Rasta

Um artista, um highlander

Uma festa não tão alegre assim

O Carnaval era a festa da alegria, da irreverência, do pode tudo. Hoje o que mais tem é regra e gente ganhando com isso.

Rasta

Uma festa pagã? Uma preparação cristã? Ou apenas uma licença poética para o vagabundo se fantasiar por quatro dias de esbórnia, mafuá e rendezvous?

No Deixa Rasta de hoje trataremos desta festa popular e folclórica que todos os anos vem atrasar em quase dois meses o início do ano produtivo do país, um feriado prolongado onde homens, mulheres e ancaps saem em cortejo, numa perambulação a esmo, temperando as nossas cidades com um aroma ora azedo, ora cáustico, engajando-se em uma zombaria incansável cuja finalidade é a tomar cachaça até perder o seu celular: O Carnaval.

A origem do Carnaval

Desde os tempos mais primórdios o Carnaval foi sendo incorporado nas tradições e festividades do povo europeu, se tornando, ao longo de séculos, um período da irreverência, da paródia, da gozação e do riso.

As teorias sobre as origens originais mais antigas do carnaval datam até mesmo de festividades do Egito antigo.

Veja só que loucura, as festas de Ísis celebrada pelos egípcios, e também de outras celebrações pagãs do mundo antigo, como os bacanais gregos ou os saturnais romanos são citadas por estudiosos como demonstrações de alegria que podem estar nas raízes do carnaval.

Outros doutores, carnavologistas e bilólogos, comentam que o Carnaval teria origem em ritos de fertilidade e celebrações do final do inverno e do início da primavera.

Outros especialistas, nos contam que o Carnaval surgiu, de fato, no ano 604 depois de Cristo, quando o Papa Gregório I criou a Quaresma. A Quaresma seria composta de 40 dias em que os fiéis se privam de comer carne e gordura antes Páscoa, mas alguns fiéis não tão fiéis assim resolveram que antes de sossegar, seria uma boa chutar o pau da barraca, fazendo uma festa com muita vaca, galinha, porcos, gado d+, e linguiça.

Nesta versão da história, a palavra Carnaval viria do italiano CARNIVALE, que apesar do nome, não significa algo tipo um vale espetinho, mas ao contrário, significa Adeus à Carne. Por conta do excesso de flauteio e folia, desde a antiguidade, mas principalmente ao longo da Idade Média, o carnaval foi se tornando mais inconveniente e polêmico.

Os cristãos não eram contra a demonstração de alegria pelas ruas, mas começaram a achar que era uma extravagância essa gozação toda da galera.

No Brasil, o carnaval chegou através dos portugueses e se desenvolveu de formas diversas. No Rio, temos as escolas de sambas. Em São Paulo, temos uma cópia das escolas de samba do Rio. Na Bahia, temos o trio elétrico e o axé.

Em Brasilia, temos a fantasia, o devaneio, vários homens do mesmo sexo se reunindo em prédios com arquitetura de motel para uma cerimônia em que se escrevem muitas leis e se imprime muito dinheiro.

O melhor carnaval de todos!

Mas toda essa patuscada não se compara ao carnaval de Recife, o melhor carnaval do universo, sim, do universo. Rio, vou te pegar na zero hora e te passar a lambida, São Paulo, nunca serão, Bahia, quero ver essa guitarrada de metaleiro de vocês aí nessa pedaleira zoom quando eu cortar tua luz, vai fazer buxa de corda.

Um pernambucano nunca será indiferente à festividade que toma as ruas da cidade na maior festança pública gratuita em linha reta da galáxia. É verdade, o Pernambucano tem uma megalomania danada no que diz respeito a coisas irrelevantes, a gente se orgulha muito de ter o maior carnaval de rua do mundo e a maior avenida em linha reta da América Latina.

A avenida Caxangá, a dita maior avenida em linha reta da américa latina, é também uma extensão interminável de feiura comparável às planícies de Gorgoroth na escura terra de Mordor. O maior carnaval de rua do mundo segue a lógica daquilo que é público e gratuito, a qualidade é duvidosa.

Mas isso não importa pra gente, pois desde pequenos nós olhamos para o carnaval com uma certa nostalgia, dos tempos áureos do grande Leão do Norte, nossos pais e avós contam histórias de amores passageiros ou não correspondidos e o uso de entorpecentes como o lança-perfume quando os blocos de rua passavam tocando seus saudosos Frevos.

Sim, o Frevo é o nosso estilo musical de carnaval, São Paulo e Rio usam o Samba, a bahia usa o Axé, nós temos o Frevo, um ritmo acelerado e vibrante, cheio de frases em semicolcheias e stabs de metais em alta velocidade, é praticamente uma marcha de Mardi Gras em New Orleans depois de alguns entorpecentes.

Isso faz com que a gente olhe para o carnaval com o viés apaixonado daquele bêbado que olha pra aquela ex que foi uma beldade há 20 anos atrás e que hoje já está com a carinha de boneca estragada e sofrida, e que de cada amor herdou apenas o cinismo.

O ano inteiro, a cidade se isola em seus carros ou em seus apartamentos climatizados que mais parecem CPUs de computador e pouco usam as ruas, violentas, esburacadas, com cheiro de esgoto e repletas de ratos e baratas.

Mas no carnaval a gente esquece tudo isso e sai pulando ao som de madeira de lei que cupim não rói, levantando o dedo como se a injustiça lamentada por Capiba ante a derrota do bloco Madeira do Rosarinho pelo Batutas de São josé fosse simbólica de alguma coisa qualquer que a gente também lamente.

É até engraçado eu ver as autoridades preocupadas acerca de cancelar ou não o carnaval por causa do Corona, mermão, se o Covid bater no bloco do galo da madrugada no sábado de carnaval ou der ali em peixinhos na quarta-feira de cinzas, quem vai precisar de máscara é ele.

Eu lembro da última oportunidade que tive de ir ao Carnaval, em 2018, eu cheguei em Recife na madrugada da terça-feira gorda para a quarta-feira de cinzas, saí do aeroporto, deixei minhas coisas em casa e peguei um táxi para o Recife Antigo, movido por aquela curiosidade saudosa.

Chegando perto eu já comecei a me arrepender, o trânsito não andava, então eu saí do carro e resolvi ir andando, eu estava vestido como eu normalmente me visto na montanha, de cartola, botas e do jeito que vocês me vêem normalmente, não me passou pela cabeça trocar de roupa, ninguém ia me notar no meio de um monte de papangus, alaursas, homem aranha, neymares, osama bin laden, tinha até gente vestida de chicungunha e se liberarem o carnaval esse ano, pode ter certeza que vai ter a fantasia do omicron.

Ledo engano, o pessoal olhava, soltava um olha a família buscapé ali, outros pensavam que eu era o lenine, ou o alceu valença, ou outro membro dessa minha raça de pernambucanos conhecida como o "galego sarará."

Mas o negócio começou a tomar ares de perigo quando eu passei pelo Marco Zero. Eu continuei pela rua da Guia em direção à praça do Arsenal, quando eu avistei 4 cabeças de cabelinho na régua, uma laranja, outra amarela, outra verde e uma roxa, eram 4 malas do apocalypse.

mala-corte-na-régua

Mala, para quem não sabe, é a abreviação usada pra maloqueiro, indivíduo caótico neutro que, dependendo do rolar dos dados, tanto pode engajar em uma transação comercial envolvendo uma latinha de loló, quanto pode levar os teus pertences sem o teu consentimento em uma transação muito parecida com aquilo que a gente chama de imposto.

Não duvido que alguns esquerdistas da minha cidade chamassem isso de imposto de justiça social. 

Evitei contato ocular, mas eles já me fitaram de longe, e caminhavam em minha direção, foi quando eu pensei "eita, lá vem a hora da botada" a botada é o bote, o ataque, o famoso "bora movéi, passa o redondo aí", mas a minha surpresa foi que um dos malas chegou com os amigos assim perto de mim e disse "eita que cowboy lindo da moléstia."

Eu sempre ouvi as meninas reclamando de assédio no Carnaval, mas eu nunca pensei que aconteceria comigo, é desconfortável, lisonjeiro, não vou mentir, é bom saber que eu teria opções caso eu entrasse para o PSOL um dia, mas é desconfortável esse caminho em direção a uma igualdade nos vícios.

Eu continuei andando como se não tivesse ouvido nada e cheguei à esquina da Praça do Arsenal, já sem medo quando comecei a escutar uma troça carnavalesca tocando seu frevo. Imediatamente a nostalgia se instalou no meu coração, mas aí a cornetada passou pelo meu ouvido.

Foi-se o tempo da alegria…

Eu tinha as lembranças das troças carnavalescas passando meio como um musical desses que o cara sai cantando na rua, mas a verdade é que eu testemunhei uma farândola mequetrefe, uma tarantella de ébrios, uma cornetada desafinada danada, entendi naquele momento, com certa tristeza e vergonha, que o carnaval, bem como meus amores, era apenas mais um fantasma que pintei como melhor do que deveria.

Mas a verdade é que eu não era o único, mesmo os que estavam ali entregues a Baco pareciam ter uma certa tristeza, jovens señoritos fazendo suas cirandas de maluco com bandeiras de Cuba e Venezuela, bandeiras do MST, meninas claramente incomodadas com o sexismo assediador reinante na festa popular da libertinagem, enfim, todos estavam ali com uma expressão de que o mundo não está como deveria ser, e que aquela era a hora de rir para chorar depois, Melpomene e Thalia correndo de mãos dadas pelo mangue.

Hoje para muitos o carnaval é um espaço para quebrar as regras e convenções, mas a tragédia é que o lugar para essas extravagâncias lúdicas só faz sentido como exceção – sem uma maior parte do tempo de normalidade, a libertinagem vai se tornando tão normativa e autoritária quanto qualquer outra forma de moralismo tropical. É como já diziam os acadêmicos de Milton Friedman:

“Ô seu doutor, o que que tem se amar?
O que não vale é ferir o PNA
O Carnaval é tempo de libertinagem
Cair no passo e se engajar na vadiagem
Então procure não se indignar
(...)
O que não vale é entrar para o PSOL."

A verdade é que após muitos anos e exageros, já não resta quase mais nada. Não há mais regras a serem quebradas sem que a gente termine entrando in very dark places.

Então, tudo que resta aos foliões que possam fazer além de começar a reverter tudo a um moralismo travestido de libertino, que mesmo sendo um moralismo diferente, não deixa de ser um moralismo calhorda e destituído de qualquer senso das proporções. 

Toda suruba termina precisando de regras, meus amigos. Seja ela uma suruba explícita ou implícita, como é o carnaval, ainda vai haver regras.

E quanto mais pessoas forem participar, mais regras vamos precisar. Experimente olhar demais para a galega e você vira um opressor machista.

Recuse o beijo da mulher cobra e é porque você tem fobia. Essa extravagância moderna é a mais ordeira e legalista que já existiu na história humana. Vale tudo, exceto não participar.

Veja que a sua avó pode ter te dado uma bronca porque te pegou no flagra, mas embora te chamasse de moleque safado, ela não ia te comparar a Adolf Hitler.

Agora teve o caso lá das gurias lésbicas acusadas de transfóbicas porque disseram que não queriam beijar mulher trans:

"Ouvi uma pessoa dizer que preferia me matar do que [matar] Hitler", disse Jennie, de 24 anos. "Disse-me que me estrangularia com um cinto se estivesse em uma sala comigo e Hitler. Isso foi tão bizarramente violento, só porque eu não saio com mulheres trans".

Poxa, cara. Que isso? Existe uma galera que realmente acredita que uma sociedade ideal, uma sociedade sem ódio e preconceito é aquela em que todo homem e toda a mulher aceitam deitar com todos os tipo-outros sem nenhum discernimento, baseado apenas na subjetividade com que o outro se reconhece. Isso é de uma tirania sem tamanho.

Eu lembro que na minha época de gadeagem lá no Brooklyn, eu achei uma galega no tinder, rolou um match e ela me pediu meu telefone e a gente começou a se falar. Logo nas nossas primeiras mensagens ela me mandou essa:

“Eu sou poliamorosa, eu só me relaciono casualmente com mulheres, com homens eu preciso ter uma conexão e um compromisso, eu não como carne, eu sou contra o fracking, e eu não tolero negatividade nem republicanos.”

Eu respondi a ela que nem minha ex n3, que era uma patricinha do colégio Damas, tinha tanta regra.

Aí eu me lembrei da professorinha que eu tinha no colégio, que era aquela professora legal, e como tal, volta e meia tinha que expulsar da sala algum vagabundo que se aproveitava da liberdade que ela dava.

Ela sempre fazia isso dizendo: Liberdade não é Libertinagem, ou, como diriam os acadêmicos de Milton Friedman:

“Ô seu doutor, o que que tem se amar?
O que não vale é ferir o PNA
O Carnaval é tempo de libertinagem
Cair no passo e se engajar na vadiagem
Então procure não se indignar
Mas não invente de querer normatizar
Que é para não cair em bigodagem
Liberdade não é libertinagem"

E falando em bigodagem, é hora do nosso Troféu Bigodagem:

Troféu Bigodagem

Nosso Troféu Bigodagem de hoje vai para ninguém menos que para a liga, união, associação, ou federação das escolas de samba.

As escolas de samba foram uma evolução dos ditos ranchos carnavalescos, ou blocos de carnaval que surgiram na então capital do Brasil, o Rio de Janeiro.

Antes mesmo do samba existir ou ser importado da bahia (segundo afirmam alguns especialistas), os cariocas já estavam lá fazendo a sua quizumba, tocando uma marchinha com cavaco, ganzá e corneta, enquanto os populares atiravam jatos d’água uns nos outros e faziam baixarias.

Quando o samba começou a emergir no cenário carioca, aparentemente não era muito bem quisto pelos guardinhas da cidade, que andavam fiscalizando os calos e os pandeiros pelas ruas.

Foi por isso que o sambista João da Baiana andava com um pandeiro autografado pelo Senador José Gomes Pinheiro de Machado, um membro do Partido Republicano Conservador, e um dos primeiros grandes entusiastas do samba.

O pandeiro autografado pelo Senador servia para que João pudesse dar uma carteirada, ou uma pandeirada no guardinha que viesse querendo enquadrá-lo no artigo jacaré por conta da sua vadiagem.

Não demorou muito e os ranchos carnavalescos começaram a incorporar o samba e começaram a surgir as primeiras escolas de samba do Rio de Janeiro. Num clima de descontração as escolas competiam com sambas alegres e debochados.

Alguns anos depois, outro político que começou a se entusiasmar com esse negócio de samba, porém com uma agenda definida e de maneira mais oportunista, foi o ditador fascista predileto da esquerda brasileira, Getúlio Vargas. Chegávamos ao primeiro capítulo de uma longa história, então, senta que lá vem.

Numa permuta safada, Getúlio ofereceu a primeira verbinha governamental para as escolas de samba em troca cantarem sobre os temas de sua preferência, abandonando temas locais, sobre o samba e suas comunidades, e passando a abordar temas sobre causas patrióticas e nacionais.

Dizem por aí que o Getúlio tirou o samba da marginalidade ao apoiar as escolas de samba, mas eu não posso celebrar que o picareta tenha transformado pela primeira vez na história as escolas de samba em sevandijas e os carnavalescos em uma sub-classe de funcionário público.

Enquanto os afiliados ganhavam, outros sambistas, mais fiéis à sua vocação pra vagabundos, zombavam do trabalhismo do estado novo varguista, e ex-felizmente não ficaram em tão bons lençóis quanto os vendidos, sofrendo com intervenções em seus sambas, ou seja, censura.

Foi o caso de Ataulfo Alves e Wilson Batista, que tiveram seus lindos versos “O bonde São Januário / leva mais um sócio otário / só eu que não vou trabalhar para O bonde São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar.”

Chega me deu uma coceira aqui.

E foi assim que o que era espontâneo e popular foi se tornando centralizado, direcionado e oficialesco e após 3 anos ganhando verbinha, em 1938, os sambas-enredos com temas históricos internacionais se tornaram proibidos, através do primeiro artigo da regulamentação da, então, União das Escolas de Samba.

Nos anos 40, o espírito de discurso nacionalista seguiu forte e o desfile das escolas de samba chegou até mesmo a ser organizado pela tal Liga da Defesa Nacional e posteriormente sob o governo Dutra, foi dada a determinação que os sambas enredo tivessem motivos nacionais.

Nesta mesma década, o partido comunista brasileiro conseguiu sair da clandestinidade por dois anos e uma das primeiras coisas que fez foi se aproximar da então União Geral das Escolas de Samba, que estavam voltando a organizar o carnaval, e ganharam o apelido de União das Escolas Soviéticas.

Durou pouco, mas foi tempo suficiente para organizarem diversos comícios nas quadras das escolas e excrusivemente patrocinarem um desfile especial com a participação de 22 escolas de samba, em Novembro de 1946, em homenagem ao Cavaleiro Comunista da Esperança Luiz Carlos Prestes.

Estavam plantadas aí as primeiras sementinhas que nos fariam ver e rever temas incansáveis sobre as maravilhas, desafios, dramas, e outras anedotas da história do Brasil, com um tempero sulfuroso por vezes de esquerdismo, outras de governismo mas, sempre, de muita politicagem, e principalmente, de um tremendo oportunismo.

É por essas e outras que saiu de cena a zombaria e fanfarra das marchinhas e foi nascendo uma tradição que nos colocava num túnel psicodélico sem fim do Brasil colonial ou imperial, de navegações portuguesas, belezas naturais, índios carajás, escravos e caboclos.

Esse excesso de imagens pindorâmicas para gringo ver e depois achar que tem girafa na amazônia.

Fique sabendo que quando uma expressão popular mais parece que virou uma aula de história e geografia é porque passou por ali um político, um fiscal, um intelectual ou um idealista.

Você sai de casa achando que ia se dar bem, e de repente, o cara tá se embriagando e ao mesmo tempo tomando lição de educação cívica. Desse jeito fica ainda mais difícil acreditar que o Estado faça sequer a mínima ideia do que significa educar.

É captando este espírito do tempo que surgiu o nosso samba-enredo mais querido de todos os carnavais, e que nos ensinou a dizer “desde os tempos mais primórdios”.

Algumas décadas depois, já sob os governos militares, e quando o povo já ficava acordado pela madrugada para ver a Mangueira entrar, a Mangueira entrou e entrou forte com um samba enredo para agradar os milicos cantando e exaltando o recém criado Correios, "os Modernos bandeirantes". Pouco depois, foi a vez da Beija Flor agradar a ala de Charlinhos dos militares com o tema “Educação para o Desenvolvimento”.

Graças à intervenção iniciada por Getúlio, seguida pela determinação de Dutra, que em sequência gerou determinações que geraram mais determinações, apenas em 1997 caiu finalmente a obrigatoriedade dos temas nacionais e por 60 anos o carnaval havia sido dominado pelas mesmas mesmices, manias e delírios.

Mas para alguns tudo, certamente, valeu a pena. Afinal, nesse meio tempo o desfile das escolas de samba conseguiu se tornar a marca maior do carnaval do Brasil e do Rio.

Nos anos 80, o dirigismo estatal também presenteou o carnaval carioca com o primeiro sambódromo do Brasil. Numa bigodagem faraônica, o antropólogo Darcy Ribeiro não precisou se esforçar muito para convencer o governador comunista do Rio, Leonel Brizola, a transferir um tanto do nosso imposto para alguma empreiteira qualquer e para o bolso de um outro amigo comunista, Oscar Niemeyer, que retornava ao Brasil após alguns uns anos exilado na Europa.

E já voltou ganhando. O custo dessa fanfarra foi de 18 bilhões de cruzeiros, que atualizados para hoje em dia deve dar uns 400 milhões de reais.

No início dos anos 2000, com a chegada da internet, a banheira do Gugu, a playboy e o desfile do carnaval pouco a pouco começaram a perder uma certa popularidade entre os jovens de 12 a 16 anos e, principalmente, entre os pais de família que já tinham suas necessidades atendidas.

Porém, enquanto o interesse do gado diminuía, sob o governo petista, o carnaval caiu nas graças de bigodeiros estrangeiros. Em 2006, A Vila Isabel teve um terço dos seus custos financiados pela estatal petrolífera venezolana PDVSA.

Obviamente para o agrado do autoritário Hugo Chávez, a escola cantou sobre a latinidade, e dedicou carros alegóricos e homenagens ao assassino Che Guevara e Simón Bolívar, ídolo dos socialistas bolivarianos. Enquanto o chavismo investia em fazer propaganda no Brasil, sob o governo Lula, o BNDES emprestava os nossos fundos para financiar obras na Venezuera.

E quando se fala o nome Lula, é certo que teremos mais alguma falcatrua. Nos anos seguintes, outro líder que achou que seria uma boa investir no nosso carnaval foi o presidente-ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que está há 40 anos no poder.

Em 2015, a imprensa veiculou a informação de que o ditador teria despejado 10 milhões de reais na conta da Beija Flor para em troca receber um desfile em homenagem ao seu país.

Estranhamente alguns da imprensa disseram que a beija flor havia feito bonito ao deixar a política da Guiné Ecuatorial de lado para falar sobre as belezas do país, justamente quando o que a beija flor, de fato, fazia era uma passeata, uma propaganda política em favor de um país sob os olhos do filho do comandante desta ditadura.

Mas a relação do nosso Brasil com o ditador Mbasogo já vinha de outros carnavais, mais precisamente, desde que o seu amigo, Lula, foi visitá-lo em 2008 e iniciou a aproximação dos dois países.

Após 10 anos de amizade, a relação culminou com a acusação de lobismo e lavagem de dinheiro contra o nosso ex-presidente, que teria recebido uma recompensa por ter interferido em favor de uma empresa para fecharem um negócio junto ao seu amigo da Guiné Equatorial. Mais uma acusação que pegou mal pro Lula, mas certamente nem tanto para o amigo Mbasogo, que tem um histórico ainda mais rico de acusações de fraudes, assassinatos e tortura.

Além das amizades duvidosas, não posso deixar de lembrar que Lula foi ele próprio homenageado com um samba-enredo da Gaviões da Fiel em 2012. Coincidentemente esta homenagem aconteceu logo após o nosso sapo barbudo favorito ter supostamente pressionado a Odebrecht a construir o estádio do curintcha, clube favorito do presidente e dos foliões da escola de samba.

Outra suposta maracutaia carnavalesca seria em 2008, quando Lula também teria pressionado um diretor da Petrobrás a doar 1 milhão de reais a cada escola da elite do carnaval carioca. 

Mas já estou enfadado com esta lista infindável de bigodes.

E me vem esse monte de escola e carnavalesco e artista querendo lacrar na porcaria do carnaval como se tivessem algo para ensinar à sociedade. Aceitam tudo. Adoram uma boa almofadinha.

Vale dinheiro de bicheiro, traficante e ditadura para ganhar no carnaval. O cara começa a cortar uns isopor e cartulina, cola uma calcinha com pluma roxa e purpurina, cheira uma linha e pronto: já se vê a si mesmo como autoridade de alguma coisa, discutindo as questões da estrutura da sociedade e debatendo fake news.

Recentemente teve um desfile com carro alegórico falando sobre fake news. E eu aqui pensando que iam falar sobre aquele carnaval exaltando os correios nos anos 60.

Meu irmão, a existência dos correios é uma fake news. Marcelo Adnet falando sobre justiça social é fake news. As garotas mais fogosas que tu beijou quanto tava com a cara cheia de cachaça no carnaval são fake news.

Escolas de Samba que dizem representar uma comunidade, mas que lacram e ignoram moradores que não concordam são fake news.

Dar verba para escola de samba e dizer que isso ajuda a educação é fake news. Socialismo e liberdade é fake news. Democrata que faz turnê mundial bajulando tiranos e ditadores é fake news.

Nós não podemos nem mais ter uma festa feliz, uma festa alegre, uma festa cantante, uma festa espontânea pelas ruas que já aparece um monte de candidato com vocação pra síndico.

Experimenta querer fazer uma festinha junina na tua rua que certamente já vai aparecer uma tia ensebada querendo cagar regra, mandar e coordenar. União, ordem, liga, associação, federação, clube. Sempre que aparecer alguém querendo organizar, saiba que a primeira coisa que ele vai querer organizar são as próprias contas.

Ficou tudo realmente muito bem organizado, principalmente com privilégios enormes, a transferência dos nossos impostos, e uma bigodagem tremenda, persistente, constante e sem fim.

Então, pelo conjunto da obra e por sua história quase centenária de oportunismo e de escada de políticos, ao nosso desfile de escola de sambas fica aqui o nosso singelo prêmio, o Troféu Bigodagem.