Em 1996, às margens da rodovia PR-158, no interior do Paraná, um momento histórico foi eternizado pela lente de um dos maiores fotógrafos do mundo: Sebastião Salgado. Era ali, entre Laranjeiras do Sul e Chopinzinho, que Salgado cruzava o caminho da família Borges. Entre eles, uma menina de cinco anos, com um olhar profundo e expressão séria, chamava a atenção — seu nome, Joceli Borges.
Essa imagem se tornaria símbolo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no Brasil e estamparia a capa do livro Terra, lançado em 1997.
Sebastião Salgado havia passado 16 anos, de 1980 a 1996, documentando o cotidiano de famílias sem lar no Brasil
Nas 137 fotografias em preto e branco, o artista retrata também mendigos, crianças de rua, presidiários e outros rostos que representavam a miséria brasileira.
O livro foi prefaciado por José Saramago, vencedor do prêmio Nobel de Literatura, e teve as primeiras edições comercializadas com trilha sonora de Chico Buarque em CD anexo, foi um marco.
Os direitos autorais da edição brasileira foram cedidos ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), permitindo ao grupo usar os lucros para financiar suas atividades.
Na ocasião de lançamento, em 1997, afirmou em entrevista de lançamento:
"O MST é um movimento de ocupação desse espaço vazio, para dar vida e sentido a essa terra. Eu o vejo como um elemento necessário tanto para a ecologia como para o lado social, da redistribuição de renda."
A criança da capa de “Terra” continuou no MST
Joceli Borges, cuja imagem percorreu o mundo em exposições e galerias, continuou no movimento por anos. Em 2012, aos 21 anos, ela vivia com o marido e a filha em um acampamento do MST em Quedas do Iguaçu (PR).
Trabalhava plantando mandioca, milho e feijão para vender na cidade.
O retrato famoso? Em uma entrevista, revelou que sonhava ter exemplares do livro: "Um pra mim e outro pro meu pai".
Sua vida foi marcada por dificuldades que nenhuma fotografia revelou. Em 2009, viu a mãe ser assassinada com um tiro na cabeça durante um conflito de terras. Fugiu por entre milharais, carregando no corpo o trauma que nunca estampa capas.
Sebastião Salgado cedeu os direitos autorais do livro ao MST. Nunca conheceu Joceli, nem ela a ele. Anos depois, um instituto criado por ele ofereceu à jovem uma bolsa de estudos. Ela recusou — não queria deixar a família. Quando perguntada pela reportagem da Folha de São Paulo sobre o que falaria se encontrasse Sebastião Salgado, respondeu:
“Quero conquistar meu pedaço de terra”, disse à reportagem. “Estudar não é mais importante pra mim.”
Hoje, Joceli e a família vivem em um barraco a 15 km da cidade.











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