Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, é um dos bandidos mais famosos da história do Brasil. Após uma juventude de dificuldades, ele decidiu buscar vingança por meio da força.
Ele foi o personagem principal do cangaço, movimento que fez parte da história do Nordeste do final do século XIX até o início do século XX.
Rui Facó, em sua obra Cangaceiros e Fanáticos: Gênese e Lutas, oferece uma análise relevante sobre o cangaço e o papel de Lampião:
“O exemplar mais famoso entre os cangaceiros é Virgulino Ferreira da Silva, Lampião. [...] Seu objetivo confesso é vingar a morte do pai. Este motivo aparente, no entanto, tem a função de gota de água que faz transbordar o copo. Aí começa a peregrinação de vinte anos daquele que seria depois conhecido como o Rei do Cangaço e Governador do Sertão”.
Apesar de todo o histórico de violência, atraiu a simpatia de parte da população local que o enxergava como uma espécie de herói social, revoltando-se contra as desigualdades.
Sua história chegou a ganhar as folhas da literatura de cordel e sua morte, em 1938, acabou por decretar o fim do cangaço no país. Conheça a Face Oculta de Lampião:
Nascido no interior de Pernambuco, na cidade de Serra Talhada, em algum dia entre 4 de julho de 1897 e 12 de fevereiro de 1900, Lampião veio de uma família com condições financeiras suficientes para financiar a sua alfabetização.
A data de nascimento mais aceita de forma geral é 7 de julho de 1897, informação encontrada em seu registro civil.
O pai de Virgulino Ferreira da Silva, José Ferreira, trabalhava conduzindo bestas de carga, o que lhe permitiu adquirir algumas terras. Quando viajava, costumava levar Lampião para estados como Bahia, Ceará, Paraíba, Alagoas e Sergipe.
Ainda de acordo com Rui Facó, a dureza da vida no campo ajudou a moldar o caráter dos cangaceiros que iriam se juntar a Lampião:
“Que espécie de homens compunham o bando? São todos, invariavelmente, gente da mais pobre do interior do Brasil, homens do campo que não têm terra, não podem ter gado, não têm sequer trabalho garantido”.
Mas a história da família começou a mudar após a ascensão política do vizinho, José Alves de Barro, também conhecido como Zé Saturnino.
Eles iniciaram uma disputa por terras, fazendo com que a família de Lampião tivesse que mudar de casa algumas vezes para evitar conflitos.
As mudanças constantes foram negativas para a vida financeira da família, que acabou empobrecendo e perdendo poder aquisitivo.
Zé Saturnino era mais influente politicamente e socialmente na região. Ele foi o responsável por pedir a morte de José Ferreira.
Em 1920, o sargento da polícia José Lucena assassinou o pai de Virgulino e deu a ele motivos para entrar para o cangaço e se tornar Lampião.
No livro Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro, de Élise Grunspan Jasmin, ela ressalta os impactos das injustiças sociais do sertão nordestino na personalidade de Lampião, afirmando:
“Lampião seria, então, não somente o emblema da luta contra a injustiça e as desigualdades sociais, mas também a personificação do próprio Nordeste. Lampião tinha sido o primeiro homem do Nordeste oprimido pela injustiça dos poderosos, a batalhar contra o latifúndio e a arbitrariedade. Teria sido um símbolo de resistência”.
Os acontecimentos da sua juventude deram motivos para que Virgulino decidisse buscar vingança pelas injustiças que sua família sofreu.
A rigidez do sertão também ajudou a forjar o seu caráter e serviu de combustível para que sua trajetória fosse tumultuada e marcada por violência.
Lampião decidiu entrar para o cangaço e se juntou ao bando de Sinhô Pereira, um dos principais cangaceiros da região.
Suas habilidades chamaram a atenção de Sinhô Pereira, que rapidamente o transformou em um dos líderes do bando. Dois anos depois, com a saída de Pereira do cangaço, Lampião assumiu o comando.
O apelido de Lampião teria sido dado pela destreza de Virgulino em manejar o rifle e a rapidez com que fazia os tiros sucessivos iluminarem a noite, afirma o biógrafo Cicinato Ferreira Neto.
Ele também era conhecido por sua perspicácia e habilidade em batalha. Em 1927, no município de Riacho de Sangue, Lampião e outros 50 cangaceiros foram cercados por 400 policiais.
O tiroteio indicava a derrota derradeira da carreira de Lampião e sua quadrilha. Porém, ele teria pedido para que seus cangaceiros parassem de atirar e se pusessem em total silêncio.
Os policiais acharam que tinham vencido a batalha e avançaram em direção à armadilha. Foram surpreendidos por tiros à queima roupa e obrigados a bater em retirada.
Lampião passou duas décadas agindo com violência pelas terras do Nordeste, mas, mesmo assim, uma parte da população local enxergava o bando como heróis justiceiros que estavam enfrentando as oligarquias.
O historiador marxista Eric Hobsbawm, em seu livro Bandidos, popularizou o conceito de banditismo social.
O bandido social era aquele fora da lei que vivia em um mundo rural esquecido pelo capitalismo industrial urbano. Tornava-se assim, um instrumento de justiça popular contra um sistema profundamente injusto, onde imperava a lei do mais forte.
As pessoas que apoiavam as ações dos cangaceiros eram conhecidas como coiteiros, responsáveis por oferecer comida e proteção contra a polícia.
Entre as mulheres coiteiras estava Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida como Maria Bonita. Ela era casada com Zé Neném, um sapateiro, mas acabou se apaixonando por Lampião, tornando-se amante dele em 1929.
Ainda de acordo com Elise Grunspan Jasmin, na obra Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro, Maria Bonita teve participação importante no cangaço:
“Maria Bonita é talvez, com Dadá, a mulher de Corisco, a personagem feminina mais emblemática do cangaço. Em algumas narrativas contemporâneas e posteriores ao cangaço, mas principalmente nos versos da literatura de cordel, Maria Bonita distingue-se por sua beleza excepcional, a qual seduziu o ‘Rei do Cangaço’”.
Ela ficou conhecida como a primeira mulher a se tornar uma cangaceira. A partir daí, Lampião permitiu que seus companheiros também tivessem mulheres.
Em 1932, os dois tiveram uma filha cujo nome era Expedita Ferreira Nunes.
No período entre 1922 e 1938, Lampião e seus companheiros foram responsáveis por diversos ataques a fazendas, cidades e comboios.
Contrapondo a imagem do justiceiro, Lampião e seu bando são acusados de massacres, pilhagens e uma série de horrores que incitavam o medo nas comunidades sertanejas.
Virgulino tinha seu próprio código de ética: justo para alguns, cruel para outros. Muitos relatos da época descrevem suas punições brutais, narra Tiago Pavinato no livro Da Silva: a Grande Fake News da Esquerda: o Perfil de um Criminoso Conhecido e Famoso Pela Alcunha Lampião. Algumas das principais ações eram:
Boa parte desses atos violentos era empregada contra o próprio bando. Também contra os mais humildes, justamente para assegurar sua liderança e seu domínio sobre os territórios.
Há relatos da época indicando que homens e mulheres foram marcados com feridas em forma de cruz. As mulheres ainda sofriam com a marcação do rosto com ferro quente.
No livro Lampião: a Raposa das Caatingas, o autor José Bezerra Lima Irmão ressalta o impacto da violência perpetrada por Lampião e seus cangaceiros.
Lampião e seu grupo costumavam enganar os policiais para atacar as cidades escolhidas. Postos de telégrafo eram tomados para que o bando pudesse enviar mensagens relatando a presença em uma determinada região.
Com o deslocamento dos policiais, outras regiões ficavam vulneráveis e podiam ser atacadas mais facilmente.
Os dados da época são incertos, mas segundo relatos, Lampião e seu bando teriam sido responsáveis por:
A conexão de Lampião com poderosos coronéis é outro aspecto polêmico. Ele teria construído uma enorme rede de coiteiros e coronéis aliados a seu bando.
Os coronéis ofereciam armas e proteção aos cangaceiros, que em troca ofereciam serviços de milícia.
Dois dos maiores coiteiros de Lampião foram homens muito poderosos. O coronel Petrolino de Alcântara Reis e o capitão do exército Erônides de Carvalho que viria a ser governador de Sergipe.
Durante entrevista concedida em 1926, Virgulino afirmou:
“Aprecio de preferência as classes conservadoras: agricultores, fazendeiros e comerciantes”.
Para tentar conter a tática de combate móvel de Lampião e seu grupo, os governos de Pernambuco e Paraíba acabaram criando a Força Volante de Combate ao Banditismo.
Esses policiais tinham a autorização para entrar em todos os estados vizinhos e executar planos de ação para combater o cangaço.
Em uma dessas ações, o irmão de Lampião acabou sendo morto. Em julho de 1925, a Força Volante conseguiu encurralar o bando em uma fazenda entre Pernambuco e Alagoas.
Isso foi possível porque outros estados acabaram adotando essa mesma tática, permitindo que suas forças armadas procurassem o bando por todo o território próximo.
“A derrota de Lampião foi o resultado de uma campanha implacável do governo para erradicar o cangaço. Após anos de perseguição e confrontos, as forças volantes finalmente conseguiram cercar Lampião e seu bando, levando à sua morte e ao fim de sua insurgência”.
Neste trecho do livro Cangaceiros e Fanáticos, Rui Facó destaca a força-tarefa necessária para dar fim aos episódios de violência de Lampião e seus cangaceiros.
A morte de Lampião seria tão macabra quanto os relatos de suas atrocidades. Um dos coiteiros de confiança, Pedro de Cândido, teria sido torturado para que entregasse a localização do bando.
Traído, Lampião e seus cangaceiros foram surpreendidos em seu esconderijo, a famosa Grota do Angico, em Sergipe.
O tenente João Bezerra liderou uma operação de emboscada realizada no dia 28 de julho de 1938, que teve a participação de 48 policiais volantes.
Após uma noite de descanso sob muita chuva, Lampião e seu bando foram surpreendidos pela polícia logo no começo do dia.
Os policiais volantes estavam portando metralhadoras e dispararam incessantemente contra os 34 integrantes do bando, incluindo Lampião e Maria Bonita. Ao todo, 11 pessoas foram mortas.
Todos os mortos foram degolados e a polícia preservou as cabeças para depois desfilar com todas elas pelas cidades do Nordeste, como um gesto de celebração da vitória contra o cangaceiro mais famoso do Brasil.
Com a morte de sua principal liderança, foi questão de tempo para que o cangaço chegasse ao fim. Outras lideranças e bandos começaram a se entregar com a promessa de anistia para quem delatasse companheiros.
Hoje, o cangaço vive na cultura popular. Filmes, músicas, livros, a influência de Lampião é inegável. Algumas das histórias que circulam sobre ele são repletas de mitos e lendas.
Isso dificulta a distinção entre o que é real e o que trata de um personagem folclórico. Porém, ao analisar os fatos, Lampião nada mais era do que um cangaceiro.
Como tal, cometia atrocidades que foram romantizadas com o passar dos anos, a ponto de criar para muitos a imagem de herói rebelde, um verdadeiro exemplo de bandido social.
Segundo o artigo Cangaço: mulheres e memória (1930 - 1940), dos autores Antoniel Neres dos Santos e Jackeline Mendonça Costa:
“Pode-se dizer que a história foi gentil com eles, por meio de uma série de acontecimentos - como a romantização feita pelos cordelistas e a heroificação da história contada pelos coiteiros - o cangaceiro é preservado na memória popular como sendo o ‘justiceiro do sertão’. Os assassinatos e estupros cometidos muitas vezes sem motivo aparente, caíram num obscurantismo no que diz respeito à memória”.
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