Audrey Hepburn entrou para a história como símbolo de elegância e delicadeza no cinema, mas sua biografia é marcada por decisões firmes contra o totalitarismo.
Filha de simpatizantes do fascismo britânico, ela viu a própria família flertar com as ideias de Oswald Mosley, líder fascista do Reino Unido e elogiar a Alemanha nazista.
Adolescente na Holanda ocupada, Audrey viveu a fome, perdeu o tio fuzilado pelos nazistas e também abandonou a possibilidade de uma carreira oficial como bailarina para não se submeter ao sindicato de artistas controlado pelo regime.
Anos depois, já consagrada em Hollywood, a mesma mulher que se recusara a servir ao aparelho cultural nazista colocou sua fama a serviço de outra causa: a defesa de crianças em contextos de guerra e miséria, como embaixadora da Unicef.
Quando Audrey Hepburn virou espiã na Segunda Guerra
Quando a Segunda Guerra Mundial começou, Audrey Hepburn tinha apenas 10 anos. Sua mãe, a baronesa Ella van Heemstra, acreditava que a Holanda seria um refúgio mais seguro do que a Inglaterra, para onde a menina tinha sido enviada para estudar.
As duas deixaram o internato britânico e se mudaram para Arnhem, nos Países Baixos, confiando na neutralidade holandesa.
Em 1940, Hitler invadiu a Holanda. A adolescente Audrey, que sequer falava direito o idioma, passou a viver sob ocupação nazista. As tropas alemãs confiscavam alimentos e recursos para abastecer o front. Até famílias ricas, como a dela, passaram fome.
A situação era ainda mais complexa porque os pais de Audrey haviam sido simpatizantes do fascismo. Em Londres, antes da guerra, eles se aproximaram de Oswald Mosley, líder da União Britânica de Fascistas.
Sua mãe chegou a publicar textos elogiando as “glórias” da Alemanha nazista. Anos mais tarde, a própria Audrey diria que nunca perdoou a mãe por essa fase – mas a realidade da ocupação mudou tudo dentro de casa.
O choque veio também com uma tragédia pessoal. O tio de Audrey, o conde Otto van Limburg Stirum, figura respeitada na sociedade holandesa, manifestou-se contra o regime nazista e foi preso e exeuctado por ter expressado sua dissidência.
Em 1944, quando completou 15 anos, recebeu uma ordem: ou se filiava ao Kulturkammer nazista, o sindicato oficial dos artistas, ou não poderia mais se apresentar em público.
Ela recusou, mas começou a participar de recitais clandestinos. As apresentações aconteciam em casas com persianas fechadas, luz mínima, um piano tocado suavemente.
Em 1944, Audrey deu o passo seguinte. Ela se ofereceu para ajudar o médico Hendrik Visser’t Hooft, membro da resistência holandesa. Apesar da suspeita que cercava a família Van Heemstra pelo passado pró-fascista da mãe, ele aceitou a ajuda: precisava desesperadamente de pessoas de confiança para cuidar de perseguidos políticos e judeus escondidos.
Audrey passou a levar recados e mensagens codificadas, muitas vezes escondidas nos sapatos ou nas roupas. Em setembro daquele ano, começou a Operação Market Garden, tentativa dos Aliados de tomar pontes estratégicas sobre o rio Reno, que atravessa a Suíça, Áustria, Liechtenstein, Alemanha, França e Países Baixos.
Fome de inverno na Holanda sobre ocupação nazis. Crédito: Rudi Hornecke.
Foi depois disso que Audrey recebeu uma missão mais arriscada. Pilotos aliados, obrigados a fazer pousos de emergência na Holanda, precisavam de auxílio. Coube à jovem se encontrar com um paraquedista britânico no meio da floresta, usando palavras-código e levando uma mensagem secreta escondida na meia.
Na volta, deparou com a polícia holandesa colaboracionista. Em vez de fugir, abaixou-se, colheu flores silvestres e as entregou aos policiais, como se fosse apenas uma adolescente distraída. A manobra funcionou. Sem imaginar que carregava informações vitais, eles a deixaram passar.
A partir daí, Audrey intensificou seu trabalho como mensageira.
O inverno de 1944–1945 ficou conhecido como o “inverno da fome” na Holanda. Com os suprimentos bloqueados, cerca de 500 holandeses morriam de inanição por semana. Audrey adoeceu gravemente, com anemia, icterícia e edema, resultado direto da desnutrição.
Em fevereiro e março de 1945, ela e a família voltaram a se esconder no porão, desta vez por três semanas, até que, motivada pelo cheiro de tabaco, uma das substâncias ilegais sobre a ocupação nazista, subiu as escadas e encontrou cinco soldados canadenses fumando e apontando metralhadoras.
Bastou que começasse a falar inglês para que as armas se abaixassem. Um deles exclamou, surpreso: “Não apenas libertamos uma cidade, como libertamos uma garota inglesa!”.
O caminho da Audrey Hepburn a Hollywood
Terminada a guerra, Audrey finalmente estudou balé em Londres, e aos poucos migrou para o teatro e para pequenos papéis no cinema britânico.
Foi quando o romancista francês Colette a viu num set em Monte Carlo e decidiu: aquela jovem desconhecida deveria ser a protagonista da adaptação de Gigi na Broadway.
Em 1953, A Princesa e o Plebeu fez dela uma estrela mundial. Nos anos seguintes, ela se tornou sinônimo de elegância em Sabrina, Cinderela em Paris (Funny Face), Bonequinha de Luxo e outros filmes que definiram o imaginário do pós-guerra.
Após uma carreira de sucesso, Audrey passou a dedicar tempo e prestígio à Unicef. A lembrança das caravanas de ajuda internacional que chegavam à Holanda após a guerra a motivou a retribuir. Em viagens por países pobres da Ásia, África e América Latina, ela se focou na ajuda às crianças.
Hepburn morreu em 1993, aos 63 anos, com o status de ícone do cinema e da moda, mas também com uma biografia de guerra que só recentemente começou a ser levada a sério.
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