Mariana Goelzer

Roteirista ou simplesmente Mariana

Liberdade para calar?

A lição que o PCO pode trazer sobre o debate público brasileiro

Mariana Goelzer

Não se trata de uma novidade. Vez que outra, já há algum tempo, somos impelidos a rir pelo inusitado da situação. Contra todas as probabilidades, nossa coerência determina que concordemos com um post do PCO. Como bons brasileiros, transformamos o fato pitoresco em motivo de chacota, e com a piada sob os holofotes, sai de cena uma questão: o que está por trás da convergência de dois grupos posicionados em espectros políticos tão díspares?

Não é minha intenção criar enigmas, mas a resposta para essa pergunta justifica a defesa da liberdade de expressão e serve para pensarmos sobre a necessidade de nutrirmos um diálogo mais saudável dentro do debate público brasileiro. 

Durante décadas, ficamos à mercê de um processo de homogeneização das opiniões nos mais diversos âmbitos de produção cultural. Fomos, assim, de forma inconsciente, lentamente impregnados por uma visão de mundo, sem que as devidas críticas a essas posições viessem à luz para iluminar nossa inteligência. Agora libertos, sentimos que é nossa missão não apenas despertar os demais, mas também silenciar o canto hipnótico de nosso antigo ilusionista. Como num mecanismo de autoproteção, nossa tentativa é revidar de igual modo aquilo que ele fez e faz. 

O tiro, no entanto, inevitavelmente sairá pela culatra. É claro que devemos apontar discursos demagógicos e manipuladores, identificando as mentiras e inconsistências que carregam, mas fechar os olhos e ouvidos indistintamente a todo um aglomerado político equivale, em termos pessoais, a nos autocondenarmos a um território em que já não vigora a liberdade de expressão. Embrenhamo-nos novamente, e por vontade própria, em um terreno em que impera uma visão unilateral.

A liberdade de expressão é fundamental, dentre outros motivos, justamente por permitir que depuremos nossa percepção da realidade. O confronto entre diferentes pontos de vista presta o serviço de paulatinamente aprimorar argumentos, aperfeiçoar perspectivas, dar mais robustez ao raciocínio. E esse exercício possibilita que nos aproximemos de algo chamado verdade.  

A verdade é complexa. Alcançá-la é uma tarefa difícil. E se torna ainda mais desafiadora quando nossa seletividade não está alicerçada na pertinência e na razoabilidade de nosso interlocutor, mas no campo ideológico ao qual pertence. 

O próprio Jordan Peterson, considerado por muitos um referencial conservador, já expôs que concorda com certas proposições de teóricos de esquerda. Mais do que isso, Peterson afirma que movimentos como o marxismo e o feminismo só conseguiram angariar público militante porque contam uma parte da verdade. Uma parte que, se tomada como todo, conduz-nos a um olhar míope acerca da vida, mas que - não podemos negar - ainda revela uma peça do grande quebra-cabeças que buscamos montar. 

Cessar o diálogo com perspectivas antagônicas, portanto, é prescindir de um instrumental profícuo para a humanidade. É abrir mão da dialética que refina nosso pensamento e que auxilia na descoberta da verdade e no esboço de soluções. Afinal, vale lembrar, vez que outra somos obrigados a confrontar: concordamos com o PCO em muitas de suas afirmações.