Com informações de The Atlantic.
Durante séculos, a pobreza extrema foi um destino difícil de evitar para a maioria da população mundial. A fome, as doenças e a morte precoce eram companheiras constantes de sociedades em que metade das crianças sequer chegava à vida adulta. Mas isso mudou — e mudou de maneira surpreendente.
Entre 1981 e 2019, o número de pessoas vivendo com menos de US$ 2,15 (RS 10,60) por dia caiu de 44% para menos de 10% da população mundial. Ainda são centenas de milhões de pessoas vivendo em privação, mas os números mostram: a pobreza extrema não é um fardo imutável. Ela pode ser vencida — e em muitos casos, já foi.
Essa é a premissa central do artigo How Poverty Fell ("Como a Pobreza Caiu"), coassinado por Paul Niehaus, economista da Universidade da Califórnia em San Diego e cofundador da GiveDirectly. O artigo foi divulgado na revista americana The Atlantic.
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Gostaria de receber informação imparcial e de credibilidade? Clique aqui e conheça o RESUMO BP, a newsletter com a curadoria exclusiva da Brasil Paralelo. O pesquisador defende que todas as gerações viram a pobreza diminuir com o tempo. Isso indica que o progresso aconteceu dentro dos próprios grupos de pessoas, ao longo dos anos — e não apenas por mudanças entre gerações.
Apesar do avanço, os dados também mostram muita instabilidade. Muitas famílias que saíram da pobreza acabaram voltando. A conclusão? Sair da pobreza é possível, mas se manter fora dela ainda é um grande desafio. É como subir uma ladeira escorregadia.
Outro ponto importante foi o impacto de mudanças geográficas em cada país (como ir do campo para a cidade, ou da agricultura para o comércio) No entanto, o maior avanço veio de melhorias dentro dos próprios setores — por exemplo, agricultores com renda melhor, mesmo sem mudar de atividade.
Em conversa com a jornalista Jerusalém Demsas, da revista The Atlantic, Niehaus compartilhou as descobertas de uma das análises mais robustas já feitas sobre como, exatamente, milhões de pessoas saíram da pobreza extrema ao longo das últimas quatro décadas.
Niehaus propõe que, antes de qualquer debate sobre soluções, o mundo precisa reconhecer o fato básico: a pobreza extrema caiu.
Não por sorte, e tampouco de maneira acidental, mas como resultado de ações humanas e mudanças sociais. E, embora existam diversas explicações possíveis para o "porquê" da queda, o estudo foca no "como": o que, concretamente, aconteceu na vida das pessoas?
Esse foco leva à rejeição de narrativas simplistas. Não há um único caminho universal para sair da pobreza. Ao contrário, Niehaus revela que as trajetórias são múltiplas — e que entender essa complexidade é chave para formular políticas públicas mais eficazes.
Um dos mitos centrais contestados pelo estudo é o da "armadilha da pobreza": a ideia de que, uma vez pobres, os indivíduos estão condenados a permanecer assim sem intervenção externa salvadora. Os dados mostram o oposto. Milhões saíram da pobreza por seus próprios meios — e, ao mesmo tempo, muitas dessas mesmas pessoas retornaram a ela após choques adversos, como doenças, desastres naturais ou crises econômicas.
Ou seja, a pobreza não é um estado permanente.
O desafio, portanto, não é apenas “resgatar” os pobres, mas garantir que eles não voltem ao estado anterior. Isso implica redes de proteção social eficazes e sustentáveis — o que o economista chama de "suavizar a ladeira".
É comum ouvirmos que o caminho da superação da pobreza passa, necessariamente, por deixar o campo e ir para a cidade, migrar para empregos industriais ou depender de educação formal.
A pesquisa de Niehaus mostra o contrário: há tantas trajetórias quanto pessoas.
No estudo, observou-se que muitas pessoas progrediram permanecendo no meio rural, outras ao migrarem. Algumas prosperaram ao empreender, outras ao conseguir empregos formais.
As histórias variam radicalmente entre países: na Índia e na Indonésia, o empreendedorismo teve papel-chave; no México e na África do Sul, o emprego assalariado predominou.
Isso reforça que políticas públicas devem ser adaptáveis e sensíveis ao contexto — e não baseadas em modelos rígidos e unidimensionais.
A GiveDirectly, ONG cofundada por Niehaus, é pioneira no uso de transferências diretas de dinheiro para pessoas em extrema pobreza, sem exigir contrapartidas. A ideia é confiar nas pessoas para decidirem o que fazer com o recurso. A organização já operou em uma dúzia de países e é uma das mais bem avaliadas por rankings de caridade, como o GiveWell.
No entanto, Niehaus reconhece que o crescimento econômico, e não as transferências, foi o principal motor da redução da pobreza entre 1980 e 2019. As transferências ajudam a aliviar choques e promover estabilidade — mas, na maioria dos casos, não foram suficientes, em escala, para tirar as pessoas da pobreza. Ainda assim, o autor propõe que, se fossem feitas com maior ambição e escala, poderiam ter um papel central no fim da pobreza extrema global.
Talvez a parte mais surpreendente da entrevista seja o custo estimado para acabar com a pobreza extrema no mundo: entre US$100 e 150 bilhões por ano, entre R$550 e R$8,25 bilhões, ou cerca de 0,1% do PIB global. Em outras palavras, a dificuldade não está na falta de recursos, mas na logística e na vontade política. Como encontrar cada pessoa em pobreza extrema? Como garantir que o valor certo chegue às mãos certas? Niehaus defende que essas são questões técnicas e solucionáveis — não barreiras intransponíveis.
A narrativa de que os pobres estão presos em um ciclo eterno de miséria pode ser emocionalmente atraente e politicamente útil, mas é empiricamente falsa.
As evidências apontam para outra realidade: os pobres se movem, criam, adaptam-se e avançam.
E o nosso papel, como sociedade global, não é apenas salvá-los, mas oferecer meios para que avancem com mais segurança, mais rapidez e menos risco de queda.
Para Niehaus, o verdadeiro progresso está em reconhecer a capacidade das pessoas de decidirem por si mesmas.
Dar-lhes liberdade, meios e dignidade. Afinal, como ensina Amartya Sen, desenvolvimento não é só aumento de renda — é ampliação de liberdades.
Se há um mito que deve cair junto com a pobreza, é o da passividade. O mundo está mais próximo do fim da pobreza extrema do que imaginamos. Só precisamos decidir, coletivamente, dar esse passo final.
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