André Marsiglia, 45 anos, é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão, foi o primeiro advogado dos inquéritos das fake news. Mestre e Doutorando pela PUC/SP, pesquisa casos de censura no Brasil. É autor do livro “Censura por toda parte”. Escreve para a Brasil Paralelo aos sábados.
Quem está vivo acompanhou nesta última semana a bizarra história de uma moça que estava em um avião, tranquilamente sentada em um assento ao lado da janela, para o qual comprou passagem, e que passou a ser assediada por uma mãe, em razão de recusar-se aceder o lugar para seu filho, que chorava. A mãe da criança mimada filmava a moça e, aos berros, dizia que ela não tinha empatia por seu filho.
Incrível que a mãe, claramente errada, tinha certeza de que estava certa, afinal filmava a moça que, embora certa, de tão constrangida, deve ter pensado estar errada. Eis o mundo do avesso que estamos criando para nossos filhos. Sempre achei que a geração Z era o pior que já tinha acontecido ao mundo em termos de frescura e mimimi, mas,não, a geração vindoura parece ser bem pior.
Jordan Peterson, em seu livro “12 regras para a vida”, ensina que para ser alguém no mundo, antes, é necessário saber arrumar o próprio quarto. Ou seja, mudar o mundo se inicia por mudar a si,assumindo responsabilidades concretas. Peterson, no entanto, não contava com as gerações novas, que não querem mudar nem a si nem o mundo, pois não se importam com o mundo, apenas com seu próprio ego. O mundo deve servir a estas gerações,não ser por elas servido – é isso que as mamães e papais estão ensinando em casa. Como as crianças não saem de casa, isso é tudo para elas.
Essas gerações mimadas acabarão com o mundo, pois o mundo é o que compartilhamos em termos de história,vivências, amores, religião, enfim, cultura. Quem nasce e cresce acreditando ser melhor que o mundo não verá razão para aprender nada com os que vieram antes, nem terá desejo de compartilhar nada com os que virão depois. Apenas fruirão o gozo de sua egoística existência.
Nesse ponto entra a liberdade de expressão, pois é um dos mais importantes valores que temos a compartilhar. Ela é importante porque sabemos que foi historicamente significativa para caminharmos até aqui, e permanecerá sendo importante apenas se desejarmos deixar um lugar melhor para nossos filhos. Se o mundo não interessa aos mais novos, a liberdade de expressão será a eles dispensável, acabará.
Já não chega termos de lidar com os governos e juízes mimadinhos que acabam com a liberdade de expressão do alto do egoísmo de seu poder supremo, teremos também de lidar com os mimadinhos que estão sendo criados para o futuro? Parece que sim.
A briga pelo lugar na janelinha do avião é o de menos; o ponto é que o avião do mundo, com a liberdade de expressão dentro, pilotado por essas novas gerações, parece estar em queda livre. Apertem os cintos!