O Alienista de Machado de Assis: resumo, análise e interpretação da obra
O Alienista possui várias metáforas poéticas e significados escondidos em seus personagens. Apresentamos aqui um resumo e revelamos as mensagens por trás da narrativa.
O Alienista, de Machado de Assis, é mais do que um conto sobre a loucura. Publicado em 1882, o texto segue o médico Simão Bacamarte, que constrói a Casa Verde para internar os "loucos" da cidade.
Sua obsessão por classificar o comportamento humano transforma a razão em tirania, e a ciência, em instrumento de opressão.
Os personagens podem ser vistos como símbolos da linha tênue que separa razão, loucura e interesse próprio.
Neste texto, esses personagens serão explorados, as simbologias da história dissecadas e a narrativa resumida. Leia e entenda como os temas tratados em O Alienista continuam tão atuais.
Depois de alcançar prestígio como médico, tanto na Europa quanto no Brasil, o Dr. Simão Bacamarte decide voltar para sua cidade natal, Itaguaí, com o objetivo de aprofundar ainda mais seus estudos na medicina.
De volta à cidade, ele se casa com Dona Evarista, uma viúva de cerca de 25 anos que não se destacava nem pela beleza nem pelo carisma. A escolha foi puramente racional: o doutor acreditava que ela teria boas condições de lhe dar filhos saudáveis. No entanto, o casal não teve descendentes.
Em determinado momento, o Dr. Bacamarte decide voltar sua atenção à psiquiatria e constrói um hospício em Itaguaí chamado Casa Verde. O lugar era destinado a receber todos os indivíduos considerados loucos da cidade e arredores.
Rapidamente, o local se enche de internos, e o médico se mostra cada vez mais obcecado com seu novo campo de estudo. Inicialmente, os pacientes realmente apresentavam sinais evidentes de insanidade e suas internações eram bem aceitas pela população. Com o tempo, Bacamarte começa a enxergar sinais de loucura nos comportamentos mais variados e a internar pessoas apenas por parecerem diferentes.
O primeiro caso foi o de Costa, um homem que desperdiçou toda a herança emprestando dinheiro, mas que nunca cobrava o pagamento. A partir daí, muitos outros personagens acabam sendo internados pelo alienista.
Enquanto o número de internações aumenta e a inquietação toma conta da população de Itaguaí, D. Evarista está em viagem ao Rio de Janeiro. Triste e desiludida com a indiferença do marido, ela havia começado a se sentir como uma viúva novamente. Como forma de compensação, o Dr. Bacamarte lhe ofereceu a oportunidade de conhecer a capital.
A expectativa geral na cidade era de que quando D. Evarista retornasse, o médico iria recuperar o bom senso e encerraria as internações exageradas. No entanto, mesmo após sua chegada, Bacamarte manteve o mesmo comportamento, prosseguindo com seus métodos rigorosos.
Com o passar do tempo, o clima em Itaguaí se torna cada vez mais tenso. Aproveitando a insatisfação popular, o barbeiro Porfírio, que há tempos desejava entrar na vida política, decide organizar um protesto contra as internações abusivas.
Acreditavam que Dr. Bacamarte estava internando as pessoas por dinheiro, mas quando ele declarou que não recebia benefícios financeiros, a desconfiança cessou e o movimento perdeu força. Ainda assim, determinado a conquistar poder, Porfírio consegue mobilizar a população e lidera a chamada Revolta dos Canjicas, nome pelo qual era conhecido.
Os manifestantes vão até a casa do alienista, onde são recebidos com calma e lógica por Bacamarte. Por um instante, a serenidade do médico parece acalmar os ânimos, mas logo a multidão se enfurece novamente quando ele se retira friamente e volta aos seus estudos, ignorando completamente os apelos do povo.
Nesse momento, as forças armadas da cidade são acionadas para conter a agitação popular. Para surpresa geral, no entanto, os soldados se aliam aos manifestantes, fortalecendo ainda mais a revolta.
Porfírio, agora à frente do movimento, assume uma posição de grande influência e decide marchar até a Câmara dos Vereadores para destituir seus membros. De posse do poder político local, ele convoca o Dr. Bacamarte para uma reunião. Contudo, em vez de demitir o alienista, Porfírio se alia a ele.
Após a Revolução dos Canjicas, cinquenta de seus apoiadores acabam sendo internados na Casa Verde. Isso gera uma nova onda de insatisfação, liderada por outro barbeiro, João Pina, que incita uma agitação tão intensa que resulta na queda de Porfírio.
No entanto, a mudança no comando político da cidade não altera a situação: o novo governo, em vez de encerrar as atividades do manicômio, passa a apoiá-las ainda mais. As internações se tornam ainda mais frequentes e arbitrárias, chegando ao ponto de D. Evarista ser internada por ter passado uma noite sem dormir, preocupada com a escolha do vestido que usaria em uma festa.
No fim, a situação chega a um ponto extremo: cerca de 75% da população de Itaguaí está internada na Casa Verde. Diante disso, o Dr. Bacamarte reconhece que sua teoria inicial sobre a loucura estava equivocada. Decide então libertar todos os internos e repensar completamente seus conceitos.
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Chega à conclusão de que, se a maioria das pessoas demonstrava comportamentos instáveis ou fora do padrão, então o verdadeiro louco seria aquele que apresentasse constância nas atitudes e rigidez de caráter.
Com base nessa nova lógica, Bacamarte retoma as internações, e o primeiro a ser recolhido é o vereador Galvão, que havia sugerido uma lei proibindo a internação de membros da Câmara.
Assim, os internamentos continuam em Itaguaí, mas agora é quem demonstra firmeza e equilíbrio que passa a ser considerado insano. Curiosamente, aqueles que exibem pequenas falhas ou desvios passam a ser tidos como curados.
Depois de algum tempo aplicando sua nova teoria, o Dr. Simão Bacamarte percebe que, mais uma vez, estava enganado. Nenhuma pessoa possuía uma personalidade absolutamente equilibrada exceto ele mesmo.
Diante dessa constatação, o alienista chega à conclusão de que, por ser o único completamente racional e coerente, era justamente ele o verdadeiro caso de anormalidade.
Assim, decide encerrar suas pesquisas, solta todos os internos e se recolhe voluntariamente à Casa Verde, onde permanece isolado até o fim da vida.
Para mais resumos de livros sobre distopias autoritárias, leia os artigos da Brasil Paralelo:
O Alienista é uma obra do estilo realista. Ela reúne elementos que se tornaram típicos de Machado de Assis conforme se desenvolvia enquanto escritor. A crítica à sociedade e a exploração psicológica dos personagens passam a ser comuns em suas obras.
Daniela Diana, licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2008 e Bacharelada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF) escreveu um texto sobre a obra para o site Toda Matéria.
Ela ressalta que alguns estudiosos consideram o texto uma novela por ser muito longo. Entretanto, ainda é mais classificado como conto, já que não se concentra tanto no enredo nem apresenta personagens com psicologia rasa (características tradicionais das novelas).
Daniela também explica que o autor opta por utilizar o narrador onisciente. A escolha se mostra funcional ao notar a liberdade que ele se dá de escavar nas camadas psicológicas de seu elenco. A abordagem permite desenvolver alegorias sobre o comportamento humano, um dos temas centrais.
Através de sua narrativa, ele revela com sutileza e ironia os traços de vaidade, egoísmo e contradição presentes nas ações das personagens. A crítica nasce da exposição de diversas falhas naturais do ser humano representadas pelos agentes narrativos.
Machado de Assis questiona em O Alienista os limites entre sanidade e loucura por meio da trajetória de um médico obcecado em classificar os distúrbios mentais da população. Ao longo da narrativa, o conto problematiza os critérios de normalidade e mostra como o poder científico pode se tornar autoritário.
Os principais personagens da obra e seus significados ocultos
Acompanhe uma análise de cada personagem do elenco principal da história. Cada um tem um significado que fala um pouco sobre as mensagens e alegorias que a obra trata. Começando pelo protagonista.
Dr. Simão Bacamarte
O protagonista da história; um médico psiquiatra completamente dedicado à ciência e ao estudo. Ele simboliza a face autoritária da ciência no século XIX, sendo uma espécie de caricatura do cientificismo exagerado da época.
A criação da Casa Verde representa o esforço de Bacamarte em aplicar rigorosamente suas teorias científicas à sociedade. Sua obsessão o leva a se tornar vítima das próprias ideias. No fim, por acreditar ser o único com equilíbrio mental em Itaguaí, decide internar a si mesmo.
Simão é uma caricatura do cientificismo exagerado, aquele que, ao se tornar absoluto e inflexível, vira uma forma de tirania. Gabriela Ribeiro Nunes, doutoranda em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) escreve em seu artigo, O meio-fio de Simão Bacamarte: a ciência e o louco:
“Simão Bacamarte já não era mais regido pela razão. A falta de equilíbrio latente no doutor fez com que sua ciência e teorias fossem tão desequilibradas quanto ele. Afirmar que Simão Bacamarte é uma caricatura de cientista, que representa a ciência no Brasil do fim do século XVIII e início do XIX etc., é atestar, em certo ponto, uma qualidade científica para o louco, quando, na verdade, a única coisa que ele tinha era a autoridade científica.”
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Dona Evarista
Esposa de Simão Bacamarte, escolhida não por afeto, beleza ou simpatia, mas por critérios puramente racionais. Bacamarte acreditava que ela tinha as condições ideais para gerar filhos fortes e inteligentes, o que acabou não se concretizando.
Ela também é internada na Casa Verde após sofrer uma crise emocional causada por uma preocupação banal. Gabriela também fala sobre a personagem em seu artigo.
“Simão Bacamarte a escolhe para ser sua esposa, pois, segundo ele mesmo, ‘D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem [...]’, estando assim ‘apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes’. [...] Entretanto, a mulher mentiu às esperanças do médico, não gerando filhos no decorrer de seus anos de casamento.”