasil
Por volta de 1530, quando os portugueses estabeleceram o sistema de capitanias hereditárias e iniciaram o processo de colonização de fato, iniciou-se o uso de mão de obra escrava.
Antes disso, a exploração de pau-brasil era obtida com a ajuda de índios e através de escambo, trocando mercadorias com eles.
Com a existência das capitanias, os engenhos de cana-de-açúcar começaram a se desenvolver. Como era uma atividade mais complexa e que demandava um grande número de trabalhadores braçais, foram utilizados negros.
No século XVII, os africanos se tornaram a maioria, superando o número de indígenas escravizados.
Qual foi o período da escravidão no Brasil?
O processo de escravidão no Brasil começou em meados de 1530 e terminou em 13 de maio de 1888. Quando os portugueses começaram a implementar efetivamente a colonização da América portuguesa, foi utilizado o regime escravocrata.
A região era difícil de explorar, os índios eram difíceis de serem dominados. Dentro das tribos indígenas, não havia escravidão. O inimigo de guerra não servia para produção de excedentes.
O negro vendido na costa africana, no entanto, era uma força de trabalho barata já acostumada com a agricultura e a mineração.
Entre os séculos XVI e XVII, houve muitas tentativas de escravizar os indígenas nativos, mas eles foram gradualmente substituídos por africanos que chegavam através do tráfico negreiro.
A escravidão foi o principal componente do sistema econômico brasileiro durante aproximadamente 400 anos.