Normalmente, quando se fala em Relativismo refere-se a uma tendência contemporânea em tentar desconstruir de algum modo as noções de bem, verdade e beleza.
Qual o problema do Relativismo? Determinadas verdades passam a deixar de valer porque depende da pessoa que fala ou do contexto em que ela fala. Para uma pessoa algo é verdadeiro, enquanto para a outra não é porque elas estão em situações distintas.
Tenta-se desconstruir os universais porque eles são relativos a um conceito, a um lugar específico.
O mesmo pode se aplicar à beleza. O que é belo para uma pessoa, o que ela vê com seus olhos e julga como belo, não é a mesma coisa para outra. Portanto, não existem padrões comuns.
É evidente que as pessoas têm divergências, isto é natural. Mas não significa que não exista uma realidade objetiva sob a qual as pessoas possam divergir.
Para que uma pessoa possa divergir da outra em um juízo acerca da Escola de Atenas de Rafael Sanzio, é necessário que ambas estejam vendo a mesma obra.
É necessário ter algo em comum, como uma experiência do real, para ser possível conversar com a outra pessoa. É preciso simbolicamente com as palavras expressar de algum modo essa realidade comum, caso contrário é impossível conversar.
O primeiro mito que precisa ser desconstruído é essa ideia de que o relativismo oferece mais diálogo. Não. Não tendo uma experiência comum de valores, de percepção da verdade, de apreciação de algo, é impossível dialogar com uma pessoa.
É necessário partir de um ponto comum para dialogar. A tendência do relativismo é isolar as pessoas de um diálogo. Isto gera uma agressividade nas pessoas.
Quando tenta-se mostrar a uma pessoa que sua preferência é algo descolado da realidade, a tendência é a pessoa reagir de maneira agressiva. O relativismo não facilita o diálogo.
O segundo mito é que: partindo do pressuposto que há uma verdade objetiva, força-se sobre as pessoas um padrão. Isto é uma mentira porque, apesar de existir uma verdade objetiva, há um amplo espaço para a multiplicidade das pessoas.
Dentro da ordem existem multiplicidade. É possível uma pessoa apreciar arte imperial japonesa, a arte do Rafael Sanzio e a arte Gótica, e o fato dela julgar essas três coisas distintas como belas, em nenhum momento a obriga a achar que um rabisco é a mesma coisa que um quadro do Caravaggio.
Não há nada que obrigue uma pessoa a gostar de uma coisa ou outra. A multiplicidade de coisas belas, tal como a multiplicidade de coisas boas não força a noção de que qualquer coisa é igualmente boa, que não existem graus entre as coisas.
Uma coisa não se implica da outra. Isto é uma falácia do consequente.
É possível ter um valor universal, por exemplo. Efetivamente existem experiências do real, pontos identificáveis. Por exemplo: um triângulo tem ângulos internos em que a soma é sempre 180.
Os elementos de Euclides tem propriedades válidas. Há uma série de coisas sobre humanidades que é possível saber, a causa vence o efeito. Existe uma série de coisas que existem e são objetivas.
O encontro das pessoas diante dessas coisas é uma experiência do real. Alguns relativistas ainda propõem abstrações como: “mas e se o mundo for uma ilusão?”
Isto pode funcionar apenas como exercício lógico. É um auto engano fingir que todas as experiências não são reais. Um tremendo caso de auto engano.
À medida que se tenta forçar isso para acabar com a gradação das coisas, com os juízos de objetividade, obviamente está se jogando fora qualquer tipo de legado e esperança em relação à realidade.
Um exemplo de bem objetivo, de virtude é a alimentação. Comer em excesso faz mal ao organismo. Existem diversas possibilidades do que é excesso, pensando na quantidade que vai configurar isto, uns ingerem mais calorias outros menos, portanto o excesso para cada pessoa sofre uma variação.
Não obstante a variação, existe o excesso e as consequências associadas a ele. O exagero vai fazer mal, isto é algo evidente. A razão grita para a pessoa aceitar este fato.
Quando se fala que o Cristianismo é moralista, com uma ética rígida, tudo isto é uma balela. O pecado da gula nada mais é que uma afeição pela comida em excesso, uma atitude desordenada diante dos alimentos.
Comer em excesso, por definição, é uma forma de prejudicar a si mesmo. Isto é universal. Não admite exceções.
Do mesmo modo que a soma dos ângulos internos do triângulo é 180º, isto também é uma verdade universal. A pessoa pode ficar desenhando triângulos livremente num plano reto que o resultado não vai mudar.
Antes que digam “ah, existe o plano não inclinado, a geometria não euclidiana, aí muda um pouco”. Mas aí já não está se falando da mesma coisa.
Independente, o ponto é: existem fatos da realidade que são universais, sem dúvidas eles admitem variações, multiplicidade, mas estas mudanças têm valores comuns.
Os valores comuns permitem a uma pessoa aferir se:
Eu consigo aferir hábitos que vão melhorar a vida de uma pessoa, outros que vão piorar.
Na beleza é possível perceber que existem obras que são claramente, simbolicamente, visualmente mais trabalhadas e, portanto, trazem uma experiência humana mais profunda do que outras obras.
É possível discutir se Bach é superior a Mozart, isto é uma discussão, uma divergência, mas o debate só existe porque há alguma objetividade como referência.
Agora, quando uma pessoa entra num ponto em que todo tipo de música é igual, acaba a racionalidade. A pessoa já não está mais abordando a humanidade com racionalidade. Exclui-se a possibilidade do papel civilizatório da razão humana.
Este é um dos grandes dramas de hoje. As pessoas realmente acham que a razão humana não deveria fazer parte da discussão, deveria ser excluída. É um irracionalismo tremendo.
Aquela noção do “eu vou tolerar uma opinião divergente da minha” é uma questão tradicional, é uma base das sociedades civilizadas conviver com ideias distintas, mas ela virou a aceitação irrestrita do erro.
As pessoas se veem obrigadas a não dizer se uma coisa está errada. Não se pode aferir que determinadas coisas tem universalidade por trás delas.
Essa postura atrapalha o homem. Quando se cai no relativismo, afasta-se da busca:
Tudo é igual. Esta máxima levada às últimas consequências propõe que não é necessário buscar nada. A pessoa para de buscar a verdade, vai conformando-se, cai num indiferentismo.
No fim, tanto faz, tudo é a mesma coisa. Isto é um nihilismo tosco. O indiferentismo é uma decadência do homem, fruto do espírito relativista.
É preciso abrir mão desse indiferentismo, voltar a buscar o sentido na vida e voltar a buscar objetividade na realidade. Morreu aquele espírito de investigador científico, de buscar a verdade.
Morreu porque o cientista hoje é relativista, ele apresenta um resultado para sua pesquisa, mas aponta aquele outro que é diferente, que contradiz o seu.
Claro que a ciência não lida com verdades de cunho metafísico. Mas independente disso, o espírito da pessoa que busca a verdade é indispensável para qualquer pessoa.
Outro grupo que se perdeu nesse processo foram os críticos de arte. Hoje eles querem falar qual foi o sentimento diante da obra, uma linha kantiana de juízes de gostos, um grupo que se considera iluminado:
“A maioria dos artistas disse que tal coisa é verdadeira.”
“A classe artística considera tal coisa verdadeira.”
“A mídia falou que tal coisa é verdadeira.”
Isto é uma substituição minúscula do real. Nesse vazio existencial, as pessoas abandonam justamente aquilo que distingue os homens: a capacidade racional de distinguir quais são os hábitos que vão elevar a alma, melhorar a vida e encontrar o bem.
O relativismo moral acaba com isso. A noção de que é possível descobrir uma verdade, encontrar os universais, aquilo que fundamenta esse cosmos, esta noção que distingue os homens dos outros animais. Esta noção é morta pelo relativismo que ofusca a verdade.
O relativismo em relação à beleza faz com que as pessoas se cerquem de coisas feias. Aliás, o quanto é feio a vida em que se vive ordinariamente. Ela é cheia de coisas grotescas.
O documentário de Roger Scruton Por que a Beleza Importa mostrou muito bem como a humanidade está cercada de coisas feias que influenciam o dia a dia das pessoas. Deixando as pessoas mal, com a saúde mental debilitada.
A recusa dessas coisas é algo muito ruim. O relativismo é justamente essa recusa. Ele não traz tolerância, na verdade ele traz a perda de valores comuns, a perda da inteligência e ele basicamente é um comodismo.
As pessoas, para fazerem pose de tolerantes, universais e igualitaristas, desistiram do trabalho intelectual. Aquele que construiu a civilização que vivemos.