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Julgando o Cinema do passado

Cada vez mais o cinema do passado corre o risco de desaparecer. Por quê?

Crítica
Cinema
© Warner Home Video
André Brandão
Comunicação Brasil Paralelo

Numa entrevista recente, o diretor Steven Spielberg disse que se arrependeu de alterar cenas de E.T.: O Extraterrestre (1982) para o relançamento do filme em 2002. O incomodavam as cenas nas quais agentes do FBI apontam armas de fogo para crianças. Ele decidiu trocar digitalmente as armas de fogo por rádios, para remover o peso que ele via nas cenas em questão. 

Anos depois ele diz se arrepender, argumentando que o filme era um produto de seu tempo, e deveria ser tratado como tal. O diretor ainda expandiu o argumento de que nenhum filme ou livro deveria ser revisado, de maneira voluntária ou forçada, para supostamente agradar o público atual, posicionando-se contra a censura desse tipo.

Mas do que exatamente ele está falando? Muitas vezes, o público desavisado nem percebe essas alterações. Estas mostram mudanças profundas no consumo de filmes e livros, tanto nos âmbitos tecnológico e mercadológico, quanto o cultural.

Spielberg menciona que "...ninguém deve tirar o chocolate da Fantástica Fábrica de Chocolate…". Ele se refere a como edições recentes de livros de Roald Dahl (A Fantástica Fábrica de Chocolates, As Bruxas, Matilda), têm sido revisadas, e em boa medida re-escritas, para "não ofender" e garantir a "relevância". Outro importante autor de literatura infantil, Dr. Seuss, tem sido revisto com a mesma intenção.

Esta é uma infeliz tendência dos "guardiões" da cultura; os editores, produtores e promotores culturais que intermediam a produção dos artistas de fato (vivos ou mortos) e nós, o público. Cada vez mais o olhar do presente, carregado de todas as tendência politicamente corretas e interesses políticos do dia, combinados ao desrespeito e arrogância que os "iluminados" de hoje têm em relação às obras que nos foram legadas, distorcem nosso olhar sobre a produção cultural de ontem e de hoje. Com crescente frequência, suas intervenções se tornam mais profundas e silenciosas. Auxiliados pela tecnologia de hoje, muitas das mudanças podem ser realizadas sem que o grande público possa se opor ou se quer perceber. Mas como?

A armadilha da distribuição digital

Plataformas de streaming, como Netflix e Disney+, ao serem assinadas, disponibilizam o acesso ao seu catálogo digital de filmes, mas em momento algum o cliente toma posse de algo. O que o cliente adquire ao assinar é o direito de acessar a mídia em um servidor remoto e de reproduzi-la em sua casa. A sua TV ou celular acessa, pela internet, o computador onde está o arquivo digital que é de fato o filme, e que é controlado por essas empresas. Abre então o arquivo e o reproduz para que você assista.

filmes do passado com avisos de perigo
Se você tem mais de 30 anos, já deve ter visto isto.

Por mais óbvio que seja, é importante ter isto em mente ao comparar com o modelo anterior, das fitas VHS e DVDs, o que é fundamentalmente diferente. Tempos atrás, você possuía uma cópia com direitos de exibição limitados. Você era proibido de copiar ou exibir aquele material de maneira pública com intuito comercial. No entanto, aquela cópia do filme era sua para exibição doméstica até o fim dos tempos. Ninguém poderia impedi-lo de assistir aquele filme no seu lar depois de adquirida a fita VHS ou o DVD. Por que essa diferença é tão importante?

Hoje, você não possui uma cópia própria para uso doméstico em seu aparelho de DVD ou videocassete. Você tem por tempo determinado pela plataforma o acesso à uma cópia do filme, que está de fato num computador que não é seu. Desta maneira, o filme em questão pode ser alterado ou apagado a qualquer momento, sem seu conhecimento ou consentimento, mesmo ao ser um cliente pagante. O mesmo modelo é usado em plataformas de leitura de livros digitais, como o Kindle da Amazon.

Em 2020, a HBO Max tirou de seu catálogo E O Vento Levou (1939), alegando que o filme perpetua estereótipos racistas, e que seria irresponsável mantê-lo disponível sem nenhuma "explicação ou denúncia". Semanas depois o filme retornou à plataforma, mas desta vez com um vídeo introdutório onde uma historiadora o contextualiza, dizendo que "...o filme glorifica um sistema de brutalidade…". Mesmo assim, eles declaram que manterão o filme disponível e inalterado em sua plataforma.

Com a intensidade das pautas progressistas cada vez mais aceleradas, até quando serão apenas avisos adicionados ao início dos filmes? A maneira que consumimos conteúdo hoje já nos estimula a assistir apenas a conteúdo novo. É possível que E O Vento Levou (1939) seja de fato apagado um dia. Estamos cada vez mais perto de um clima cultural onde obras não alinhadas possivelmente cairão no "buraco da memória" como em 1984 de George Orwell.

A vanguarda "woke" na Disney

A Disney tem sido pioneira nesse campo, e sua compra da 20th Century Fox preocupa a muitos. A empresa é famosa por algo que muitos chamam de "Disney Vault", o cofre da Disney, que consiste na prática de tirar de circulação títulos de seu catálogo para eventualmente re-lançá-los, criando escassez para que os relançamentos ganhem relevância. 

Algo que preocupa é o enorme e histórico catálogo da Fox estar potencialmente refém de uma empresa em boa parte comprometida com a pauta progressista, e que esse olhar sobre o cinema do passado pode fazer com que filmes clássicos simplesmente desapareçam.  

Dumbo (1941), Peter Pan (1953), Mogli, o Menino Lobo (1967)  e Aristogatas (1970) entre outros, já possuem avisos sobre "...retratos negativos de pessoas e culturas…" e que "...isto era errado na época e continua sendo errado…". O estúdio sinaliza de forma clara sua preocupação em atender as demandas da "cultura atual", relendo essas obras do passado com uma visão ideologizada de hoje. Em outras palavras, "sinaliza virtude" a cada oportunidade.

Este ato de pedir desculpas por algo que talvez não foi realizado por ninguém ainda vivo (o mais provável caso de Dumbo) e essa espécie de "culpa coletiva" é algo característico da cultura woke em voga hoje. 

A preocupação de que algo do passado que desagrada ou ofende é um grande problema a ser combatido é um claro sinal do que essas grandes potências de Hollywood pensam de nós. É como se fossemos crianças que não saberiam discernir ou contextualizar, quando com frequência é o olhar deles sobre esse legado que revela o que de fato pensam sobre as culturas que eles supostamente defendem.

Os corvos em Dumbo

Uma sequência que frequentemente gera controvérsia dentro do catálogo extenso e antigo da The Walt Disney Company é aquela em Dumbo (1941), onde o pergonagem principal conhece um grupo de corvos, dublados por atores negros. Muitos acusam a sequência de perpetuar estereótipos racistas. O estúdio não os incluiu em Dumbo (2019) sua nova adaptação da história para as telas.

No entanto, como Eric Goldberg coloca, diretor de Pocahontas (1995) e supervisor de animação em diversas produções do estúdio, este pode não ser o caso. Os corvos são inspirados em um grupo de artistas da época, chamados Jackson Brothers (sem relação com o posterior Jackson Five ou Michael Jackson) que dançavam no estilo que vemos nos corvos animados. Eles inclusive foram contratados e filmados para serem usados como referência pelos animadores.

Além disso, Goldberg diz como o tipo de dinâmica do grupo, as piadas e provocações entre eles, era algo visto em grupos de Jazz do início dos anos 40, e não estranhariam se fossem encontrados resquícios em um disco de Cab Calloway ou Louis Armstrong.   

Às vezes, parece-me que os americanos progressistas têm vergonha desse legado, e que algo tão simples e elegante como Bojangles Robinson dançando com Shirley Temple, no filme A Mascote do Regimento (1935), de alguma maneira os constrange. É como se os incomodasse quando alguém de fato desfavorecido supera dificuldades e transcende suas circunstâncias.

Todos sabemos que pessoas racistas existem, e que Robinson definitivamente teve uma vida desafiadora devido ao contexto onde viveu. Mas o grande Fred Astaire o homenageou em um sequência de dança em Ritmo Louco (1935), com o rosto pintado de preto (a tal repudiada "black face") reconhecendo a importância do fenomenal Mr Bojangles. Dizem alguns que Fred Astaire não queria usar a maquiagem, mas que os produtores o forçaram. Seria melhor que ele se recusasse a gravar então? Eu diria que não.

Esta sequência marcante da história do cinema é vista por muitos como um legado racista que deveria ser esquecido. A meu ver, é um julgamento anacrônico e precipitado, visto que é uma lenda em seu auge homenageando outra, e ambos representantes de uma arte hoje esquecida; o espetacular Hollywood Musical. Descartar esta sequência como racista é, no mínimo, um desperdício.

Quando comparado a tentativas de executar o gênero de hoje em dia, como La La Land (2016), os clássicos reafirmam sua perenidade. Basta assistir-los:

A luta para apagar "A Canção do Sul"

Existem casos famosos de filmes que desapareceram completamente, de maneira arbitrária. Um notório é A Canção do Sul, filme produzido pela Disney em 1946. A empresa se esforça em apagar este filme por considerá-lo racista. Eles afirmam que  seus personagens negros são retratados de maneira esterotipada, e que a maneira alegre que o contexto logo após o fim da Guerra Civil é retratado é algo inaceitável. Bob Iger, o presidente da The Walt Disney Company, disse que o filme "...não é apropriado para os dias de hoje…" e não estará disponível na plataforma digital da empresa.

Em seus parques a Disney reformará a popular atração Splash Mountain, baseada no filme, e também removerá a famosa canção Zip-a-Dee-Doo-Dah dos parques no esforço de apagar da história o legado do filme.

A canção do sul
Cópia de A Canção do Sul (1946) em VHS listado no eBay.com

O filme foi um sucesso de bilheteria quando lançado em 1946. Seus atores principais, ambos negros, não viram problema algum com o filme. O ator James Baskett chegou a dizer que toda a discussão sobre a questão racial do filme trazia maior prejuízo aos negros do que o filme em si poderia. Ele inclusive ganhou um Oscar honorário por sua interpretação do personagem Uncle Remus.

Ainda hoje existem aqueles que têm uma opinião positiva do filme, e vêem nele uma história de reconciliação depois de um conflito fratricida traumático, e também afirmam que todos os personagens, inclusive os brancos, são em boa medida estereotipados. No entanto, também mencionam que apenas os negros entendem o que está acontecendo e realmente são pessoas moralmente boas.

Independente se o filme é de uma maneira ou de outra, acho improvável vermos Hollywood produzir uma obra sobre um contexto histórico tão delicado que possibilitaria diversos pontos de vista. A tendência agora é que a visão política seja perfeitamente clara. 

Talvez estejamos próximos de perder os grandes filmes do passado. A maneira que eles chegam a nós facilitam cada vez mais que o esquecimento seja acionado por um botão nas mãos de algum executivo. Além disso, instituições que têm como missão preservar a história do cinema cada vez mais se dobram às vontades da militância progressista "woke"

Curioso como, pensando dessa maneira, aquelas fitas VHS e DVDs velhos que frequentemente pensamos em jogar fora agora parecem valiosos. Quando foi anunciado que alguns livros de Dr. Seuss não seriam mais vendidos nos EUA, as vendas daqueles títulos dispararam como nunca antes visto.

O que Spielberg avisava sobre a nova tendência de não honrar o legado do passado como um tesouro histórico a ser protegido, ao tratá-lo como apenas uma sequência de erros que chegam até nós para serem corrigidos, está mais presente do que nunca. Aqueles que criticam injustamente o passado e tomam essa linha de raciocínio falham em imaginar o que os grandes artistas de então pensariam de nós, e que lições poderiam nos ensinar. 

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