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Reis se metendo na vida da Igreja? O historiador Cléber Eduardo explica o regime do Padroado

O Padroado foi criado para que os Estados pudessem ajudar a Igreja na obra da evangelização. Porém, ele foi utilizado para justificar diversos abusos...

Por
Redação Brasil Paralelo
Publicado em
16/8/2022 15:07
Padre Cléber fala sobre o Padroado para o documentário "Brasil: A Última Cruzada", da Brasil Paralelo.

O Padroado é um mecanismo jurídico que permitiu, ao longo da história, reis e governantes se envolverem mais diretamente em assuntos da hierarquia da Igreja Católica. É um sistema muito conhecido a partir do período de colonização portuguesa, mas cuja origem remonta a séculos anteriores.

Entenda o que foi o Padroado, para que servia e quais foram seus usos.

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O que você vai encontrar neste artigo?

O que é o sistema de Padroado?

O Padroado é o direito concedido pelo Papa a autoridades civis para que elas possam administrar assuntos eclesiásticos. Como a etimologia da palavra indica, trata-se de uma proteção, tutela ou apadrinhamento voltado para as questões religiosas.

Teve início na Idade Média, quando as autoridades religiosas não tinham como cuidar da evangelização de certas regiões devido a distância e falta de recursos materiais. Foi amplamente concedido no século XV a Portugal após o começo da expansão ultramarina.

Os reis eram investidos de poderes para cuidar e administrar a Igreja, suas obras e membros nos próprios territórios além-mar, organizando e sustentando tudo o que a ela se relacione. A Igreja confia ao rei o patrocínio e o sustento de sua ação. Há um compromisso entre o Estado e a Santa Sé de propagar a fé cristã e consolidar a Igreja.

Inicialmente, o Padroado previa que o rei poderia arrecadar dízimos e com eles sustentar as necessidades materiais da Igreja, organizar comunidades religiosas construindo Igrejas, enviando missionários e sustentando tais empreendimentos.

A consolidação desse sistema se deu no século XV. Todavia, desde o século X, há um outro regime de Padroado.

  • Veja, nas palavras do historiador Cléber Eduardo, o que foi o Padroado, suas características, usos e peculiaridades: 

História da criação do Padroado

A concessão do Padroado surge no século X, quando reis e outros senhores de terra passam a patrocinar a construção, a manutenção e o funcionamento de igrejas, conventos e escolas eclesiais em suas terras.

No século X essa prática se estendeu em boa parte da Europa, tendo em vista as dificuldades da Igreja de gerenciar a vida religiosa de todos os povos.

A Igreja contava com o auxílio dos reis e dos governantes de cada território para empreender sua obra evangelizadora.

Padroado no Brasil

Sob esse sistema, os reis de Espanha e Portugal muito se destacaram na propagação da fé em novos territórios.

Mas, como o Padroado passou a permitir tamanha ingerência dos reis em assuntos eclesiásticos?

Na época das ordens religiosas militares, quando próximas de seu fim, há todo um debate de como seriam partilhados seus bens.

  • Uma das mais famosas ordens religiosas militares é a dos Cavaleiros do Templo, os Templários. Conheça sua história.

O rei português Dom Diniz criou a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, mais conhecida como Ordem de Cristo, para receber os membros das ordens militares que foram suprimidas e seus bens.

Assim, o rei Dom Diniz pede ao Papa que sejam transferidos os membros e os bens da Ordem dos Templários para a Ordem de Cristo.

Foram construídos em Portugal hospitais, igrejas e escolas para recebê-los. Logo, o rei iria criar outras ordens, a Ordem de São Tiago e a Ordem de Avis, recebendo os membros e os bens das outras ordens de cavalaria.

Ao transferir os bens dessas ordens, o rei traz para si o poder de grão-mestre, tornando-se o superior delas.

Esse poder será concedido à família real portuguesa quando o Papa João XXII aprova a Ordem de Cristo. Assim, o grão-mestrado das ordens passa à família real portuguesa.

Com a expansão marítima portuguesa e a emissão da bula papal Inter Coetera, a Ordem de Cristo recebe a jurisdição espiritual das conquistas de Portugal.

A Ordem passa a administrar a obra religiosa nos territórios conquistados. Sendo o rei superior da Ordem de Cristo, ele passa a administrar a ação da Igreja Católica nas colônias.

E assim ele recebe as responsabilidades da manutenção espiritual e do gerenciamento de todas as terras descobertas e a descobrir.

Esse poder foi sendo transmitido dentro da família real portuguesa, permitindo a ingerência real nos assuntos eclesiásticos.

E como o Padroado atuava nas colônias portuguesas?

Como funcionava o regime do Padroado no Brasil colônia?

O rei de Portugal, por meio do Padroado, desempenhava as seguintes funções:

  • criar dioceses; 
  • nomear padres; 
  • nomear bispos;
  • criar bispados;
  • recolher dízimos;
  • sustentar os padres, missionários e ordens;
  • construir igrejas e outros edifícios necessários à obra social católica;
  • aprovar ou recusar a aplicação de bulas papais nos territórios portugueses;
  • aprovar ou recusar nomeações de padres, bispos ou párocos, vindas de Roma;
  • autorizar ou proibir a vinda de uma ordem religiosa para o território colonial;
  • autorizar ou proibir a profissão dos votos religiosos de um membro de uma ordem;
  • controlar o número de membros de uma ordem em território português;
  • conduzir investigações do Tribunal Eclesiástico. 

Entretanto, as atribuições do rei eram mais restritas. Sucede que os monarcas portugueses em muitos casos extrapolaram suas funções. Na opinião do historiador Cléber Eduardo:

"O próprio Império percebe que esses poderes não eram tão extensivos assim. A Igreja, ao conceder esse estatuto do Padroado ao Império Português, deu a entender que cabia ao rei, e ao seu legítimo representante, levar e propagar a fé nos territórios conquistados e a serem descobertos. Também dar manutenção a este serviço missionário, mas não meter-se diretamente na nomeação de candidatos e tudo aquilo que já fazia o Império. De onde, portanto, vinha esse poder? Vinha, acima de tudo, de uma extrapolação dos limites do Padroado. O Padroado e os patronatos significavam um rei que toma para si o cuidado da Igreja, mas não uma ingerência nas coisas espirituais, apenas uma relação comum do civil”.

Na época, a autoridade monárquica ainda era vista como algo divino, principalmente na Península Ibérica, o que gerava essas confusões na atribuição do poder.

No Brasil Colônia, a Igreja sofreu uma verdadeira asfixia da parte dos poderosos. A situação se agravou depois de 1832, quando é criada a Mesa de Consciência e Ordens.

A Mesa é uma espécie de escritório burocrático onde se aprovam questões religiosas nas terras ultramar.

Assim, as atribuições que o rei tinha para si nos assuntos eclesiásticos, mencionadas na lista supracitada, foram sendo compartilhadas com os outros membros da Mesa, que exerciam esse poder em suas províncias.

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