“Os enigmas são três, a morte é uma!”. Até onde vai o amor? Muitos príncipes arriscaram suas vidas por causa da lendária beleza de Turandot, filha do imperador chinês. Esta ópera inacabada e emblemática tem lições a passar, ainda nos dias de hoje.
Os mistérios da China e a ousadia do amor cantam belíssimas árias na obra de Giacomo Puccini.
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Turandot foi a última ópera do compositor italiano Giacomo Puccini. O libreto, texto usado na ópera, foi composto por Giuseppe Adami e Renato Simoni. Basearam-se em uma peça de 1762 de Carlo Gozzi, adaptada por Friedrich von Schiller.
Em 25 de abril de 1926, Turandot estreou no Teatro alla Scala, regida por Arturo Toscanini.
A narrativa contém características observadas em outras obras de Puccini, tais como Suor Angelica, Madama Butterfly e Tosca. Alguns diriam que seu toque sadomasoquista está presente, pois os protagonistas, Turandot e Calaf, apresentam comportamentos censuráveis.
Em contraste com a crueldade da princesa e com as mortes que acontecem, a melodia flui. Temas da música chinesa foram incorporados pelo compositor italiano, com calor, melancolia e sensualidade.
Como Giacomo Puccini faleceu em 29 de novembro de 1924, sua ópera ficou inacabada. Franco Alfano foi o autor do final, com base nos esboços de Puccini. Inclusive, Toscanini não gostou da conclusão pensada por Alfano. Por este motivo, na cena do suicídio de Liù, ele se voltou para a plateia e disse:
“Senhoras e senhores, aqui termina a ópera deixada incompleta pelo maestro, que morreu neste ponto”.
Não é possível saber como Puccini pensou o final. Em suas óperas Tosca e La Bohème, o final arrebata as lágrimas da plateia. Mas o final de Alfano é triunfante, positivo. Além dele, em 2001, o compositor italiano Luciano Berio compôs um final alternativo.
Este resumo da história de Turandot segue o final composto por Alfano.
Turandot é uma princesa, a filha de Altum, Imperador da China. Sua beleza é lendária e, odiando os homens, jurou que jamais se casaria com um, por causa de um trauma. Na família imperial, a princesa Lo-u-Ling foi estuprada e assassinada. Isto aconteceu quando os tártaros invadiram e conquistaram a China.
O Imperador, porém, exigia que ela se casasse. As tradições chinesas e a dinastia tinham que ser respeitadas. Turandot impôs, então, uma condição para que ela aceitasse se casar.
Àqueles que quiserem tomá-la como esposa e herdar a China serão feitos três enigmas. Aquele que resolver as três charadas poderá se casar com ela. Mas bastará um erro para que perca a cabeça. A princesa exigia a decapitação de quem errasse.
É assim que a Princesa Turandot da ópera de Giacomo Puccini se apresenta. É fria e cruel. Mesmo assim, ela levou um príncipe estrangeiro aos ardores da paixão. Calaf, filho do rei deposto dos tártaros, aceitou arriscar sua vida para ter a mão da princesa orgulhosa.
Ele compartilha da natureza sádica e egoísta da princesa e a compreende. Muitos haviam perdido a cabeça, mas ele conseguiu resolver os três enigmas.
Não contente em tê-la por causa da vitória, e não a querendo contra sua vontade, ele lhe propõe um enigma. A Princesa Turandot não sabia qual era o seu nome. Se descobrisse até o alvorecer, poderia matá-lo e livrar-se do casamento.
Por causa disso, a princesa ordena que ninguém durma até descobrir seu nome. Uma das músicas mais conhecidas mundialmente é cantada neste ato.
Nessun Dorma significa “Ninguém durma”. A princesa queria descobrir a qualquer custo o nome do estrangeiro para que pudesse se livrar do fato de ter perdido nos enigmas e ter que se casar.
A ária Nessun Dorma, composta para um tenor entoar, é arrebatadora. É uma das mais conhecidas e rivaliza popularidade com canções pop dos séculos XX e XXI.
Enrico Caruso foi um de seus principais intérpretes, junto de Plácido Domingo e Luciano Pavarotti. Ela atingiu tal difusão que, em 1990, foi adotada como canção tema do Campeonato Mundial de Futebol na Itália. Além disso, é comumente entoada em shows de talentos atuais e é trilha sonora de muitos filmes.
No detalhamento do Ato II de Turandot, nas próximas seções, está a letra na íntegra e a interpretação de Plácido Domingo.
Na ópera, esta ária é cantada de madrugada. A vida dos próprios cidadãos estava em risco se eles não descobrissem o nome do príncipe para a Princesa Turandot.
Ela ameaçou o velho Timur e sua escrava com tortura e morte. Liù assumiu que sabia e disse que não iria falar. Por isso, prendem-na.
Com muita intensidade e drama, a plateia se envolve com o que acontece. Liù prefere a morte, pois ama o príncipe e decide não revelar seu nome para protegê-lo.
Mesmo diante da morte de Liù que declara seu amor e morre em um ato de fidelidade, o príncipe ainda não revela a resposta. Ele realmente quer Turandot a qualquer custo.
A princesa chinesa não descobria como ele se chamava e o alvorecer dava sinais.
O príncipe percebe que ela o ama, que ela o odeia e o ama ao mesmo tempo. Odiava-o porque ele a olhou com certeza de vitória, e o amava por isso também. Ela estava dividida entre entregar-se àquele que a venceu, ou recusá-lo.
Para receber dela um amor livre, livre de promessas envolvendo enigmas, ele revela: Calaf!
Diante do imperador, ela poderia ter pronunciado seu nome e não ter se casado. Finalmente, ela tinha a resposta e estaria livre. Livremente ela o quis.
“Pai augusto, conheço o nome do estrangeiro! O seu nome… é Amor!”
A ópera Turandot termina com a multidão cantando:
“Amor!
Ó sol! Vida! Eternidade!
Luz do mundo é amor!
Ri e canta no sol
A nossa infinita felicidade!
Glória a ti! Glória a ti! Glória!”
Os detalhes de Turandot estão divididos em três atos e são mais detalhados abaixo.
Tudo começa em Pequim. Na Praça da Paz Celestial, um arauto do imperador anuncia um decreto de Sua Majestade. Sua filha, a Princesa Turandot, casar-se-á com o primeiro a decifrar seus três enigmas, contanto que ele tenha sangue real. Entretanto, se algum príncipe se arriscar e errar, perderá sua vida.
“Os enigmas são três, a morte é uma!
A morte é uma! Unte, afie!”
Neste início é relatado que o príncipe da Pérsia havia tentado. Não conseguiu e seria executado ao nascer da lua.
A multidão pergunta à lua por que ela tarda, pois mal pode esperar para ver a cabeça rolar.
No meio do povo está Timur, o rei destronado dos tártaros. Sua acompanhante é uma fiel servidora chamada Liù. O Príncipe Desconhecido também está presente e encontra seu pai, que pensava estar morto.
Ao luar, o príncipe da Pérsia caminha para seu patíbulo, não assustado, em êxtase. É a beleza de Turandot. Ela surge e ouve o pedido de clemência para poupar a vida do príncipe. Mas não teve piedade. Com apenas um sinal, o carrasco a obedece e o machado cai sobre o pescoço do infortunado.
O Príncipe Desconhecido, ao ver Turandot, se apaixona e resolve se candidatar à sua mão.
Nem a multidão, nem seu pai, nem os três ministros imperiais Ping, Pang e Pong conseguiram dissuadi-lo da perigosa intenção.
Liù também tenta convencê-lo a desistir, cantando uma comovente ária, Signore ascolta. Ela confessa sua paixão por ele desde que vira seu primeiro sorriso, mas não adianta. Ele apenas pede para que ela cuide de seu pai.
Sob os gritos de “Louco!” e “Insensato!”, o príncipe pega o martelo e candidata-se a desposar Turandot batendo no gongo três vezes.
Ping, Pang e Pong, os ministros, discutem o destino da China. Com o reinado de Turandot, não há paz. No Celeste Império, o machado decapitador e os instrumentos de tortura funcionam noite e dia.
O Imperador Altum aparece no Palácio Imperial. A cerimônia dos enigmas está prestes a começar e ele tenta convencer o jovem pretendente a desistir.
“Permite, meu filho, que eu possa morrer sem levar para o túmulo essa culpa pela tua jovem vida, muito sangue já correu!”
Todos ficam estupefatos, pois o Príncipe Desconhecido continua obstinado. Quando Turandot aparece, olha-o com frieza, impassibilidade e desdém. Pela primeira vez, todos ouvem a sua voz.
“Neste palácio (In questa Reggia), já faz mais de mil anos, um grito desesperado ressoou; e aquele grito, da flor da minha estirpe, um eco eterno na minh’alma deixou. Princesa Lo-u-Ling!… Há séculos ela dorme na sua tumba enorme! Estrangeiro, desiste! Os enigmas são três, a morte é uma”.
Ela fez referência à princesa que havia sido estuprada e assassinada. Era a última chance que o príncipe tinha para desistir, mas ele insistiu e ouviu o primeiro enigma.
“Na noite escura voa um fantasma
Iluminado.
Sobe e abre as asas
Sobre a negra infinita humanidade.
Todo o mundo a invoca
E todo mundo a implora.
Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no
coração.
E cada noite nasce e cada dia morre!”
A ele respondeu o Príncipe Desconhecido: — É a esperança.
Turandot reconhece a resposta correta. Diz que a esperança sempre engana. Ela parece sentir um choque, mas não se deixa abater e prossegue.
“Brilha igual à chama e não é chama.
É às vezes delírio.
É febre de ímpeto e ardor!
A inércia o muda em langor.
Se te perdes ou goteja, se esfria.
Se sonhas a conquista, se inflama, se inflama!
Tem uma voz que trêmulo escutas,
É do acaso o vívido clarão!”
Mais uma vez, o príncipe responde e acerta: — É o sangue.
Turandot perde um pouco mais de sua compostura, mas se recompõe convencendo-se de que nem tudo está perdido. Resta um enigma.
“Gelo que te dá fogo
E do teu fogo
mais gelo toma!
Cândida e escura!
Se livre te quer
Te faz criado.
Se por criado te aceita,
Te faz Rei!”
“Vamos, estrangeiro, te empalidece o medo!
E te sentes perdido!
Vamos, estrangeiro, o gelo que dá fogo,
Que coisa é?”
Antes mesmo de responder, o Príncipe Desconhecido alegra-se com sua vitória. O mistério se desvela e a resposta salta de seus lábios: — Turandot.
A própria princesa chinesa é a resposta. Ela é o gelo que desperta o fogo naquele que a vê, mas deste fogo toma a vida, deixando cadáveres gelados.
Finalmente, ela se desespera. Suplica ao seu pai que não permita que ela se case. Mas ele mantém o juramento sagrado. Neste momento, acontece uma inversão. O príncipe vitorioso não quer que ela se case com ele se não for de sua livre vontade.
Ele propõe que Turandot resolva seu enigma. Se ela acertar, ele desiste de seu direito ao casamento e entrega a própria cabeça.
“Três enigmas me propôs
E três eu decifrei.
Um entretanto a ti proporei:
O meu nome não sabe.
Diga-me o meu nome.
Diga-me o meu nome.
Antes da manhã,
E pela manhã morrerei!”
Na madrugada, arautos percorrem as ruas com lanternas acesas. Turandot ordenou que ninguém dormisse em Pequim até que o nome do príncipe fosse descoberto.
Enquanto isso, o príncipe canta Nessun Dorma (“Ninguém durma”):
“Ninguém durma! Ninguém durma!
Tu também, ó Princesa, na tua fria Alcova olhas as
estrelas que tremulam
De amor e de esperança!
Mas o meu mistério está fechado comigo,
O meu nome ninguém saberá!
Não, não, sobre a tua boca o direi,
Quando a luz resplandecer!
E o meu beijo destruirá o silêncio que te
Faz minha!
Desvaneça, ó noite!
Desapareçam, estrelas!
Desapareçam, estrelas!
Pela manhã vencerei!
Vencerei! Vencerei!”
Diante da Princesa Turandot, alguém revela ter visto o príncipe conversando com Liù e o velho Timur. Por isso, a princesa ordena que Liù seja torturada até que fale.
Em uma das mortes mais comoventes de todas as óperas, Liù morre sem revelar o nome de seu amado.
“Tanto amor secreto, inconfessado,
Tão grande que estes sofrimentos
São doçuras para mim porque os faço
De presente a meu Senhor…
Porque, calando, eu lhe dou, lhe dou o
Teu amor … lhe dou,
Princesa, e perco
Tudo! E perco tudo! Até a impossível
Esperança!”
No dueto do príncipe com Turandot, composto por Franco Alfano, uma outra face da princesa é revelada. Ela se mostra vencida e revela que se sente dividida, pois o tem amado.
O príncipe já a considera como sua e revela seu próprio nome, para que ela possa decidir se o pronuncia ou não: Calaf!
Diante do imperador, podendo dizer seu nome e não se casar, ela age de outra forma.
“Pai augusto, conheço o nome do estrangeiro! O seu nome… é Amor!”
A multidão canta a felicidade e a glória do amor.
FIM
Além da narrativa comovente, alguns outros aspectos podem passar despercebidos pelo espectador comum. Portanto, merecem uma análise.
André Heller-Lopes, três vezes vencedor do prêmio Carlos Gomes de Melhor Diretor Cênico, explica a presença do número 3 em Turandot.
Curiosamente, são 3 atos, 3 batidas no gongo, 3 tentativas do imperador convencer Calaf, 3 vezes a afirmação do príncipe em persistir, 3 enigmas, 3 cantos da chegada da aurora por Turandot, 3 árias cantadas por Liù, 3 ministros chineses, 3 exilados do tártaro.
O nome Turandot possui 3 caracteres chineses. Significa “Flor azul de Du” ou “Imagem da flor azul”.
Três mundos estão em cena:
De acordo com André Lopes, não é uma ópera chinesa nem italiana. Também não é um drama autobiográfico. É um espetáculo que aborda as grandes paixões universais. Turandot é originada em uma fábula oriental e foi revista pela arte de Carlo Gozzi e pelo teatro de Schiller.
Turandokht é uma fria princesa chinesa, presente em uma das histórias persas da coleção O Livro de Mil e Um Dias.
A influência chinesa está presente no período renascentista italiano, um resgate dos achados de Marco Polo.
Se você estiver interessado na influência da literatura mítica na atualidade, leia este outro artigo, sobre a importância da Mitologia Grega.
Por fim, há alguns detalhes sobre a China que merecem reflexão.
Giacomo Puccini nasceu em Lucca, em 22 de dezembro de 1858 e faleceu em Bruxelas, em 29 de novembro de 1924. Seu nome está associado ao verismo, um movimento que pretende levar ao palco a vida como ela é. Ele é considerado um dos maiores mestres da ópera italiana, tão renomado quanto Giuseppe Verdi.
Isto, no entanto, não acontece em Turandot. Vê-se uma China enigmática no século XVIII. A ópera representa uma China que repudia os estrangeiros, seus invasores.
Para o maestro Roberto Minczuk, Turandot é uma obra de carreira única, impressionista e moderna. Puccini conhecia Debussy, Wagner, Stravinsky e Schönberg e todas essas influências foram incorporadas ao estilo chinês.
Metaforicamente, muitos tentaram resolver o enigma Chinês e falharam, como o povo americano. Oito presidentes dos EUA tentaram injetar dinheiro na economia chinesa para vencer o comunismo e falharam.
A China parece prevalecer, após ter se desenvolvido mantendo a paciência e a coesão. Como a princesa fria de Puccini, que ordena a decapitação sem pensar duas vezes, a China não se dobra e não se submete.
Saiba mais sobre a relação da China com os Estados Unidos no terceiro episódio da minissérie O Fim das Nações. Trata-se de uma produção da Brasil Paralelo que debate o possível fim do século americano e as consequências disso.
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