A animação Super Mario Bros. e seu estrondoso sucesso têm revelado alguns aspectos nada novos, mas às vezes esquecidos, de Hollywood e daqueles que compõem a indústria cinematográfica americana. Especialmente agora com a grande popularidade dos sites de avaliação e onipresença das redes sociais, nunca ficou tão evidente essa a divisão entre os críticos e o público...
Esse último lançamento me chama atenção: Por que em um filme com tão grande sucesso (mais de U$700 milhões de bilheteria mundial há apenas duas semanas da estréia) os críticos profissionais mostram tamanha rejeição enquanto o público o adora?
Uma primeira explicação possível seria que os críticos têm mais repertório, e estão de fato buscando medir a qualidade real do produto.
Gosto de pensar que o ponto de partida do crítico é o de uma pessoa com sua visão de mundo, opiniões e preferências particulares; um indivíduo tentando entender algo (um filme, no caso) que não dependa diretamente de outra pessoa para tal, idealmente privilegiando ser sincero a ser original. Um indivíduo real.
Se é isto de fato, esses inúmeros críticos deveriam discordar não apenas do público, mas entre si, com considerável frequência.
Afinal, em minha coluna sobre Super Mario Bros. também emiti uma opinião negativa sobre o filme. Mas os problemas que encontrei não parecem ser os mesmos discutidos por parte barulhenta da mídia.
A cada dez anos o British Film Institute publica em sua revista Sight and Sound a lista dos dez melhores filmes da história, em duas categorias: uma eleita pelos críticos, e outra eleita por diretores convidados. A primeira dessas listas foi publicada em 1952 e é uma importante referência que mede a contínua importância dos filmes tidos como clássicos.
A lista dos críticos de 2022 mostrou mudanças muito grandes. Enquanto nas edições anteriores filmes consolidados de grandes mestres disputavam o primeiro lugar, como Cidadão Kane (1941) de Orson Welles e Um Corpo que Cai (1958) de Alfred Hitchcock, no ano passado um filme muito pouco visto e que era o 36º colocado anteriormente pulou para o primeiro lugar, Jeanne Dielman (1975) de Chantal Akerman.
As razões são claras. Em 2022, a revista decidiu expandir seu eleitorado na lista dos críticos, indo de 846 para 1639, focada em atender as preocupações sobre diversidade, equidade e inclusão. Não à toa, um filme dirigido por uma mulher, percebido por muitos como feminista (assunto controverso, com a própria diretora afirmando que não é exatamente o caso) encabeça a lista.
Paul Schrader, importante roteirista e diretor, o qual menciono em minha análise do filme Silêncio (2016) na plataforma da BP, emitiu sobre essa lista uma opinião que compartilho; por mais que o filme de Akerman seja bom, essa jogada politicamente correta da lista não o ajuda, apenas coloca suspeita sobre a qualidade e legado do filme, descredibiliza a lista como um todo, a Sight and Sound e a própria BFI como instituição.
E aqui está a mudança mais recente. Não é um blogueiro ou uma conta qualquer no Twitter que promove esse tipo de visão "woke" frente ao cinema. Muitas instituições tidas como importantes referências, como a BFI, tem aderido e promovido intensamente essa visão.
Sites como Rotten Tomatoes revelam a frequente mentalidade dos críticos. Para aqueles adeptos da ideologia "woke", discordar não é uma opção. Mas o fato de um veterano de outra geração como Paul Schrader, progressista e iconoclasta em seu tempo, ter se manifestado contra esse revisionismo enviesado mostra como as coisas mudaram.
Em outros tempos, tanto os críticos mais radicais, intelectualizados e abertamente comunistas da revista francesa Cahiers du Cinéma quanto seus colegas mais famosos e populares, os americanos Siskel & Ebert, não tinham problema em ter uma opinião contra a corrente e apresentá-la abertamente para o público.
Os franceses dos anos 60, dentro de sua revista, estimulavam cada um a expor sua perspectiva pessoal. Via-se, na mesma revista, críticas contraditórias do mesmo filme. Eles admiravam diretores conservadores como John Ford e Howard Hawks, e tinham como gênero máximo do cinema o faroeste, que em seu auge era constituído de símbolos e preocupações fundamentalmente conservadoras.
No caso de Gene Siskel e Roger Ebert nos anos 80 e 90, o embate era mais dramático pois o faziam num programa de TV. Ficava claro em momentos que eles apenas toleravam um ao outro e não tinham problema em defender pontos em oposição. Esse era o maior atrativo do programa. Cada um defendia um posicionamento claramente pessoal, e muitas vezes esse embate enriquecia a discussão.
Em ambos os casos, o fato deles não concordarem, tanto os franceses na redação da revista quanto os americanos frente às câmeras de TV, era a grande atração desses críticos. Eles se expunham, tinham visões particulares e não abriam mão do contraditório.
Hoje em dia, os que ocupam estes lugares não parecem dispostos a tanto, o que pode os tornar, na melhor das hipóteses, chatos, e na pior, desonestos. O público percebe e se afasta.
Sites como iMDB e Letterboxd, além das redes sociais, deram voz a pessoas comuns, ao público que vai ao cinema. Vemos com frequência a opinião popular chacoalhar a câmara de eco da crítica. Bons filmes como Era Uma Vez Um Sonho (2020) de Ron Howard, apreciado pelo público, mas rejeitado pelos críticos chamam a atenção.
O filme conta a história de uma família pobre, de união e amor entre os membros desta e de superação, baseado em uma história real.
Por que ofendeu tantos críticos? Os personagens compõem uma família branca e do interior sendo deixada de lado pelas transformações sociais e econômicas sofridas nos EUA.
Os críticos “engajados” enxergam esse contexto como algo que diretamente dá voz ao eleitorado de Donald Trump. Portanto, uma história bem contada e emocionante sobre esse tipo de personagens pode ser vista como algo danoso para a sociedade do ponto de vista dos críticos, pois humaniza um recorte social visto como “problemático”, por mais que seja uma adaptação de um best-seller baseado em uma história real e reconhecido pelo público.
Cada vez mais vemos membros da indústria hollywoodiana como a atriz Viola Davis afirmando que seu filme A Mulher Rei (2022), ao não fazer sucesso de bilheteria, mostra que "...o público manda uma mensagem: mulheres negras não devem liderar nas bilheterias…".
Ou seja, ver o filme "correto" é mais do que apenas assistir a um filme: é um ato político, uma ação que leva à mudança social. Ver um filme "errado", faz mal à sociedade como um todo.
Dentro de tal lógica, me parece que a qualidade do filme em si importa cada vez menos. A qualidade da crítica, menos ainda. O importante é o quão bem ambos levam adiante “a mensagem”.
Super Mario Bros. incomodou alguns críticos por ter Chris Pratt, que além de não ser da etnia correta para ser a voz do Super Mario (pare e pensa o quão bizarra é esta preocupação) é abertamente cristão, e não participou de uma campanha de doação para a campanha presidencial de Joe Biden promovida pelo elenco dos Vingadores, dos quais ele é parte. Razões suficientes para ser cancelado, na visão de certos membros da mídia.
No fim das contas, Elon Musk resume de maneira simples a questão. Ao reagir a um tweet mostrando a diferença entre as notas dos críticos e do público para Super Mario Bros, ele constata o óbvio; "...os críticos estão desconectados da realidade".
O cinema foi a grande arte do séc. XX. Apesar das transformações recentes, continua em sua essência o mesmo. Os críticos, que poderiam nos provocar a observar mais atentamente, em sua maioria estão interessados em ser eles mesmos objetos de nossa atenção e admiração.
Isso não é novidade, mas agora me parece que estamos numa baixa histórica de qualidade, fruto em grande parte do sequestro ideológico intenso sofrido pela grande mídia. As vozes mais interessantes são poucas e difíceis de achar.
Talvez a frase dita por Sam Spade, personagem de Humphrey Bogart em O Falcão Maltês (1941), ilustre bem essa questão. Talvez o cinema seja, assim como a estatueta falsificada da trama do filme, "...the stuff that dreams are made of…".
Mas talvez, assim como no filme, precisamos nos dar conta do que são as coisas de fato, e colocá-las no seu lugar apropriado. Saber a diferença entre aquilo que está realmente na tela, e aquilo que alguns querem te convencer que está, mas que não se encontra em parte alguma.
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