“Jean Valjean, meu irmão, lembre-se que já não pertence ao mal, mas sim ao bem. Resgatei a sua alma. Libertei-a dos maus pensamentos e do espírito de perdição para a dar a Deus.” Adaptada muitas vezes para o teatro, televisão e cinema, a obra Os Miseráveis é ainda hoje usada como plano de fundo para a crítica da desigualdade social.
Esse clássico foi escrito após a queda da monarquia na França e retrata a questão política e social desencadeada pela Revolução Francesa, sendo um marco do movimento literário do Romantismo.
A obra foi publicada em 1862 e é considerada por muitos o ponto mais alto da carreira do escritor Victor Hugo. Além de retratar dilemas morais atemporais por meio de seus personagens, o livro revela os impactos que a Revolução Francesa teve nas instituições e valores da sociedade.
Victor-Marie Hugo nasceu em 1802, na cidade de Besançon, no leste da França. Foi escritor, dramaturgo, romancista, poeta, ensaísta, artista, além de possuir uma grande atuação política no país.
Seu pai foi um general das tropas de Napoleão Bonaparte, um republicano. Definia-se como deísta, pois acreditava na doutrina de uma religião racional de um “Deus ausente”, ou seja, que criou o mundo e o deixou. Sua mãe, por outro lado, era católica e defensora da monarquia.
Desde cedo, Victor Hugo conviveu com as tensões políticas e filosóficas de uma França pós-revolucionária.
Retrato de Victor-Marie Hugo.
Formou-se na faculdade de Direito por vontade do pai e depois foi atrás de suas aspirações literárias. Tornou-se um escritor de múltiplos gêneros e fora reconhecido já em sua época como expoente dos movimentos literários do Romantismo e do Realismo.
Sua atuação política direta começou ao se tornar membro do Senado francês em 1845, com uma postura monarquista. Após a Revolução de 1848, tornou-se detentor de uma visão mais liberal e republicana. Ao criticar o regime de Napoleão III, Victor Hugo foi exilado por mais de 18 anos.
Publicou poemas, ensaios críticos e peças teatrais. Foi, porém, sobretudo com a publicação do romance Notre-Dame de Paris (1831) que Victor Hugo começou a se evidenciar como um grande escritor francês.
Seu ideal de liberdade e a denúncia da miséria e dos problemas do século XIX permeiam toda a sua obra, bem como as grandes questões humanas. N’Os Miseráveis o autor conseguiu realizar sua obra mais famosa e consagrou seu vasto legado intelectual.
Victor Hugo morreu em 1885, em Paris, aos 83 anos. Foi enterrado no Panthéon, monumento francês onde estão os túmulos de grandes personalidades francesas, como Jean-Jacques Rousseau, Jean Monnet, Marie Curie, Alexandre Dumas, Voltaire e René Descartes.
“Um cético que cede a um crente é algo tão simples quanto a lei das cores complementares. O que nos falta nos atrai. Ninguém ama a luz como um homem cego”.
Por que o livro Os Miseráveis tem esse nome? Breve introdução e contexto da época.
Jean Valjean interpretado por Hugh Jackman.
A trama é protagonizada por Jean Valjean, um homem que ajudava a irmã viúva. Quando ficou sem emprego, roubou desesperado um pedaço de pão para alimentar os sobrinhos. Como consequência, foi condenado a trabalho forçado.
Após 19 anos como prisioneiro, o protagonista continua a carregar a marca de um passado condenável pela sociedade e leva o leitor ao encontro de diversas figuras de uma França que ainda sofre as consequências da Revolução Francesa e carrega o espírito revolucionário.
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Estão entre eles: prisioneiros, militares, prostitutas, clérigos, estudantes, revolucionários, membros da alta sociedade e mendigos.
O cenário criado evidencia a situação de desamparo em que viviam os mais pobres. Por essa razão, até hoje a obra é usada como referência em críticas de desigualdade social.
No século XIX, monarquistas e republicanos lutavam pelas ruas. O país ainda vivia a revolta que mais impactou o mundo. A Revolução Francesa, ocorrida entre 1789 e 1815, levou o povo às ruas e grupos de revolucionários aproveitaram-se da situação para instaurar seus ideais.
Ideias que eram, muitas vezes, contrárias ao que a maioria da população francesa apoiava. A principal referência intelectual desses revolucionários, Jean-Jacques Rousseau, por exemplo, advogava contra uma religião com dogmas, ao passo que a maior parte da população era católica.
Entre diversas mudanças de estrutura de poder, os revolucionários promoveram um massacre sem precedentes.
A situação no período foi sempre instável, sendo a última etapa o Império napoleônico entre 1804 e 1815.
Além da própria Revolução Francesa, outros dois acontecimentos dão a base para o cenário que Victor Hugo explora em Os Miseráveis: A Batalha de Waterloo e, principalmente, os Motins de Paris de 1832.
A Batalha de Waterloo ocorreu entre 1814 e 1815, foi um combate decisivo entre forças francesas, britânicas, russas, prussianas e austríacas. Napoleão Bonaparte saiu derrotado e pôs fim ao Império na França. Nas demais nações, as monarquias que foram derrubadas, foram restauradas.
Na França, a casa real de Bourbon, dos antigos reis franceses, voltou ao trono. Ainda assim, o clima de tensão entre os adeptos das ideias da Revolução e monarquistas permaneceu.
Apesar da vitória de pensamentos mais conservadores sobre o liberalismo na época, aconteceram, nos anos seguintes, uma série de revoltas burguesas na Europa.
A revolta de 1832 em Paris foi um motim contra a restauração da monarquia. O funeral de Lamarque, herói do exército de Napoleão Bonaparte, serviu de estopim para os protestos.
Toda essa situação descrita revela a impossível dissociação entre a herança da Revolução Francesa e a situação retratada em Os Miseráveis.
Personagens de Os Miseráveis
Jean Valjean e a pequena Cosette.
Apesar de normalmente lido em volume único com mais de mil páginas, Os Miseráveis é dividido em cinco partes, todos conectados ao personagem protagonista Jean Valjean:
Fantine: a obra começa apresentando Jean Valjean, logo após ser solto do encarceramento. O protagonista encontra o Bispo Myriel e assume uma nova identidade como Monsieur Madaleine para fugir de seu passado, tornando-se dono de uma fábrica. É na primeira parte que conhecemos o Inspetor Javert, o casal Thénardier, a jovem Fantine e sua filha, Cosette. O volume termina com Javert reconhecendo Valjean e o capturando;
Cosette: Valjean é condenado à servidão para o resto da vida e finge a própria morte para poder escapar. É nesse volume que Jean Valjean adota Cosette. Javert continua procurando por ele e Valjean consegue abrigo e trabalho como jardineiro de um convento.
Marius: a narrativa se volta para o personagem Marius, estudante de boa família de Paris;
Idílio da Rua Plumet e epopeia na Rua de S.Diniz: com os personagens já bem introduzidos, o volume explora os acontecimentos de Paris em 1832;
Jean Valjean: o fechamento da obra possui o nome do protagonista e desenvolve o final de sua vida. É na última parte que Jean Valjean chega para lutar nas barricadas e acontece todo o desenrolar da batalha. Após as revoltas, conhecemos o destino dos personagens, sobretudo de Valjean, Javert, Marius e Cosette.
Os personagens que possuem maior destaque na construção da narrativa são:
Jean Valjean: é o protagonista da história. É condenado por roubar pão para ajudar a alimentar os filhos da irmã, como anteriormente se disse. É liberado após 19 anos de trabalho forçado, mas não sem carregar consigo um papel amarelo que adverte os demais cidadãos de que ele é um ex-presidiário.
Bispo Myriel: é o único a acolher Jean Valjean após liberto. Todos que o protagonista encontra anteriormente o rejeitam por seu passado. Esse sacerdote é o responsável pela maior mudança do personagem, que passa a respeitar e agir diante dos olhos de Deus.
Fantine: é uma jovem que é abandonada grávida e sem condições de sustento. Passa a ser julgada pelos outros por sua situação. Quando sua filha, Cosette, nasce, passa a trabalhar para sustentá-la e a deixa aos cuidados do casal Thénardier.
Cosette: filha de Fantine, que em pouco tempo torna-se órfã. Passou os primeiros anos de sua vida trabalhando com a família Thenardier. Jean Valjean, ao ver a situação em que a menina foi deixada, adota-a e consegue que sua educação seja ministrada pelas freiras de um convento. Na juventude, ela se apaixona e casa-se com Marius Pontmercy.
Senhor e senhora Thénardier: casal de estaleiros descritos por Victor Hugo como grosseiros e de inteligência decaída, “que está entre a classe chamada média e a chamada inferior, e que combina alguns defeitos da segunda com quase todos os vícios da primeira”. Thenardier é o chefe da casa e a Madame Thénardier é uma devota apoiadora do marido. Possuem cinco filhos, entre eles Éponine e Gavroche.
Éponine: filha mais velha dos Thénardier, serve à narrativa conectando a trama e os personagens. Devido à situação de sua família, é levada a pedir dinheiro e roubar desde cedo. É apaixonada por Marius Pontmercy, mas não correspondida, já que o jovem a vê apenas como amiga.
Marius Pontmercy: jovem estudante de uma boa e rica família parisiense. Seu pai foi um monarquista que lutou na Batalha de Waterloo, e acredita haver sido salvo pelo senhor Thénardier, pedindo ao filho que ajudasse essa família. Torna-se pretendente de Cosette. Seus amigos fazem parte de um grupo de estudantes chamado “Os Amigos do ABC”, que são comprometidos com a revolução republicana. Apesar de suas crenças bonapartistas que o afastava do grupo, junta-se aos Motins de Junho de 1832 por acreditar que Cosette havia ido embora.
Javert: inspetor da polícia que busca incansavelmente por Jean Valjean. Dedica sua vida a seguir a lei e não vê nada além da justiça escrita na legislação. Ao ser salvo por Jean Valjean e não compreender como um criminoso pode fazer algo bom, suicida-se se jogando no Rio Sena.
Enjolras: estudante que está a frente do grupo “Os Amigos do ABC”. É extremamente idealista e lidera uma das frentes revolucionárias da insurreição popular de 1832 contra o regime monárquico de Luís Filipe. Não pensa em nada que não seja a defesa da causa republicana e a revolução. É morto por militares na barricada.
Gavroche: filho dos Thénardier e irmão de Éponine. É apenas uma criança durante toda a história, mas convive entre os jovens universitários e os adultos da menor classe. É mais presente na narrativa durante a Revolta, ajudando a recolher munição. Morre baleado ao tentar ajudar os revolucionários.
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