André Marsiglia, 45 anos, é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão, foi o primeiro advogado dos inquéritos das fake news. Mestre e Doutorando pela PUC/SP, pesquisa casos de censura no Brasil. É autor do livro “Censura por toda parte”. Escreve para a Brasil Paralelo aos sábados.
Nesta semana, a mídia tem roído até o último pedaço o osso de que investigações desbarataram um suposto golpe de Estado em 2022, no qual estariam envolvidos nomes como o do ex-presidente Jair Bolsonaro.
É esquisito, convenhamos, demorarem dois anos para concluírem e tornarem públicas as investigações. Mais esquisito ainda revelarem os fatos a conta-gotas, mantendo a maior parte em sigilo, contudo exporem os nomes dos 37 indiciados sem o menor cuidado, mesmo os fatos estando ainda em uma fase investigativa.
Esquisito também o apego do STF por ser o órgão julgador do caso, deixando-o com o ministro Moraes, mesmo sendo ele juiz e vítima.
Por fim, esquisito o alarde geral com um golpe que, ao que se sabe, foi abortado porque as pessoas envolvidas não tiveram capacidade de pegar um táxi.
Um golpe com tantos poréns, de pessoas que não sabem pegar táxi, tem de ser investigado, mas precisa também receber um mínimo de desconfiança da mídia, sobretudo pelo fato de que o indiciamento de Bolsonaro altera o tabuleiro político e eleitoral para 2026.
Com Bolsonaro sangrando na mídia, o projeto de lei de anistia, que estava tramitando no Congresso a todo vapor, e o favorecia, permitindo que voltasse a se tornar elegível nas próximas eleições presidenciais, fica soterrado para sempre.
Se conspiradores mequetrefes são uma ameaça à democracia, sejamos sinceros, autoridades que interferem no cenário político e eleitoral do país também são.
Mas por que a imprensa aceita a versão oficial sem crítica? O que parece é que os abusos interessam a partir do momento em que quem está na mira é Bolsonaro. A expectativa quase mórbida e incessante dos veículos de comunicação pela prisão do ex-presidente a qualquer momento é prova disso. As únicas e poucas críticas a tudo que se vê chegam de políticos de direita, mesmo que não sejam bolsonaristas, cientes de que se Bolsonaro está na mira hoje, amanhã poderá estar qualquer um deles.
O ponto é que os crimes do país acabam sempre sendo utilizados como um símbolo de que a ideologia de direta em si é criminosa, incita os demais ao crime e ao extremismo. É o que vimos na semana passada com a obsessão em dizer que o “homem-meia-bomba”, o “homem-rojão”, morto na Praça dos Três Poderes, teve influência das redes sociais de direita, vistas pelas autoridades como perigosas e, portanto, dignas de serem caladas e reguladas.
Se houve uma tentativa de golpe, que se apure, que sejam punidos os conspiradores, mas se há em curso um contragolpe para que o cardápio das eleições de 2026 não tenha Bolsonaro, para que os debates do Congresso sejam impedidos de tratar da anistia, isso também deve ser apurado e punido. Ou, no mínimo, discutido pela imprensa.
Golpe é péssimo, contragolpe também. Nenhum deles é sinônimo de democracia. No entanto, se você ligar a TV, ou abrir os jornalões de hoje, apenas uma das versões estará exposta. O golpe está aí, cai quem quer.