O que é o complexo de vira-lata?
O complexo de vira-lata é uma teoria criada por Nelson Rodrigues na década de 1950. Para ele, o brasileiro não atingia o ápice de seu potencial por possuir uma crença inconsciente de que é uma "etnia" inferior a dos demais, especialmente em face dos europeus.
Nelson dizia que o brasileiro precisava encontrar sua identidade para se desenvolver como país. A teoria surgiu especialmente devido as ideias de inferioridade racial de autores famosos do século XX, como Monteiro Lobato, Oliveira Viana e Nina Rodrigues.
Pode-se dizer que esses escritores defendiam complexo de vira-lata, já que defendiam abertamente que o brasileiro é produto de um "erro da natureza", chegando a defender uma "purificação racial", como será demonstrado abaixo neste artigo.
Autores como Gilberto Freyre e Ariano Suassuna, junto com Nelson Rodrigues, foram alguns dos principais defensores da identidade brasileira contra o complexo de vira-lata.
A primeira aparição do “complexo de vira-lata”
A descrição do complexo de vira-lata surgiu a partir da coluna de Nelson Rodrigues para o jornal Manchete Esportiva, no ano de 1958. O autor estava descrevendo o comportamento que observava nas ruas do país após a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil.
Mais de 173.850 pessoas estavam no estádio na final entre Brasil e Uruguai. Desde 1920, o futebol já tinha se tornado uma prática de todas as classes sociais em grande parte do país. A Copa de 1950 veio em um período no qual muitos brasileiros estavam entusiasmados com o esporte.
A seleção brasileira venceu partida por partida, conseguindo chegar na final do grande torneio. O público da última partida foi o maior das Copas do Mundo até os dias de hoje.
Os brasileiros estavam tão entusiasmados que os que ficaram de fora derrubaram os portões do estádio para poder entrar. Ao fim de uma partida acirrada... o Brasil perdeu. A seleção brasileira ainda não tinha nenhuma Copa.
Sobre os efeitos da derrota, Nelson Rodrigues escreveu:
“Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: — ‘O Brasil não vai nem se classificar!’.
E, aqui, eu pergunto: — não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado? Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo.
A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar.
Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1.
[...]
Gostaríamos de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: — o pânico de uma nova e irremediável desilusão”.
Após a descrição, ele diagnostica o complexo:
“Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.
Dizer que nós nos julgamos ‘os maiores’ é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade.
Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem.
Pois bem: — perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: — para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão”.
O pensamento de autores anteriores à análise de Nelson ilustra o complexo de vira-lata apontado. Um dos exemplos mais famosos é o pensamento de Monteiro Lobato:
“O Brasil, filho de pais inferiores — destituídos desses caracteres fortíssimos que imprimem — um cunho inconfundível em certos indivíduos, como acontece com o alemão, com o inglês, cresceu tristemente — dando como resultado um tipo imprestável, incapaz de continuar a se desenvolver sem o concurso vivificador do sangue de alguma raça original”. (Literatura do Minarete, por Monteiro Lobato, escrito em 1904 e publicado em 1959)
Outros autores como Oliveira Viana, Nina Rodrigues são exemplos de brasileiros que adotaram teorias racialistas para afirmar que os brasileiros miscigenados eram inferiores às ditas raças puras.
Para eles, ser branco e com ascendência europeia seriam fator determinante para a qualidade de vida de uma sociedade. Na década de 1930, com a publicação da revista Boletim de Eugenia, o movimento ganhou ainda mais força no Brasil.
Médicos eugenistas brasileiros defendiam a limpeza da linhagem brasileira de qualquer resquício de povos indígenas e negros. Renato Kehl, um dos fundadores da Sociedade Eugênica de São Paulo, escreveu dezenas de livros defendendo as práticas racistas.
Em seu livro A Cura da Fealdade, Renato defende abertamente a limpeza da linhagem brasileira e o embranquecimento da população. O movimento da eugenia no Brasil era organizado e possuía muitos membros.
A eugenia é um movimento organizado para acabar com a considerada “raça inferior” e dar poder à raça supostamente “superior”. Veja qual foi o alcance desse movimento e suas principais manifestações nos dias de hoje — clique aqui.