Com grande frequência a discussão deste recorte histórico começa com a infame lista negra e o MaCarthismo. É como se tudo que se sucedeu da virada do século até o fim da década de 1960, no que diz respeito à influência comunista em Hollywood, fosse uma espécie de sonho febril, um devaneio dos conservadores e anticomunistas. Não é o caso.
A propaganda é parte do DNA do comunismo. É interessante o fato da Revolução Russa de 1917 acontecer próxima do amadurecimento do cinema nos EUA - e no mundo - como o grande espetáculo das massas, com o lançamento de O Nascimento de uma Nação (1915).
Em 1924, a URSS inaugurou a MosFilm, existente até hoje. No início havia muita ambição, mas pouco dinheiro. No nascente cinema soviético, havia alguma independência dos cineastas desde que, é claro, não ofendessem a ideologia do Partido. Conforme o experimento se desenvolveu, suas produções impressionaram os observadores atentos, apesar de sua veia propagandista óbvia. Era claríssimo o potencial do cinema como ferramenta propagadora de ideias.
O projeto soviético era ambicioso e agressivo: escolhiam os melhores, e os estimulavam a arriscar, experimentar e desenvolver a arte. Eles entendiam que vitórias no mundo real viriam através de conquistas no plano das ideias, seduzindo "corações e mentes". E realmente, os filmes foram exibidos mundo afora. Recomendo ao leitor explorar o canal da MosFilm no YouTube, onde muitos dos filmes dessa época estão disponíveis.
Obviamente, no caso de filmes estrangeiros exibidos na URSS, em especial americanos, havia censura e proibições. Um caso curioso foi Vinhas da Ira (1940) de John Ford. O filme causou controvérsia e ganhou a "etiqueta vermelha" nos EUA por ser socialista. De fato era. Mas era também uma obra prima. Os soviéticos logo se interessaram. Dizem que o próprio Stalin aprovava a distribuição dos filmes na URSS, e que este em particular lhe chamou a atenção. No entanto, o resultado não foi o esperado.
No filme, uma família de fazendeiros pobres viaja em sua caminhonete caindo aos pedaços em busca de trabalho pelos EUA rural. Para a surpresa dos propagandistas do Partido, o público soviético não viu o filme como uma ode americana ao socialismo, mas como uma demonstração de que até o mais pobre dos americanos poderia ter um carro, algo que era um luxo para o cidadão comum na URSS. Rapidamente, o filme foi retirado dos cinemas.
Vinhas da Ira (1940) é frequentemente comparado à Vidas Secas (1963). No caso brasileiro, a família protagonista também não tem um carro.
Os soviéticos viram no cinema um enorme potencial devido ao seu fácil acesso: qualquer um poderia ir ao cinema, não era necessário saber ler. Também viam nele a capacidade de acessar a mente do espectador de maneira mais profunda, criando imagens que poderiam habitar sua imaginação. Além disso, acreditava-se que o cinema soviético revelava em sua própria forma a "verdade" da teoria marxista.
Sergei Eisenstein é o expoente deste movimento. Ele é um dos expoentes no uso da famosa montagem soviética ou montagem dialética. Esta propõe que imagens diferentes colocadas em sequência podem criar um significado diferente do que qualquer uma delas teria sozinha.
Um exemplo é o final de A Greve (1925) onde Eisenstein corta dos operários em fuga para um abatedouro, de maneira um tanto gráfica. Fica claro para o espectador a associação entre gado sendo morto e a derrota dos operários. Cristaliza-se a ideia de "carnificina" que o cineasta busca nos transmitir, da maneira mais chocante que podia.
É difícil superestimar o impacto que esta técnica de edição teve na linguagem do cinema mundial. Hoje é parte do nosso vocabulário visual básico, completamente integrada ao que os cineastas usam sabendo que o público entenderá. Seu potencial é enorme, sendo usado nos mais variados tipos de filmes.
Um dos exemplos mais famosos é a cena da escadaria de Odessa em O Encouraçado Potemkin (1925) e a homenagem a ela em Os Intocáveis (1987). Na minha visão, o grande expoente no uso desta técnica é Alfred Hitchcock, que a usava de maneira muito consciente e eficaz, transformando-a em algo seu. Seu uso magistral desta técnica tornou um filme como Psicose (1960) possível.
Por mais interessante e eficiente que seja aquilo que Eisenstein desenvolveu, o que nos parece difícil de conciliar é que ele acreditava que a montagem soviética/dialética de alguma maneira provava, através da arte, a realidade da dialética histórica marxista.
Simplificando, ele acreditava que assim como a luta de classes é o motor da história, e dela resulta o movimento em direção à emancipação do gênero humano, também a dialética entre imagens, ao criar significados novos ausentes nas imagens por si, as liberta de sua materialidade, as levando a um novo patamar de significado.
Eisenstein escreveu um bom tanto a respeito, com a característica empolgação daqueles que subscrevem a tais ideias. Na opinião deste que escreve, toda esta conversa é, no mínimo, uma forçação de barra enorme, ou talvez, a presença da arma invisível do Partido apontada para sua cabeça. Difícil dizer.
De um jeito ou de outro, a arte imita a vida. Karla Oeler, professora na Universidade de Stanford nos EUA, argumenta em seu livro A Grammar of Murder (Uma Gramática do Assassinato) que a montagem soviética, com toda sua potência em criar significado, acabou se tornando uma ferramenta frequentemente utilizada para representar homicídios no cinema.
Este pode ser mais um dos tantos casos onde algo inspirado pelas promessas utópicas dos comunistas, ao se encontrar com a realidade, não pode se tornar nada além de violência e morte.
A influência do cinema soviético foi tremenda e seu valor estético difícil de ignorar. Discorremos aqui sobre a influência indireta dos soviéticos através de seus próprios filmes. Do outro lado do Atlântico, a estratégia empregada era outra. Nas próximas colunas, falarei sobre a infiltração comunista em Hollywood nos anos 40 e 50, e de seus herdeiros, aqueles que são talvez a força dominante no cinema mundial hoje.
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