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Procedimento cruel demais para ser aplicado na eutanasia de animais pode ser usado no Brasil para matar crianças

Os próximos dias serão de intensa mobilização sobre uma das principais pautas relacionadas aos direitos humanos no Brasil.

aborto
STF
Política
Imagem: Live Action/ Youtube
Redação Brasil Paralelo
Comunicação Brasil Paralelo

A Câmara dos Deputados irá votar, hoje (11/6) e amanhã (12/6), a urgência da análise do projeto que equipara a realização do aborto em gestações com mais de 22 semanas a homicídio.  

Se aprovado, o PL 1904/2024 será analisado na quarta-feira (12/6), diretamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões temáticas da casa. 

O autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-R), acredita ter os votos necessários para aprovação. 

Desde ontem, segunda-feira (16/06), a proposta vem sendo debatida com lideranças partidárias importantes. Até o momento, conta com o apoio da Frente Parlamentar Evangélica, da qual o autor da proposta é titular, e de outras duas bancadas importantes: a Frente Parlamentar Agropecuária e a Frente de Segurança Pública. Juntos, esses três grupos representam mais de 300 dos 513 deputados em exercício do mandato. 

Fontes ouvidas pelo portal Brasil Paralelo acreditam que até deputados da ala moderada da bancada governista podem se posicionar a favor da aprovação. A provável a intenção de não desagradar suas bases em ano eleitoral. 

O que é o projeto que equipara a prática de aborto a partir da 22ª semana à de homicídio

O projeto de lei 1904/24 altera o Código Penal brasileiro. A proposta impõe regras mais rigorosas para quem cometer aborto a partir da 22ª semana.

Se aprovada, a proposta continuará impondo punições para quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque” ou “provocar aborto, sem o consentimento da gestante”. 

As penas estabelecidas são equivalentes às aplicadas em casos de homicídio simples, ou seja, 20 anos de reclusão. Atualmente, o Código penal determina prisão de um a três anos para quem cometer aborto

O texto do projeto que tramita na Câmara dos Deputados determina que o juiz possa mitigar a pena, ou seja, tenha o direito de torná-la mais branda, “conforme exijam as circunstâncias individuais de cada caso”. 

É até mesmo possível deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.

O aborto é crime no Brasil, exceto em três situações: risco de vida para a mãe, anencefalia do feto ou gestação resultante de estupro. 

A questão é que o Código Penal não estabelece claramente idade gestacional limite para interrupção do aborto. Por essa razão, a questão retorna ao debate público de tempos em tempos. 

O autor do PL 1904/24, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), destaca que a indefinição de limite legal de idade gestacional para a realização de interrupção da vida do bebê abre precedente para a realização em qualquer período, o que fere o princípio de preservação da vida. 

Embora as Normas Técnicas do Ministério da Saúde estabeleçam que, nos casos de gravidez decorrente de estupro, o aborto somente deva ser realizado até a vigésima semana, tem sido divulgado nestes anos pós-pandemia que tais normas devem ser interpretadas de acordo com as leis e que, neste sentido, como o Código Penal não estabelece limites máximos de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação, o aborto poderia ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável”, justifica Sóstenes Cavalcante, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo

Flexiblização legal da realização do aborto

O serviço de aborto em casos específicos passou a fazer parte da legislação brasileira a partir de 1989. O debate em torno do período limite para interrupção da vida do feto voltou de modo potente, principalmente após 2013.

Em setembro do ano passado, a ministra Rosa Weber julgou a ADPF 442, em que sustentou que não existe nenhum direito à vida antes do nascimento. A ação analisava o direito à interrupção da gravidez até a 12ª semana. 

Em seu último julgamento da ministra antes de se aposentar, Weber afirmou em seu voto:  

A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade.”

Na ocasião, a posição da ministra foi acompanhada pelo ministro Alexandre de Moraes. 

Segundo parlamentares de oposição, foi uma recente decisão de Moraes que motivou a criação do  PL 1904/2024, que equipara a pena por realização de aborto à de homicídio. 

Em abril deste ano, o ministro concedeu uma liminar ao PSOL vetando a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a realização de assistolia fetal. O procedimento consiste em injetar uma substância química com o objetivo de induzir parada cardíaca no feto ainda no útero da mãe. 

A técnica é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a realização de feticídio em bebês de até 22 semanas. 

O procedimento é descrito por alguns médicos do Conselho Federal de Medicina como cruel e dolorosa

“O procedimento é cruel demais para praticar eutanasia em animais que precisam ser classificados.  Agora pode ser utilizado para matar crianças”, afirma o Padre Paulo Ricardo. 

Em vídeo de sua rede social, o líder católico afirma que o procedimento é proibido pelo Conselho Federal de Veterinária desde 2012, tamanha a crueldade. 

Algumas organizações pelos direitos reprodutivos são favoráveis à realização da assistolia fetal. 

A Rede Médica pelo Direito de Decidir acredita que manter ou não uma gravidez seja um direito único da mulher: 

“Essa é uma norma equivocada, é uma afronta aos direitos humanos. O status fetal não pode estar acima do direito das mulheres”, afirmou Cristião Rosas, presidente da instituição. 

Entidade que se dedica à realizar estudos sobre os impactos de políticas públcias de flexibilização do aborto em áreas como saúde pública e direitos humanos, o Instituto Isabel diverge de que a interrupção de gravidez se trate de um direito exclusivo da gestante. Os especialistas da instituição acreditam que as duas vidas sejam igualmente importantes

A 22ª semana de gestão já é considerado período final. O bebê não é apenas viável, mas 8 semanas depois se encontrará totalmente formado, com capacidade de abrir e fechar os olhos, fios de cabelo e até impressão digital. 

Ao vetar a norma do CFM do Conselho Federal de Medicina, o ministro Alexandre de Moraes deixa a critério dos médicos a decisão de realizar o aborto, sem que sofram sanções do CFM.

A justificativa apresentada pelo ministro é de que as determinações da resolução excedem as funções do CFM ao impor restrições aos direitos das gestantes e dos profissionais da área. 

Na liminar condedida, que atende uma ação interposta pelo PSOL, o Moraes ressalta que o CFM "transborda do poder regulamentar inerente ao seu próprio regime autárquico, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres".

Outra justificativa é de que a decisão está em desacordo com os padrões científicos estabelecidos pela comunidade internacional. 

O CFM manifestou discordância do argumento, ressaltando que “a partir da 22 semana gestacional existe viabilidade de vida extra uterina do nascituro, portanto a realização de assistolia fetal a partir dessa idade não tem previsão legal, e foi considerada antiética pelo Conselho Federal de Medicina”, afirma.

Um dos principais juristas brasileiros em atuação, o advogado e professor Ives Gandra Martins publicou um artigo no qual discorda a respeito da decisão do ministro Moraes. O professor afirma que a liminar concedida de modo monocrático pelo ministro  STF é inconstitucional:

“...pelo vício de atentar contra a vida. Reza o artigo 5º, “caput” da Lei Suprema, que é inviolável o direito à vida, não podendo uma lei de 1940 e ordinária prevalecer sobre o Texto Maior”. 

O professor Gandra ainda ressalta outras razões pelas quais a decisão do ministro Moraes se contrapõe à norma legal brasileira:  

Por esta razão, do ponto de vista científico é a decisão do CFM inatacável, incensurável, rigorosamente constitucional por um elementar motivo não desconhecido de qualquer médico formado por qualquer faculdade de medicina do Brasil e de qualquer país do mundo, de que a partir de 22 semanas de gestação tem o nascituro perfeitas condições de vida extrauterina, sendo apenas um bebê prematuro.” 

Oposição comemora votação da urgência da pauta 

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou, na segunda-feira (10/6), que o governo tinha interesse em que a urgência na votação da pauta não fosse analisada. 

O ministro alega que é importante diminuir os efeitos da polarização entre parlamentares. 

A pauta é importante para uma série de partidos que compõem a base governista. A deputada Sâmia Bomfim, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), escreveu em suas redes sociais:

Criança não é mãe”, afirma. A deputada afirma ainda que “se o projeto for aprovado, em outros casos de estupro ou aborto inseguro, pessoas que abortam ou profissionais de saúde podem ser punidos pelo crime de aborto se fizerem o procecimento neste tempo gestacional”

Em julho de 2023, a deputada criou um projeto que propunha o oposto ao PL 1904/24. A proposta de Bonfim era considerar tortura ações que impedissem ou agissem para retardar a interrupção de gravidez nas hipoteses permitidas pela lei. 

O deputado Cris Tonietto (PL-MG) discorda de Bonfim. Ela acredita que, ao impedir a realização de procedimentos como assistência fetal, o PL 1904 é um "um duro golpe contra a cultura da morte".

Bonfim e outros representantes de associações em prol dos denominados direitos reprodutivos tentam negociar no Congresso a retirada de pauta da urgência na votação do PL. 

Outros projetos relacionados ao impedimento da realização de aborto

É pouco provável que obtenham êxito. Parlamentares de oposição têm conquistado os votos necessários para aprovação. No jornalismo de bastidores, circula a notícia de que o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) seja favorável à aprovação da pauta. 

Outros projetos que tramitam na Câmara também impõem restrições à prática de interrupção de gestão em diferentes estágios da gravidez.  O PL 1096/2024, de autoria de Clarissa Tércio (PP-PE), criminaliza a assistolia fetal em qualquer período ou situação. A proposta impede compeltamente a realização do aborto. Estabelece ainda penas um terço maiores do que as aplicadas nos casos de aborto.

Enquanto se discute a urgência da análise deste projeto, também segue o processo do STF que a ADPF 441, cuja votação foi iniciada no período de Rosa Weber, que possibilita o aborto até a 12ª semana, nos casos previstos em lei. 

O julgamento seguia em plenário virtual, com um voto contra a descriminalização, do ministro André Mendonça; e um voto a favor do ministro Alexandre de Moraes. 

Kassio Nunes Marques destacou a ação para o plenário do Supremo, o que significa que ela será finalizada fora do ambiente virtual.

No momento, o julgamento aguarda uma nova data para recomeçar. 

A ADPF 442 propõe flexibilizar as regras para a realização do aborto, enquanto o PL 1904/2024 propõe restringi-las. O PL equipara a realização do aborto após 22 semanas a homicídio. Por isso,está gerando intenso debate na Câmara dos Deputados. 

O projeto enfrenta oposição de grupos que defendem os direitos reprodutivos. Por outro lado, tem o apoio de bancadas importantes, como as que defendem o direito à vida. 

Fato é que, como aponta a especialista em bioética Isabela Mantovani, não existe evidência que comprove que a descriminalização resulte na redução de realizações

O resultado da tramitação do pode impactar de modo significativo a cultura da morte que, sobretudo desde 2013, escala no Brasil. 

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