Deputado, Drag Queen e acusado por fraude: conheça a história de George Santos

A promotoria alega que ele teria desviado doações eleitorais para fins pessoais, como o pagamento de botox, a compra de roupas de luxo e até a aquisição de conteúdo adulto em sites como o OnlyFans. 

Além disso, é acusado de roubo de identidade, agravado pelo uso de informações de funcionários de suas campanhas, e de ter realizado um falso empréstimo de US$500 mil para sua pré-campanha.

Na audiência em Nova York, no dia 19, ele reconheceu ter ainda solicitado o seguro-desemprego emergencial no período da Covid-19, ao qual não tinha direito. 

Reconheceu também ter roubado e sido omisso ao enviar declarações financeiras falsas ao Comitê de Ética da Câmara e à Comissão Federal Eleitoral, em 2022.  

Segundo a agência Reuters, a pena deve ser de seis a oito anos de reclusão para os crimes que ele confessou. Há ainda dois anos adicionais pela acusação de roubo de identidade. 

A sentença final deverá ser divulgada no dia 07 de fevereiro de 2025. 

O processo

Ao confessar sua culpa no Tribunal, o ex-deputado se livra de um processo federal, cujas penas poderiam ser ainda mais severas. Encerra também sua carreira política e um importante projeto do Partido Republicano nos Estados Unidos.  

A prisão é o estágio final de um mandato relâmpago, permeado por escândalos. Lançado como a personificação do sonho americano, Santos, de 36 anos, era uma das jovens lideranças que simboliza a renovação do partido. 

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• Primeiro brasileiro a ocupar um espaço no Congresso dos Estados Unidos,  foi também o primeiro deputado declaradamente gay a ser eleito pelo bloco alinhado aos conservadores. 

Durante a campanha, apresentava-se como descendente de judeus e filho de imigrantes latinos, que estudou nas melhores instituições e fez carreira no mercado financeiro de Wall Street. 

Dizia ser o filho de um pintor de paredes e de uma faxineira e cozinheira, que viveu em um porão na infância, mas, graças à educação, alcançou sucesso na cosmopolita Nova York. Na narrativa, afirma ter estudado economia e administração no Baruch College e trabalhou como executivo no Goldman Sachs e Citigroup.

Além disso, vivia com o companheiro, o farmacêutico brasileiro Matheus Gerard, de 26 anos, e as quatro cachorras: Anastácia, Aurora, Electra e Elsa, todas homenageando personagens dos filmes da Disney. 

Santos foi eleito com votação expressiva e conduzia seu mandato há 11 meses. Emergia como liderança política, quando uma investigação realizada pelo New York Times “implodiu” seus planos.  

No dia 19 de dezembro de 2022, uma reportagem publicada pelo jornal levou a “cascata de lorotas” a começar a ruir.

Sonho americano ou pesadelo do partido? 

A primeira dúvida levantada pelo “New York Times” foi em relação ao suposto patrimônio do ex-deputado. Ao participar de sua primeira disputa eleitoral, em 2020, declarou possuir cerca de US$55 mil em patrimônio. Dois anos depois, afirmou ser proprietário de uma empresa de gestão patrimonial chamada Devolver Organization, que administraria US$80 milhões dos clientes. 

Afirmou que receberia US$750 mil ( cerca de 3,8 milhões de reais) como retirada pró-labore dessa empresa. Santos, porém, nunca apresentou um cliente sequer. Chegou a doar pessoalmente US$700 mil para a própria campanha. 

O NYT contestou. A investigação jornalística concluiu que o deputado havia sido alvo de algumas ações de despejo por atrasar o aluguel. 

Além disso, nunca havia estudado no Baruch College, nem trabalhado no Goldman Sachs ou no Citigroup. A reportagem procurou a administração da faculdade e os responsáveis pelo RH nas duas empresas. Nenhum deles reconheceu Santos em seus antigos quadros de alunos ou funcionários. 

A partir daí, várias inconsistências no histórico do candidato começaram a ser reveladas.

Estelionato no Rio de Janeiro

Uma série de acusações foram levantadas contra Santos, sendo uma das mais graves relacionada ao período em que viveu no Brasil, fato que nunca mencionou durante sua campanha. É que o tempo em que viveu no local onde nasceram seus pais foi o mesmo em que alegava ter estudado na universidade norte-americana. 

Em 2008, aos 19 anos, Santos teria residido no Rio de Janeiro com sua mãe e irmã. Na ocasião, teria cometido estelionato em uma loja chamada The Salt, uma multimarca de grife. 

Lá, teria adquirido roupas e um par de tênis no valor de R$2.122,00, utilizando dois cheques sem fundos. Posteriormente, um ex-namorado teria ido à loja para trocar o calçado, o que ajudou o vendedor a confirmar que a fraude havia sido cometida pelo ex-deputado:

‍“Não esqueci porque tive de pagar”, disse o comerciante Carlos Bruno Simões, que denunciou Santos em 2008.    

Convocado a depor junto com sua mãe, alegou que o cheque pertencia a um antigo paciente dela, que trabalhava como cuidadora de idosos. 

Kitara Ravache

As descobertas não pararam por aí. Quando as denúncias começaram, a foto de Santos começou a ser exibida em vários veículos de imprensa. Foi então que a Drag Queen carioca Eula Rochard se lembrou que, anos antes, ele havia frequentado a sua casa:

“Eu conheço essa bicha”, exclamou. 

Compartilhou, então, uma foto antiga, ao lado de Santos, em grupo que mantinha com outras Drag Queens. Na imagem, o ex-deputado também aparece vestido de Drag. 

Pouco tempo depois de a informação circular, começaram os pedidos de entrevista do mundo inteiro. A imprensa internacional queria saber mais sobre o deputado republicano que se havia vestido de Drag no Rio de Janeiro uma década e meia antes.

Em entrevista à revista Piauí, Richard comentou que “o conheceu como o Anthony”, na época, com 17 anos. Contou também que nunca conseguiu confiar em Santos: 

“Mas nunca emprestei uma peruca sequer para ele. Aquela bicha nunca me passou confiança.”

Ela comentou que o ex-deputado Republicano foi batizado como a Drag Queen Kitara Ravache. 

O ex-deputado republicano George Santos em Parada Gay em 2005. Imagem: reprodução redes sociais. 

Reviravolta

Depois dos escândalos se tornarem públicos, o ex-deputado voltou a gravar um vídeo como Kitara Ravache. 

“Aqui é Kitara, sua favorita, depois de 18 anos no armário. George Santos me trouxe de volta", disse o ex-deputado caracterizado como o personagem, no vídeo.  

Diversos veículos reportaram que ele teria aberto um canal no site Cameo, que divulga vídeos de celebridades. Lá, descrevia seu perfil como "o ícone e ex-deputado dos EUA" ou o  "integrante da cidade de Nova York expulso do Congresso". No perfil, havia vídeos à venda por R$99.

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O ex-deputado George Santos, quando atuava no Congresso, e como Kitara Ravache. Imagem: reprodução redes sociais. 

A verdade

Pouco se sabe sobre a vida de Santos. Uma reportagem exibida pelo programa Fantástico revelou que um ex-namorado e uma antiga conhecida afirmaram ter sido vítimas de golpes. Ambos teriam emprestado dinheiro que nunca receberam de volta. 

As denúncias do News York Times já dificultaram o mandato do deputado logo no início. 

A partir daí, foi questão de tempo até ele ser afastado pelo Congresso norte-americano, o que ocorreu em dezembro de 2022. 

Sobre a atuação como Drag Queen, Santos negou. Ele afirmou que já havia se vestido de mulher, mas nunca foi Drag. 

Em relação aos crimes, inicialmente negou: 

‍“Não sou criminoso aqui, no Brasil ou em qualquer outra jurisdição”, afirmou no julgamento anterior. 

Na segunda-feira, confessou. 

George Santos encerra assim uma trajetória que reconfigurou não apenas sua trajetória política, mas impactou o projeto de uma importante liderança do partido republicano. Os próximos passos serão o anúncio da sentença oficial que definirá seu futuro.