As redes sociais provaram ser uma ferramenta poderosa de mobilização em todo o mundo. No Brasil não é diferente. O poder das mídias foi decisivo, nos últimos dois dias, para impedir a votação do Projeto de Lei 8.889/2017, conhecido como “PL da Globo”.
Na terça-feira (14/05), Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, tentou avançar com o projeto. Segundo entrevistados, um acordo foi feito em sua residência para que o projeto fosse votado colocado em pauta. A votação em regime de urgência já tinha sido obtida em setembro de 2023, e aprovada por 291 dos 513 votos, permitindo que a votação fosse iniciada.
A pressão exercida por uma ampla rede de influenciadores e usuários das mídias sociais levou Lira a recuar na sua decisão de avançar com o projeto.
A mobilização popular online foi fundamental. A hashtag #PLdaGloboNao alcançou o segundo lugar nos trending topics do Twitter, com 364 mil menções até a quinta-feira, 13/5. No Instagram, transmissões ao vivo mostravam o embate entre governistas, que queriam a aprovação, e a oposição, que lutava contra a discussão do projeto. Deputados também recorreram às redes para buscar apoio.
O motivo da polêmica é o projeto de lei 8.889/ 2017, que determina que as empresas de streaming e redes sociais passem a pagar ao governo uma contribuição obrigatória. O recurso é destinado ao desenvolvimento da indústria audiovisual brasileira e é denominado Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). O valor é administrado pelo governo federal por meio da Agência Nacional de Cinema (Ancine), vinculada ao Ministério da Cultura (Minc).
Se o projeto for aprovado, a implementação deste novo “imposto” custará entre 1% e 6% de toda a renda das plataformas de streaming e redes sociais, como NetFlix, Youtube e Instagram. A cobrança será realizada de maneira progressiva e inclui a renda com publicidade.
Na prática, se o projeto for aprovado, os recursos serão encaminhados a um fundo, administrado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), cujo objetivo é financiar produtoras e obras cinematográficas nacionais.
O PL altera a maneira como os streamings e as redes sociais atualmente funcionam.
A primeira mudança é a possibilidade de que influenciadores digitais tenham de pagar impostos. A definição formal de influenciador digital, incluída no PL, torna a cobrança possível sobre até 50% dos valores recebidos por monetização, ou seja, os valores recebidos pelas visualizações dos vídeos por eles publicados.
O projeto também cria a cota de catálogo. Dez por cento do conteúdo exibido nos streamings precisará ter sido desenvolvido no Brasil. Desse total, 10% precisará ter sido produzido por produtora independente.
Entre os filmes exibidos pela cota de catálogo, pelo menos 5% terá de ter sido criado por produtoras que sejam geridas por mulheres, negros, indígenas ou quilombolas, os chamados grupos incentivados.
Outra mudança importante que o projeto realizará, caso aprovado, é a destinação de 30% do total arrecadado para o desenvolvimento de produção cinematográfica nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
A grande polêmica que o PL 8.889/17 envolve é a exclusão do Globo Play, serviço de streaming da Rede Globo. Há uma exceção no texto que possibilita que a empresa não seja taxada.
No caso de implementação, ela ainda será favorecida por um artigo que impede que fabricantes de equipamentos de TV liguem seus serviços direto em suas telas de aplicativos. Ao ligar um aparelho de TV, por exemplo, da Samsung ou LG, o usuário não será direcionado a uma tela de menu, o que facilita que o permaneça nos canais dos grandes veículos de comunicação.
O objetivo principal do PL é captar recursos para financiar a indústria cinematográfica nacional.
Instituída em 2001, a Condecine é considerada fundamental para o setor. Em 2022, o então presidente da Associação dos Servidores Públicos da Ancine, Henrique Souza afirmou:
“Trata-se da principal fonte de arrecadação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), responsável por praticamente todo fomento público direto do audiovisual pelo governo”.
Outro objetivo é o aumento do acesso a conteúdo nacional, por meio do estabelecimento de uma cota de catálogo, que exige um tempo mínimo de exibição de filmes nacionais.
“A sala de cinema é muito importante para o ecossistema do audiovisual. A economia do setor se torna mais frágil sem a exibição nas telas. E a cota nos ajuda a manter nossos filmes nas salas. Fazemos filmes para serem vistos, para tocar e alcançar o maior número de pessoas., afirmou a Clélia Bessa, sócia da Raccord Produções ao portal Tela Viva, em entrevista publicada em 30 de janeiro de 2024.
O projeto é também de severas críticas.
Um dos problemas apontados é de que fere os princípios da livre iniciativa, ao obrigar empresas privadas a financiarem produção nacional no qual não tenham interesse.
O advogado e presidente do Instituto Livre Mercado Rodrigo Saraiva Marinho afirma que a cobrança “não faz o menor sentido”:
“Esse pagamento é direcionado à Ancine, uma agência reguladora de cinema. Não há porque o mercado e as pessoas custearem a produção nacional ainda que não gostem dela”, enfatiza.
Outro ponto negativo é o alegado favorecimento do projeto ao grupo Globo. Na visão de Marinho, o projeto parece privilegiar uma empresa específica, o que configura inconstitucionalidade, ou seja, algo realizado fora dos parâmetros constitucionais:
“O projeto parece beneficiar claramente a Rede Globo, porque ela vai ter uma situação de oferta pontual. Isso é claramente inconstitucional, porque é direcionamento de recursos e quebra da isonomia”, pontua.
Marinho também ressalta que a maior rede de televisão do país “parece ter um alinhamento claro com o governo federal”.
Em relação à proposta de democratização do conteúdo de cinema nacional, ponto-chave para profissionais do setor, o advogado Deltan Dallagnol afirma que “o PL da Globo é discriminatório, já que ele introduz um regime de cotas para a produção e oferta pelas plataformas de streaming”.
Em sua coluna publicada no jornal Gazeta do Povo, Dallagnol se manifesta sobre a reserva de tempo de exibição de conteúdo nacional, produzido por empresas que sejam compostas por sócios dos grupos vocacionados, ou seja, mulheres, negros, LGBTs e membros de minorias identitárias:
“A lógica do sucesso de empreendimentos culturais deve ser guiada pela qualidade ou adesão popular das suas obras, e não por características identitárias, físicas ou econômicas de seus sócios, as quais não se relacionam com o que é produzido”, ressalta.
Até o momento, a discussão sobre a PL avança nas redes e fora delas. A votação está marcada para terça-feira, 21/5.
O projeto está associado a uma série de temas importantes como limites do intervencionismo público na iniciativa privada, liberdade de expressão e outros, que vão além do pagamento de impostos.
O engajamento da sociedade, defendendo o que acredita, é importante e necessário.
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