Punição ou auxílio?

Essa verborragia não tão verborrágica, porque preenchida de um sentido direcional, dependeu historicamente de um espasmo interior profundo. Era preciso desaguar o mar ressacado que à força buscava me submergir num todo emotivo e infrutífero. O fervilhão apossava-se de mim e eu, do papel e do lápis, para dar um intuito construtivo à sua energia destruidora. 

Eis que me deparo com um novo momento no meu desenvolvimento, em que as experiências indesejadas não são encaradas preponderantemente com base no quadrante do sentimentalismo vitimista, mas sim da aceitação responsável dos problemas que batem à porta e que denunciam, antes de mais nada, a necessidade de um ajuste pessoal. 

Neste contexto inexplorado, a chegada de desafios não engendrou a costumeira emotividade que demandava a produção textual. Pelo contrário, instalou um estado meditativo que quer permanecer fechado dentro de si, em um silêncio contemplativo e revelador. E foi pelo poder desta modificação que acabei me ausentando deste espaço de diálogo que há tanto tempo já serve para desabafar minhas inquietudes mentais. Por isto, desta vez, o texto não é fruto de um desesperado anseio de libertação, mas de um intento consciente e esforçado de exteriorizar minhas reflexões ainda inconclusas. 

E como o assunto que particularmente me toca no momento são dos imbricados caminhos que podemos escolher e da responsabilidade do que nos acontece, é sobre isso que quero tratar brevemente. 

O provérbio popular diz que “a vida ensina”. A afirmação faz referências às dificuldades que a realidade certamente impõe a cada um de nós, passe o tempo que passar, quando somos pegos em ato indevido. É como se, ao presenciar nossa falha, a vida personificasse a justiça e nos colocasse em uma circunstância miserável como punição por nossas imoralidades. Experienciamos, assim, como consequência de nosso mau proceder, ainda que inconsciente, uma situação desajustada que provoca sofrimento. 

Esses episódios não aparecem apenas como resultado de uma maldade explicitamente presente, como também em decorrência de uma imaturidade que necessita ser posta à prova para que possa alcançar um patamar mais elevado. 

Entretanto, seja num caso seja noutro, nem sempre estamos dispostos a reconhecer o nosso quinhão naquilo que a vida nos entrega. Por isso, ao invés de adotarmos uma postura comprometida em detectar o que em nós despertou o problema, preferimos nos refugiar na figura da vítima inerme alvo de um destino amaldiçoado. Tal posicionamento não nos leva a sanar a causa fundamental que desencadeou o conflito e, portanto, permanece intocada em nós, sem ser combatida, provocando o aparecimento reiterado da mesma intempérie. 

Em alternativa à repetição aparentemente inclemente, há uma perspectiva mais funcional que nos faz encarar esses obstáculos como uma ajuda da realidade, que busca facilitar a identificação do nosso equívoco através da intensificação da perturbação. No que muitos enxergam uma punição, é imperioso reconhecer sua antípoda: um auxílio para que consigamos nos erguer acima da condição em que nos encontramos. O peso serve não para massacrar, mas para impulsionar o fortalecimento daquele que se nega a carregá-lo. Pela natureza desta dinâmica, quanto mais queremos nos esquivar dele, mais o fardo vai se tornando insustentável, até que encaremos o errôneo que deu princípio à sensação de mal-estar. 

Nesta nova clave interpretativa, lidar corretamente com as circunstâncias é encontrar o vício que as produziu e entender qual a justa medida da sua resolução, ou seja, qual a mudança interna e a ação que as extinguem, não baseado no rancor, no ódio, no ocultamento sorrateiro do sentimento, mas no seu sincero apaziguamento pela compreensão da sua causa e a aceitação de nossa responsabilidade. Isso não significa que não iremos padecer. Entretanto, utilizaremos essas sensações para nos movermos para o próximo degrau, como aliados que nos indicam em que fase estamos e qual aprendizado precisamos praticar. 

Deste modo, até mesmo aquelas pessoas que costumávamos ver como inimigas, por nos terem feito algo ruim, serão convertidas em auxiliadores nesta necessidade que temos de ir além do estágio atual. Elas explicitam nossas limitações, tornam visíveis nossos erros e servem de catalisadores para nossa evolução. Quando aceitamos olhar para a realidade como ela é, reconhecendo nossas qualidades e nossos defeitos de forma arrazoada, bem como as renovações necessárias, pavimentamos nossa subida. Isso pode ser mais desafiador, mas também garante que encontremos em cada cruz o nosso próprio renascimento.