André Marsiglia, 45 anos, é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão, foi o primeiro advogado dos inquéritos das fake news. Mestre e Doutorando pela PUC/SP, pesquisa casos de censura no Brasil. É autor do livro “Censura por toda parte”. Escreve para a Brasil Paralelo aos sábados.
Há dois tipos de seres vivos que acreditam não haver censura no Brasil: um deles é o avestruz, aquele animalzinho que, por um desconhecido desígnio divino, quando em perigo, enterra sua cabeça na areia. É a sua natureza, não há o que ser feito. O outro é o que, por um desígnio mundano, enterra sua cabeça nas mídias tradicionais. Sua ignorância é sua natureza.
Com sorte, algum avestruz passará os olhos por este artigo, mas, mesmo assim, não me fiarei a isso e me dirigirei a você, caro leitor sofisticado, que sabe muito bem que vivemos uma época em que a censura assola o país.
Todas as entrevistas e podcasts de que participo, invariavelmente, me perguntam: “professor, onde vamos parar? Quando a censura acaba?”. Brinco que sou uma espécie de desanimador de auditório. Ao expor a censura, exponho também um cenário sombrio que atravessa as vidas de todos nós e, infelizmente, muitas vezes, nos desanima de seguir.
Mas, se levo em um dos meus bolsos a má notícia de um sistema censório instalado no Brasil, principalmente a partir de 2019, com o advento do inquérito das fake news, do qual fui o primeiro advogado, no outro bolso, trago também uma inesperada notícia boa, uma esquisita esperança.
A história mostra que a censura é o último e desesperado passo de todo regime autoritário, uma espécie de carnegão que, expelido, traz a cura. Regimes autoritários buscam invariavelmente se estabilizar pelo populismo. Para isso, seus líderes são carismáticos, constroem-se como pais dos pobres, entregam comida, bebida, diversão e duram manipulando o povo, com agrados. O famoso “panis et circenses” romano.
Enquanto todos estão felizes, não há razão para censura, pois as vozes dissidentes são poucas e insignificantes, não encontram eco em ninguém. Mas quando o regime se deteriora e o líder não agrada mais, o pão murcha, a bebida azeda e o circo, que na modernidade corresponde à mídia tradicional, pega fogo e perde a graça. Nessa hora, as vozes dos críticos se tornam ouvidas pelo povo e o regime, em desespero, censura mais e mais e mais.
Portanto, de forma curiosa, a hora em que as pessoas sentem mais a censura é também a hora mais próxima da censura sucumbir, deteriorado que está o regime autoritário, corroído em suas próprias entranhas. A censura é uma espécie de anunciação de que a própria censura está no fim. Como diz o versículo bíblico, alterado e tornado ditado popular: “não há mal que dure para sempre, nem noite que nunca se acabe”.